Wikileaks: organização financiada pelos EUA treina oposicionistas pelo mundo
No canto superior do documento, um punho cerrado estampa a marca da organização. No corpo do texto se lê: “Há uma tendência presidencialista forte na Venezuela. Como podemos mudar isso? Como podemos trabalhar isso?”. Mais abaixo, o leitor encontra as seguintes frases: “Economia: o petróleo é da Venezuela, não do governo. É o seu dinheiro, é o seu direito… A mensagem precisa ser adaptada para os jovens, não só para estudantes universitários… E as mães, o que querem? Controle da lei, a polícia agindo sob autoridades locais. Nós iremos prover os recursos necessários para isso”.
 Agência Efe
         
         Análise            da Canvas sobre a Venezuela: “Há uma forte tendência            presidencialista na Venezuela. Como podemos mudar isso?”
         
          O texto citado não está em espanhol nem foi escrito por algum          membro da oposição venezuelana. O material, em inglês, foi          produzido por um grupo de jovens baseados na Sérvia. O              documento “Análise da situação na Venezuela, Janeiro de              2010”, feito pela organização Canvas, cuja sede          fica em Belgrado, está entre os documentos da empresa de          inteligência Stratfor vazados pelo Wikileaks.
         
          O último vazamento do Wikileaks – ao qual a Pública teve          acesso – mostra que o fundador desta organização se correspondia          sempre com os analistas da Stratfor, empresa que mistura          jornalismo, análise política e métodos de espionagem para vender          “análise de inteligência” a clientes que incluem corporações          como a Lockheed Martin, Raytheon, Coca-Cola e Dow Chemical –          para quem monitorava as atividades de ambientalistas que se          opunham a elas – além da Marinha americana.
         
          O Canvas (sigla em inglês para “centro para conflito e          estratégias não-violentas”) foi fundado por dois líderes          estudantis da Sérvia, que participaram da queda de Slobodan          Milosevic em 2000. Durante dois anos, os estudantes organizaram          protestos. Depois, juntaram o cabedal de conhecimento em manuais          e começaram a dar aulas a grupos oposicionistas de diversos          países sobre como se organizar para derrotar o governo. Foi          assim que chegaram à Venezuela, onde começaram a treinar líderes          da oposição em 2005. Em seu              programa de TV, o presidente Hugo Chávez acusou o          grupo de golpista e de estar a serviço dos Estados Unidos. “É o          chamado golpe suave”, disse.
         
          Os novos documentos analisados pela Pública mostram que se          Chávez não estava totalmente certo – mas também não estava          totalmente errado.
         
         O começo, na Sérvia
         
          “Foram dez anos de organização estudantil durante os anos 90”,          diz Ivan Marovic, um dos estudantes que participaram dos          protestos contra Milosevic. “No final, o apoio do exterior          finalmente veio. Seria bobo eu negar isso. Eles tiveram um papel          importante na etapa final. Sim, os EUA deram dinheiro, mas todo          mundo deu dinheiro: alemães, franceses, espanhóis, italianos.          Todos estavam colaborando porque ninguém mais apoiava o          Milosevic”, disse ele em entrevista à Pública.
         
          “Dependendo do país, eles doavam de um determinado jeito. Os          norte-americanos têm um ‘braço’ formado por ONGs muito ativo no          apoio a certos grupos. Ooutros países, como a Espanha, não têm e          nos apoiavam através do Ministério do Exterior”.  Entre as ONGs          citadas por Marovic estão o NED (National Endowment for          Democracy), uma organização financiada pelo Congresso          norte-americano, a Freedom  House e o International Republican          Institute, ligado ao partido republicano – ambos contam polpudos          financiamentos da USAID, a agência de desenvolvimento que          capitaneou movimentos golpistas na América Latina nos anos 60,          inclusive no Brasil.
 Natalia            Viana/Agência Pública
         
         Marovij: “É            impossível  exportar uma revolução. O mais importante para uma            mudança bem-sucedida é ter a maioria do povo ao seu lado"
         
          Todas essas ONGs são velhas conhecidas dos governos          latinoamericanos, incluindo os mais recentes. Foi o              IRI, por exemplo, que ministrou “cursos de treinamento              político” para 600 líderes da oposição haitiana na          República Dominicana em 2002 e 2003. O golpe contra          Jean-Baptiste Aristide, presidente democraticamente eleito,          aconteceu em 2004. Investigado pelo Congresso, o IRI foi acusado          de estar por trás de duas organizações que conspiraram para          derrubar Aristide.
         
          Na Venezuela, o NED enviou US$ 877 mil para grupos de oposição          nos meses anteriores ao golpe de Estado fracassado em 2002, segundo              revelou o The New York Times. Na Bolívia, de              acordo com documentos do governo norte-americano          obtidos pelo jornalista Jeremy Bigwood, parceiro da Pública,          a USAID manteve um “Escritório para Iniciativas de Transição”,          que investiu US$ 97 milhões em projetos de “descentralização” e          “autonomias regionais” desde 2002, fortalecendo os governos          estaduais que se opõem a Evo Morales.
         
          Procurado pela Pública, o líder do Canvas, Srdja          Popovic, disse que a organização não recebe fundos          governamentais de nenhum país e que seu maior financiador é o          empresário sérvio Slobodan Djinovic, que também foi líder          estudantil. Porém,              um PowerPoint de apresentação da organização,          vazado pelo Wikileaks, aponta como parceiros do Canvas o IRI e a          Freedom House, que recebem vultosas quantias da USAID.
         
          Para o pesquisador Mark Weisbrot, do instituto Center for          Economic and Policy Research, de Washington, organizações como a          IRI e Freedom House não estão promovendo a democracia. “Na maior          parte do tempo, estão promovendo exatamente o oposto. Geralmente          promovem as políticas norte-americanas em outros países, e isto          significa oposição a governos de esquerda, por exemplo, ou a          governos dos quais os EUA não gostam”.
         
         Fase dois: da Bolívia ao Egito
         
          Vista através do mesmo PowerPoint de apresentação, a atuação do          Canvas impressiona. Entre 2002 e 2009, realizou 106 workshops,          alcançando 1800 participantes de 59 países. Nem todos são          desafetos dos EUA – o Canvas treinou ativistas por exemplo na          Espanha, no Marrocos e no Azerbaijão – mas a lista inclui          outros: Cuba, Venezuela, Bolívia, Zimbábue, Bielorrússia, Coreia          do Norte, Siria e Irã.
         
          Segundo o próprio Canvas, sua atuação foi importante em todas as          chamadas “revoluções coloridas” que se espalharam por ex-países          da União Soviética nos anos 2000. O documento aponta como “casos          bem sucedidos” a transferência de conhecimento para o movimento          Kmara em 2003 na Geórgia, grupo que lançou a Revolução das Rosas          e derrubou o presidente; uma ajudinha para a Revolução Laranja,          em 2004, na Ucrânia; treinamento de grupos que fizeram a          Revolução dos Cedros em 2005, no Líbano; diversos projetos com          ONGs no Zimbabue e a coalizão de oposição a Robert Mugabe;          treinamento de ativistas do Vietnã, Tibete e Burma, além de          projetos na Síria e no Iraque com “grupos pró-democracia”. E, na          Bolívia, “preparação das eleições de 2009 com grupos de Santa          Cruz” – conhecidos como o mais ferrenho grupo de adversários de          Evo Morales.
         
          Até 2009, o principal manual do grupo, “Luta não violenta – 50          pontos cruciais” já havia sido traduzido para 5 línguas,          incluindo o árabe              e o farsi. Um das ações do Canvas que ganhou maior          visibilidade foi o treinamento de uma liderança do movimento 6          de Abril, considerado o embrião da primavera egípcia. O          movimento começou a ser organizado pelo Facebook para protestar          em solidariedade a trabalhadores têxteis da cidade de Mahalla al          Kubra, no Delta do Nilo. Foi a primeira vez que a rede social          foi usada para este fim no Egito. Em meados de 2009, Mohammed          Adel, um dos líderes do 6 de Abril viajou até Belgrado para ser          treinado por Popovic.
         
          Nos emails aos analistas da Stratfor, Popovic se gaba de manter          relações com os líderes daquele movimento, em especial com          Mohammed Adel – que se tornou uma das principais fontes de          informação a respeito do levante no Egito em 2011. Na          comunicação interna da Stratfor, ele é mencionado sob o codinome          RS501.
 “Acabamos de falar com alguns dos nossos          amigos no Egito e descobrimos algumas coisas”, informa              ele no dia 27 de janeiro de 2011. “Amanhã a          Irmadade Muçulmana irá levar sua força às ruas, então pode ser          ainda mais dramático… Nós obtivemos informações melhores sobre          estes grupos e como eles têm se organizado nos últimos dias, mas          ainda estamos tentando mapeá-los”.
         
         Documentos da Stratfor
         
          Os documentos vazados pelo Wikileaks mostram que o Canvas age de          maneira menos independente do que deseja aparentar. Em pelo          menos duas ocasiões, Srdja Popovic contou por email ter          participado de reuniões no National Securiy Council, o conselho          de segurança do governo norte-americano.
         
         A              primeira reunião mencionada aconteceu no dia 18 de dezembro              de 2009 e o tema em pauta era Russia e a Geórgia.          Na época, integrava o NSC o “grande amigo” de Popovic – nas suas          próprias palavras – o conselheiro sênior de Obama para a Rússia,          Michael McFaul, que hoje é embaixador americano naquele país.
         
          No mesmo encontro, segundo Popovic relatou mais tarde, tratou-se          do financiamento de oposicionistas no Irã através de grupos          pró-democracia, tema de especial interesse para ele. “A política          para o Irã é feita no NSC por Dennis Ross. Há uma função          crescent sobre o Irã no Departamento de Estado sob o Secretário          Assistente John Limbert. As verbas para programas pró-democracia          no Irã aumentaram de US$ 1,5 milhão em 2004 para US$ 60 milhões          em 2008 (…) Depois de 12 de junho de 2009, o NSC decidiu          neutralizar os efeitos dos programas existentes, que começaram          com Bush. Aparentemente a lógica era que os EUA não queriam ser          vistos tentando interferir na política interna do Irã. Os EUA          não querem dar ao regime iraniano uma desculpa para rejeitar as          negociações sobre o programa nuclear”, reclama o sérvio, para          quem o governo Obama estaria              agindo como “um elefante numa loja de louça” com a          nova política. “Como resultado, o Iran Human Rights          Documentation Center, Freedom House, IFES e IRI tiveram seus          pedidos de recursos rejeitados”, descreve              em um email no início de janeiro de 2010.
         
          A outra reunião de Popovic no NSC teria ocorrido às 17 horas do          dia 27 de julho de 2011, conforme              Popovic relatou à analista Reva Bhalla. “Esses          caras são impressionantes”, comentou, em              um email entusiasmado, o analista da Stratfor para          o leste europeu, Marko Papic. “Eles abrem uma lojinha em um país          e tentam derrubar o governo. Quando bem usados são uma arma mais          poderosa que um batalhão de combate da força aérea”.
         
          Marko explica aos seus colegas da Stratfor que o Canvas – nas          suas palavras, um grupo tipo “exporte-uma-revolução” –  “ainda          depende do financiamento dos EUA e basicamente roda o mundo          tentando derrubar ditadores e governos autocráticos (aqueles de          quem os EUA não gostam)”. O primeiro contato com o líder do          grupo, que se tornaria sua fonte contumaz, se deu em 2007.          “Desde então eles têm passado inteligência sobre a Venezuela, a          Georgia, a Sérvia, etc”.
         
          Em todos os emails, Popovic demonstra grande interesse em trocar          informações com a Strtafor, a quem chama de “CIA de Austin”.          Para isso, vale-se dos seus contatos entre ativistas em          diferentes países. Além de manter relação com uma empresa do          mesmo filão idológico, se estabelece uma proveitosa troca de          informações. Por exemplo, em maio de 2008 Marko diz a ele que          soube que a inteligência chinesa estaria considerando atacar a          organização pelo seu trabalho com ativistas tibetanos. “Isso já          era esperado”, responde              Srdja. Em 23 de maio de 2011, ele pede              informações sobre a autonomia regional dos curdos          no Iraque.
         
         Venezuela
         
          Um dos temas mais frequentes na conversa com analistas da          Stratfor é a Venezuela; Srdja ajuda os analistas a entenderem o          que a oposição está pensando. Toda a comunicação, escreve Marko          Papic, é feita por um email seguro e criptografado. Além disso,          em 2010, o líder do Canvas foi até a sede da Stratfor em Austin          para dar um briefing sobre a situação venezuelana.
         
          “Este ano vamos definitivamente aumentar nossas atividades na          Venezuela”, explica              o sérvio no email de apresentação da sua “Análise          da situação na Venezuela”, em 12 de janeiro de 2010. Para as          eleições legislativas de setembro daquele ano, relata que          “estamos em contato próximo com ativistas e pessoas que estão          tentando ajudá-los”, pedindo que o analista não espalhe ou          publique esta informação. O documento, enviado por email, seria          a “fundação da nossa análise do que planejamos fazer na          Venezuela”. No              dia seguinte, ele reitera em outro email: “Para          explicar o plano de ação que enviamos, é um guia de como fazer          uma revolução, obviamente”.
         
         O              documento, ao qual a Pública teve acesso,          foi escrito no início de 2010 pelo “departamento analítico” da          organização e relata, além dos pilares de suporte de Chávez,          listando as principais instituições e organizações que servem de          respaldo ao governo (entre elas, os militares, polícia,          judiciário, setores nacionalizados da economia, professores e o          conselho eleitoral), os principais líderes com potencial para          formarem uma coalizão eficiente e seus “aliados potenciais”          (entre eles, estudantes, a imprensa independente e          internacional, sindicatos, a federação venezuelana de          professores, o Rotary Club e a igreja católica).
         
          A indicação do Canvas parece, no final, bem acertada. Entre os          principais líderes da oposição que teriam capacidade de          unificá-la estão Henrique Capriles Radonski, governador do          Estado Miranda e candidato de oposição nas eleições          presidenciais de outubro pela coalizão MUD (Mesa de Unidade          Democrática), além do prefeito do Distrito Metropolitano de          Caracas, Antonio Ledezma, e do ex-prefeito do município de          Chacao, Leopoldo Lopez Mendoza. Dois líderes estudantis,          Alexandra Belandria, do grupo Cambio, e Yon Goicochea, do          Movimiento Estudiantil Venezolano, também são listados.
         
          O objetivo da estratégia, relata o documento, é “fornecer a base          para um planejamento mais detalhado potencialmente realizado por          atores interessados e pelo Canvas”. Esse plano “mais detalhado”          seria desenvolvido posteriormente com “partes interessadas”.
         
         Em              outro email Popovic explica:“Quando alguém pede a          nossa ajuda, como é o caso da Venezuela, nós normalmente          perguntamos ‘como você faria?’ (…) Neste caso nós temos três          campanhas: unificação da oposição, campanha para a eleição de          setembro (…). Em circunstâncias NORMAIS, os ativistas vêm até          nós e trabalham exatamente neste tipo de formato em um workshop.          Nós apenas os guiamos, e por isso o plano acaba sendo tão          eficiente, pois são os ativistas que os criam, é totalmente          deles, ou seja, é autêntico. Nós apenas fornecemos as          ferramentas”.
 Natalia            Viana/Agência Pública
         
         Popovic: “A            cultura de segurança na Venezuela não existe. Eles são            retardados e falam mais que a própria bunda"
         
          Mas, com a Venezuela, a coisa foi diferente, explica Popovic:          “No caso da Venezuela, por causa do completo desastre que o          lugar está, por causa da suspeita entre grupos de oposição e da          desorganização, nós tivemos que fazer esta análise inicial. Se          eles irão realizar os próximos passos depende deles, ou seja, se          eles vão entender que por causa da falta de UNIDADE eles podem          perder a corrida eleitoral antes mesmo que ela comece”.
         
          Aqueles que receberam a análise (como o pessoal da Strartfor,          por exemplo) aprenderam que segunda a lógica do Canvas os          principais temas a serem explorados em uma campanha de oposição          na Venezuela são:
         
          - Crime e falta de segurança: “A situação deteriorou          tremendamente e dramaticamente desde 2006. Motivo para mudança”
         
          - Educação: “O governo está tomando conta do sistema          educacional: os professores precisam ser atiçados. Eles vão ter          que perder seus empregos ou se submeter! Eles precisam ser          encorajados e haverá um risco. Nós temos que convencê-los de que          os temos como alta esfera da sociedade; eles detêm uma          responsabilidade que valorizamos muito. Os professores vão          motivar os estudantes. Quem irá influenciá-los? Como nós vamos          tocá-los?”
         
          - Jovens: “A mensagem precisa ser dirigida para os jovens em          geral, não só para os estudantes universitários”.
         
          -Economia: “O petróleo é da Venezuela, não do governo, é o seu          dinheiro, é o seu direito!  Programas de bem-estar social”.
         
          - Mulheres: “O que as mães querem? Controle da lei, a polícia          agindo sob as autoridades locais. Nós iremos prover os recursos          necessários para isso. Nós não queremos mais brutamontes”.
         
          - Transporte: “Trabalhadores precisam conseguir chegar aos seus          empregos. É o seu dinheiro.  Nós precisamos exigir que o governo          preste contas, e da maneira que está não conseguimos fazer          isso”.
         
