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pergunta:

"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

3.6.13

Pequeno glossário do racismo linguístico


O preconceito é um sentimento, uma crença pessoal com relação a alguém ou a alguma coisa, uma noção subjetiva, portanto. Sua contrapartida prática, objetiva, é a discriminação. Não podemos combater o preconceito porque ele vive na mente de cada pessoa, mas podemos e devemos combater a discriminação, porque ela prejudica o convívio social democrático.

Na longa história das difíceis relações entre os povos, a língua sempre foi, tem sido e é usada como instrumento para a veiculação explícita do preconceito, ou seja, como instrumento de discriminação contra grupos sociais ou povos inteiros. Essa discriminação é tão explícita que se cristalizou numa série de termos empregados para designar o outro, aquele que fala diferente e, portanto, deve ser ridicularizado e até mesmo exterminado, pura e simplesmente.

Um conhecido registro do emprego da língua ou, mais precisamente, da variação linguística como arma mortal é o que está registrado na Bíblia:


Guilead tomou os vaus do Jordão, que davam para Efraim. Ora, quando um fugitivo de Efraim dizia: “Deixa-me passar”, os homens de Guilead lhe diziam: “És efraimita?”. Se ele respondesse: “Não”, então eles lhe diziam: “Pois bem! Fala Shibólet”. Ele dizia: “Sibólet”, porque não conseguia pronunciar como convém. Então era preso e degolado junto aos vaus do Jordão. Tombaram naquele tempo quarenta e dois mil homens de Efraim.
(Juízes, 12: 5-6)

 

Esse episódio bíblico relata a guerra travada entre duas tribos de Israel, a de Guilead e a de Efraim. Como eram povos irmãos e falavam a mesma língua, o hebraico, o modo empregado pelos guileaditas para identificar um efraimita era o sotaque. Os efraimitas pronunciavam sibólet o que os guileaditas pronunciavam shibólet (palavra hebraica que significa “espiga”). Por causa disso, até hoje, nas línguas ocidentais, se emprega o termo shibboleth para designar algum elemento empregado para rotular, identificar ou discriminar alguém: no dicionário Houaiss ela vem escrita xibolete. Graças a essa mínima diferença fonética, os efraimitas eram identificados e imediatamente mortos pelo fio da espada. Transformado em violência simbólica, esse uso do sotaque como forma de discriminar, ridicularizar e humilhar as pessoas é bastante vivo em todas as culturas.

Como quase tudo na cultura ocidental, a história da discriminação linguística começa na Grécia antiga. Afinal, é de lá que vem a palavra e o conceito de xenofobia, “horror ao estrangeiro”. Para os gregos antigos, a única língua merecedora de tal rótulo era, evidente, o grego, língua perfeita, lógica, suave e sonora. Qualquer outro modo de falar recebia o rótulo de bárbaro, palavra onomatopaica com a qual os gregos queriam indicar que todos os demais povos não falavam, mas sim gaguejavam algo como bar-bar-bar. Essa palavra pode ter parentesco com o latim balbus, “gago”, de onde nosso verbo balbuciar e o substantivo balbúrdia. Seja como for, o que era de início apenas um modo pejorativo de designar os modos de falar rapidamente se transferiu para as próprias pessoas que assim falavam, e é por isso que até hoje, no Ocidente, usamos bárbaro com o sentido de “rude, grosseiro, incivilizado, agressivo, feroz”. E é de bárbaro que provêm nossas palavras brabo e bravo.

É curioso como os séculos passam mas os os pontos de vista cristalizados demoram a se modificar, quando se modificam. Os gregos e os romanos invadiram diversas terras e conquistaram diversos povos, mas nunca foram chamados de “bárbaros”. No entanto, até hoje, chamamos de Invasões Bárbaras o movimento migratório dos povos germânicos e outros, que aproveitaram a debilidade do Império Romano decadente para se expandir. É o mesmo que acontece hoje quando as forças imperialistas do Ocidente opõem os “terroristas” aos “aliados”. Um governo islâmico repressor como o do Irã é classificado de “terrorista” simplesmente porque se opõe aos Estados Unidos. Um governo islâmico mais repressor ainda como o da Arábia Saudita, onde as mulheres nem sequer podem dirigir um carro, é chamado de “aliado” porque apoia os Estados Unidos em suas pretensões imperiais. Simples assim.

Outro termo também surgido na Grécia antiga e usado de forma distorcida é dialeto. Para os gregos, dialeto designava o modo particular de falar o grego nas diferentes regiões de cultura helênica. A palavra não tinha sentido pejorativo, até porque cada dialeto era empregado, na literatura, para a produção de gêneros literários específicos: um dialeto para a poesia épica, por exemplo, outro para a dramaturgia, outro para a lírica etc. No entanto, no transcurso do tempo, o termo dialeto, que passou a integrar a terminologia da linguística, veio a designar não uma simples variedade regional, mas um modo “errado” e “deselegante” de falar uma língua. Além disso, também passou a ser empregado, no auge do período colonial, para designar a língua de povos “primitivos”, como índios e africanos, em oposição às “línguas” dos colonizadores. É esse sentido colonial que aparece, por exemplo, nessa declaração do cineastra Victor Lopes, diretor do documentário Língua – vidas em português, de 2004:

A língua portuguesa serviu como um elemento unificador da comunicação em territórios nos quais se falavam, e ainda se falam, dezenas de dialetos maternos das diversas tribos que a colonização atingiu. Assim, em Moçambique, onde se falam hoje cerca de 35 dialetos locais, o português é língua materna de 3% da população, mas é utilizado por cerca de 40% dos moçambicanos (grifos meus).