          - Governo: “Redistribuição da riqueza, todos devem ter uma          oportunidade”.
         
          - “Há uma forte tendência presidencialista na Venezuela. Como          podemos mudar isso? Como podemos trabalhar com isso?”
         
          No final do email, Popovic termina com uma crítica grosseira aos          venezuelanos que procura articular: “Aliás, a cultura de          segurança na Venezuela não existe. Eles são retardados e falam          mais que a própria bunda. É uma piada completa”.
         
          Procurado pela Pública, o líder do Canvas negou que a          organização elabore análises e planos de ação revolucionária sob          encomenda. E foi bem menos entusiasta com relação ao seu “guia”          elaborado para a Venezuela.
         
          “Nós ensinamos as pessoas a analisarem e entenderem conflitos          não-violentos – e durante o processo de aprendizagem pedimos a          estudantes e participantes que utilizem as ferramentas que          apresentam no curso. E nós também aprendemos com eles! Depois          usamos o trabalho que eles realizaram e combinamos com          informações públicas para criar estudos de caso”, afirmou. “E          isso é transformado em análises mais longas por dois          estagiários. Usamos estas análises nas nossas pesquisas e          compartilhamos com estudantes, ativistas, pesquisadores,          professores, organizações e jornalistas com os quais cooperamos          – que estão interessados em entender o fenômeno do poder          popular”.
         
          Questionado, Popovic também respondeu às criticas feitas por          Hugo Chávez no seu programa de TV: “É uma fórmula bem conhecida…          Por décadas os regimes autoritários de todo o mundo fazem          acusações do tipo ‘revoluções exportadas’ como sendo a principal          causa dos levantes em seus países. O movimento pró-democracia na          Sérvia foi, claro, acusado de ser uma ‘ferramenta dos EUA’ pela          TV estatal e por Milosevic, antes dos estudantes derrubarem o          seu regime. Isso também aconteceu no Zimbábue, Bielorrúsia,          Irã…”
         
          O ex-colega de movimento estudantil, Ivan Marovic – que ainda          hoje dá palestras sobre como aconteceu a revolta contra          Milosevic – concorda com ele: “É impossível  exportar uma          revolução. Eu sempre digo em minhas palestras que a coisa mais          importante para uma mudança social bem-sucedida é ter a maioria          da população ao seu lado. Se o presidente tem a maioria da          população ao lado dele, nada vai acontecer”.
         
          Marovic avalia, no entanto, que houve uma mudança de percepção          do “braço de ONGs” dos governos ocidentais, em especial dos EUA,          depois do que aconteceu na Sérvia em 2000 e as “revoluções          coloridas” que se seguiram no leste europeu. “Um mês depois de          derrubarmos o Milosevic, o NYT publicou um artigo          dizendo que quem realmente derrubou o Milosevic foi a          assistência financeira norte-americana. Eles estão aumentando o          seu papel. E agora acreditam que a grana dos EUA pode derrubar          um governo. Eles tentaram a mesma coisa na Bielorrúsia, deram um          monte de dinheiro para ONGs, e não funcionou”.
         
          O pesquisador Mark Weisbrot concorda, em termos. É claro que          nenhum grupo estrangeiro, ainda mais um grupo pequeno, pode          causar uma revolução em um país". Para ele, não é o dinheiro do          governo norte-americano – seja através de ONGs pagas pelo          National Security Council, pela USAID ou pelo Departamento de          Estado – que faz a diferença. “A elite venezuelana, por exemplo,          não precisa deste dinheiro. O que estes grupos financiados pelos          EUA, antigamente e hoje, agregam são duas coisas: uma é          habilidade e o conhecimento necessário em subverter regimes. E a          segunda coisa é que esse apoio tem um papel unificador. A          oposição pode estar dividida e eles ajudam a oposição a se          unificar”.
         
          Para Weisbrot, muitas vezes o patrocínio norte-americano tem uma          “influência perniciosa” em movimentos legítimos. “Sempre há          grupos lutando pela democracia nestes países, com uma variedade          de demandas, como reforma agrária, proteções sociais, empregos…          E o que acontece é que eles capitaneiam todo o movimento com          muito dinheiro, inspirado pelas políticas que interessam aos          EUA. Muitas vezes, os grupos democráticos que recebem o dinheiro          acabam caindo em descrédito”.
*Originalmente publicado no site da Agência Pública
          
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