Ora, em Moçambique são faladas 35 línguas diferentes, de diferentes famílias linguísticas! Mas o cineasta, quem sabe até inconscientemente, se deixou levar pelo uso discriminatório convencional.

Histórias mais amenas também existem. A cidade de Pádua, na Itália (Pádova em italiano), era chamada Patavium em latim: seus habitantes, portanto, eram os patavinos. Como falavam a língua vêneta, os falantes de latim não compreendiam o que eles diziam. Daí surgiu a expressão “não entender patavina”, ou seja, não entender a língua dos habitantes de Pádua. No mesmo espírito, existe em português a palavra algaravia (algarabía, em espanhol), cujo significado é simplesmente “língua árabe”. Hoje, no entanto, só empregamos essa palavra para designar “linguagem muito confusa, incompreensível”, um resquício da época em que os cristãos da Península Ibérica lutavam para expulsar os governantes árabes que dominaram a região por mais de setecentos anos. Por fim, a tão conhecida palavra gringo é nada menos do que a palavra espanhola griego (“grego”) que primeiro perdeu seu e (grigo) e depois ganhou um n (gringo). O gringo, portanto, originalmente, era o que falava grego, uma língua que teve enorme prestígio durante o esplendor do Império Romano, mas foi pouco a pouco desaparecendo do uso erudito no Ocidente, suplantado pelo latim. Quando os monges copistas medievais topavam com alguma coisa escrita em grego nos textos que deviam copiar, escreviam ao lado “graecum: non legitur” ("é grego, não se pode ler"), e é daí que vem a nossa conhecida expressão “isso é grego para mim”. Hoje, no México, o gringo é essencialmente o cidadão dos Estados Unidos, país que os mexicanos chamam alegremente de Gringolandia.

Mas os vocábulos de coloração racista são mesmo os mais comuns. Em Angola, ex-colônia portuguesa, há uma etnia chamada cassanje. Ora, esse nome passou a designar “português errado, mal falado” e, por extensão de sentido, “sem qualidade, errado”. O povo roma (que chamamos de “ciganos”) sempre sofreu perseguição em todos os lugares onde se estabeleceu. Na Espanha, eles se referiam a si mesmos como caló, “preto”, por causa da pele mais escura. A partir daí surgiu o termo espanhol calón, português calão, isto é, “linguajar rude, grosseiro”, que nós, para reforçar o sentido, chamamos de baixo calão.

Da palavra pretoguês não há muito o que dizer, tão óbvio é o seu sentido: “português de preto”, ou seja, “português falado errado”. Na mesma linha o francês tem o termo petit-nègre (“negrinho”), que designava inicialmente o francês simplificado falado pelos africanos colonizados pela França, mas logo teve seu sentido estendido para englobar qualquer forma de francês mal falado.

No mesmo espírito do termo bárbaro dos gregos, os povos eslavos chamavam de nemets os povos europeus ocidentais que falavam línguas que eles não compreendiam. Pois bem, nemets significa simplesmente “mudo”. Os gregos pelo menos atribuíam um balbucio aos outros povos; os eslavos, nem isso: os outros povos simplesmente não falavam e ponto. Hoje em dia, termos com a raiz nem–, como nemetskii (em russo), são empregados nas línguas eslavas para designar a língua alemã.

É impossível reprimir o preconceito, seja ele de que natureza for, porque, como já disse, se trata de uma crença pessoal, de uma postura individual diante do outro. Assim, qualquer pessoa pode achar que um modo de falar é mais bonito, mais feio, mais elegante, mais rude do que outro. No entanto, quando essa postura se transforma em atitude, ela se torna discriminação e esta, insisto, tem que ser alvo de denúncia e de combate. No caso da língua, é imprescindível que toda cidadã e todo cidadão que frequenta a escola (pública ou privada) receba uma educação linguística crítica e bem-informada, na qual se mostre que todos os seres humanos são dotados das mesmíssimas capacidades cognitivas e que todas as línguas e variedades linguísticas são instrumentos perfeitos para dar conta de expressar e construir a experiência humana neste mundo.


http://e-proinfo.mec.gov.br/eproinfo/blog/preconceito/pequeno-glossario-do-racismo-linguistico.html



Marcos Bagno

Marcos Bagno é professor da Universidade de Brasília (UnB). Escritor, poeta e tradutor, se dedica à pesquisa e à ação no campo da educação linguística, com interesse particular no impacto da sociolinguística sobre o ensino. Mantém colunas mensais nas revistas Caros Amigos e Carta na educação; é constantemente convidado a fazer conferências e a ministrar cursos no Brasil, na Argentina, no Urugai, no Paraguai, na Espanha e no Canadá. Tem diversos livros publicados, entre os quais se destacam A língua de Eulália – novela sociolinguística; Preconceito linguístico – o que é, como se faz; Português ou brasileiro? Um convite à pesquisa; Língua materna – letramento, variação e ensino; A norma oculta – língua & poder na sociedade brasileira; Nada na língua é por acaso – por uma pedagogia da variação linguística.


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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz