A encruzilhada reveladora do golpe
24/7/2016
Jorge Luiz Souto Maior
A irracionalidade crescente, estimulada pelo oportunismo conservador ou por interesses pessoais determinados, nos conduziu até o momento em que não se contenta mais em atacar os direitos dos trabalhadores, vez que já se percebe a oportunidade de ir além, passando, então, a acusar a legislação, que nunca foi concretamente aplicada no Brasil, de culpada por todos os males nacionais, estendendo a crítica à Justiça do Trabalho, que nunca esteve, de fato, imbuída do propósito de punir o desrespeito deliberado e reiterado da legislação trabalhista.
E o pior de tudo é ouvir vozes de dentro da Justiça do Trabalho assimilando a irracionalidade e assumindo a culpa, com o objetivo de tentar uma reaproximação com a classe dominante e a grande mídia e, assim, deixar de ser alvo de críticas. Inclusive, buscam fazê-lo por meio do estímulo a práticas processuais deturpadas, como o incentivo indiscriminado à conciliação e até mesmo pela instituição da mediação, que não é aplicada em nenhuma realidade mundial onde existe um Direito do Trabalho legislado.
A situação, no entanto, não é de desespero, pois, como já demonstrado diversas vezes na história, as contradições se produzem e relevam as falácias bem mais rápido do que se possa projetar.
Veja-se, por exemplo, o que se passa no momento atual em que fica evidenciado, de forma cada vez mais contundente, que a propalada crise econômica de 2015 só se difundiu midiaticamente para aprofundar a crise política como forma de justificar para o grande público a concretização do impeachment de uma Presidenta da República sem que houvesse uma razão jurídica suficiente para tanto.
Com efeito, o dólar que chegou às alturas, antes da votação do impeachment, em 17/04/16, sem qualquer explicação minimamente razoável, só tem caído desde então, e parte da população, a partir desse dado, acaba sendo induzida a considerar que o impeachment é positivo, deixando de lado qualquer avaliação acerca da irregularidade constitucional.
Aliás, é exatamente com esse propósito que a própria crise, retoricamente majorada em 2015, de uma hora para outra, sem qualquer razão econômica objetiva, começa a ceder. E o interessante é que a difusão midiática do otimismo com a economia veio na hora exata em que uma efetiva crise política, dado o envolvimento de diversos Ministros do governo temporário com a corrupção, potencializava o risco de uma reversão do impeachment no Senado.
Fato é que a difusão de um otimismo com a economia, conforme revela pesquisa divulgada pelo Jornal Folha de S. Paulo, em 17/07/16, projetando, inclusive, uma melhora concreta da economia já em 2016, conforme visão do FMI, também difundida pelo mesmo jornal na edição de 19/07/16[1], foi um evento antecipado pela necessidade política de consolidar o golpe de Estado. A constatação da superação da crise, mesmo sem o advento das reclamadas reformas estruturais, fica inevitável quando se verificam os primeiros balanços de 2016, que apontam, inclusive, lucro de empresas que estavam no vermelho em 2015, como foi o caso da Volkswagen[2].
Assim, o argumento da crise econômica teve que priorizar o embate político partidário e com isso deixou cair a máscara no que tange à sustentação de que somente com reformas estruturais, sobretudo com retração de direitos trabalhistas (ampliação da terceirização e negociado sobre o legislado) é que a economia iria se recuperar.
Aliás, da mesma forma como se deu na inflada crise de 2008, ao menos no que tange à economia brasileira, os setores econômicos que falaram insistentemente de crise em 2015, se viram na contradição de terem que anunciar, em 2016, os lucros exorbitantes que tiveram em 2015, demonstrando toda a falácia do argumento da crise econômica, corroborando, sobremaneira, a visualização da participação do setor econômico no golpe de Estado perpetrado em 2016.
Com efeito, segundo notícia veiculada pelo site da Revista Exame, em 08/04/2016, o ano de 2015 embora tenha sido um ano amargo para muitas empresas no Brasil, várias outras, "na contramão da crise", registraram ganhos recordes no período. A reportagem lista as 25 empresas com os maiores lucros de 2015 e aponta o Banco Itaú como a empresa que teve o maior lucro anual já visto no Brasil, de R$23,35 bilhões de reais. Em segundo lugar vem o Bradesco com lucro de R$17,18 bilhões, e, em terceiro, o Banco do Brasil com R$14,39 bilhões. Na sequência vêm: AmBev, R$12,42 bilhões; Santander, R$6,99 bilhões; BTG Pactual, R$5,62 bilhões; JBS, R$4,64 bilhões; BB Seguridade, R$4,20 bilhões; Cielo, R$3,51 bilhões; Telefônica Vivo, R$3,42 bilhões; Braskem, R$3,14 bilhões; BRF, R$3,11 bilhões; Cemig, R$2,49 bilhões; BM&FBovespa, R$2,20 bilhões; TIM, R$2,07 bilhões; Ultrapar, R$1,50 bilhão; Tractebel, R$1,50 bilhão; Kroton, R$1,39 bilhão; EDP Brasil, R$1,26 bilhão; CSN, R$1,25 bilhão (que havia registrado prejuízo de R$ 105,21 milhões em 2014); Copel, R$1,19 bilhão; WEG, R$1,15 bilhão; Porto Seguro, R$1,00 bilhão; Taesa, R$909,42 milhões; e CCR, R$ 874,36 milhões.
Os dados de quatro dessas empresas chamam atenção, vez que tiveram enorme variação entre o lucro de 2014 e o lucro de 2015, com vantagem para 2015: JBS, com 128,57%; BM&FBovespa, com 125,17%; Banco Santander, com 223,60%; e Braskem, com 263,40%[3].
Apresentados os balanços das empresas no início de 2016, é fácil verificar, na internet, a enorme sucessão de notícias de lucros das empresas em 2015, sobretudo dos Bancos:
- "A Nova Fronteira Bioenergia - joint venture do Grupo São Martinho e da Petrobras Biocombustível que controla a Usina Boa Vista, em Quirinópolis (GO), relatou lucro líquido de R$ 148,15 milhões na safra 2015/2016, encerrada em 31 de março deste ano. O valor é 204,6% superior ao lucro líquido de R$ 48,63 milhões do período anterior, de acordo com as demonstrações financeiras da companhia."[4]
- "Ford tem lucro líquido cinco vezes maior em 2015. Ganhos chegam a US$ 7,37 bilhões no ano contra US$ 1,23 bilhão de 2014. A Ford superou suas próprias expectativas ao quintuplicar o lucro líquido em 2015 com ganhos de US$ 7,37 bilhões sobre US$ 1,23 bilhão apurado em 2014, em parte pelo forte resultado do quarto trimestre, quando a empresa teve lucro líquido de US$ 1,9 bilhão, recorde para o período e maior do que o valor de todo o ano anterior. A empresa atribui o desempenho em parte à alta margem no segmento de SUV's nos Estados Unidos em ano recorde para aquele mercado".[5]
- A Globo, que anuncia, diariamente, a existência de uma crise econômica, só superável pelas tais reformas estruturais, teve um lucro líquido superior a R$3bilhões em 2015[6].
- "Em balanço anual divulgado pela BRF, a empresa registrou lucro líquido de R$ 3,1 mi em 2015, alta de 46% em relação a 2014. O EBITDA, por sua vez, atingiu R$ 5,7 bilhões no mesmo período, o que significa um crescimento de 21,9% em relação a 2014. A Receita Operacional Líquida (ROL) chegou a R$ 32,1 bilhões, cifra 11% maior ao registrado em 2014. O desempenho provém da expansão das operações globais da companhia, crescimento dos pontos de venda no Brasil e à maior qualidade no atendimento ao cliente. No Brasil, a venda de produtos de maior valor agregado avançou 7,4% em 2015, totalizando R$ 12,2 bilhões. No período, foram comercializadas 1,7 milhão de toneladas de itens processados na região, um avanço de 4,92% ante o resultado obtido em 2014." "O Brasil segue como principal mercado da empresa, respondendo por 50% do faturamento total"[7].
Vide também: "Grendene tem lucro líquido de R$ 454 milhões em 2015. O valor é 13,7% maior em relação ao ano anterior"[8]; "Triunfo obtém lucro líquido de R$ 97 milhões em 2015"[9]; "Porto Seguro obteve lucro líquido de R$1 bilhão em 2015"[10]; "Revista Apólice tem maior lucro líquido da história"[11]; "BRDE (Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul) registra lucro líquido de R$263 milhões em 2015"[12]; "Caixa Econômica Federal tem lucro líquido de R$72 bilhões em 2015"[13]; "Lucro líquido da Deten Química aumentou quase 29% em 2015"[14]; "Light tem lucro líquido de R$424 milhões em 2015"[15]; "BMG teve lucro líquido de R$189 milhões em 2015"[16]; "Grupo Fleury cresceu 108,7% no quarto trimestre de 2015"[17]; "CEMIG tem lucro líquido de R$25 bilhões em 2015"[18];"Friboi teve lucro líquido de R$228 milhões em 2015"[19]; "Banrisul obteve R$848,8 milhões de lucro líquido em 2015"[20]; "EMBRAER encerra 4º trimestre de 2015 com lucro líquido aos acionistas de R$425,8 milhões"[21]; "Andrade Gutierrez reverte prejuízo e lucra R$647,7 milhões em 2015"[22]; Coca Cola fecha 4º trimestre de 2015 com lucro acima de R$1 bilhão[23]; Lucro da Unilever cai 5%, para R$4,91 bilhões, em 2015, mas melhora em países emergentes[24]; Lucro da Procter & Gamble sobre R$2,75 bilhões no trimestre fiscal encerrado em março de 2016[25].
O próprio desemprego, que somente cederia com a redução de direitos trabalhistas, já apresentou sensível redução em maio de 2016, ao menos nas cidades paulistas da região do Alto Tietê, sendo, aliás, o menor dos últimos de 19 meses[26].
Vale o registro, ademais, de que o desemprego foi alimentado por muitas empresas, que, apesar dos lucros, efetivaram dispensas em massa de trabalhadores como forma de contribuir com o argumento da crise econômica, estimulando a crise política, e também para forçar a defesa da necessidade de aprovação do projeto de lei que amplia a terceirização (PL 4.330/04, agora, PLC 30/15), que seria uma condição essencial para a recuperação dos empregos. Ademais, com essa estratégia, em seguida à aprovação do projeto poderiam recontratar a força de trabalho por empresas interpostas, com menor custo e com eliminação da resistência sindical, e com isso ainda reforçarem a retórica (com dados estatísticos artificialmente criados) de que a terceirização aumenta os empregos. E nem se contraponha a essas afirmações com o argumento de que a redução artificial de empregos geraria um custo operacional, pois já se demonstrou historicamente que quando se trata de eliminar direitos os custos não são medidos pelas grandes empresas, como se deu, por exemplo, em 1966, com a criação do FGTS e a, consequente, extinção da estabilidade no emprego.
O golpe, na razão fundamental que lhe deu causa, ao menos na perspectiva empresarial, chega a uma encruzilhada, pois se mantém a crise econômica evidencia a incapacidade do novo governo para controlá-la e com isso o argumento da necessidade de manter o governo no poder perde o ritmo, alimentando a crise política também no novo governo e fortalecendo a demanda do retorno da Presidenta Dilma. Se, para abafar a crise política do governo temporário, começar a falar nos benefícios já sentidos na economia, perde a força do argumento para a reforma da legislação trabalhista e previdenciária como fatores essenciais da recuperação da economia, porque, afinal, a economia já se apresentaria em recuperação independente de qualquer reforma, demonstrando a falácia da demanda.
Mas não se pense que essa encruzilhada irá romper o prosseguimento do propósito central do golpe que é o da eliminação de direitos trabalhistas, até porque o que é um probleminha de coerência quando se está no comando das forças políticas e midiáticas?
A questão é que já não se podendo mais falar em reforma trabalhista para superar os problemas econômicos das empresas começam a ressurgir as retóricas em torno de uma necessidade vaga em "atualizar" a legislação, que segundo se tenta fazer crer não representará redução de direitos aos trabalhadores. Seria apenas uma "flexibilização".
Ora, parte do segmento empresarial brasileiro, acompanhado de perto por parte considerável da grande mídia, tem no fim da legislação do trabalho, como forma de impor maiores sacrifícios aos trabalhadores e potencializar os lucros do grande capital, um alvo a ser alcançado de qualquer maneira, tratando-se mesmo de uma espécie de ideia fixa. Assim, não vai deixar de lado esse objetivo, que passa pelo caminho de atacar a legislação trabalhista pelos mesmos motivos torpes de sempre, que não possuem qualquer base material. Não se deterá por conta de uma questão de coerência ou de respeito à inteligência do interlocutor.
Vide, a propósito, o Editorial da Folha de S. Paulo, divulgado em 18/07/16, entrecortando as notícias da "recuperação do otimismo econômico" que o próprio jornal divulgou, cujo teor é bastante revelador da inconsistência dos argumentos, que nada mais são do que réplicas de quase todos os lugares comuns da pregação neoliberal difundida no Brasil desde o final da década de 80, tratando, pois, de "modernidade", "produtividade", "legislação obsoleta", "paternalismo", "populismo", "autonomia das partes", "geração de empregos", "custos da formalização" e "flexibilização".
O teor do texto é tão sem conteúdo que a melhor forma de rebatê-lo é reproduzi-lo na íntegra:
"A próxima reforma
Se reverter a crise de confiança na solvência do Estado é o passo imediato fundamental para estancar a ruína econômica, as esperanças de prosperidade futura do país dependem de uma agenda de modernização institucional que estimule a produtividade e reduza o custo de fazer negócios.
Entre os obstáculos a serem equacionados, destaca-se a obsoleta legislação trabalhista, gestada nos longínquos anos 1940 e causadora de um anômalo e crescente contencioso entre empregados e empregadores.
Conforme noticiou esta Folha, somente no ano passado foram iniciadas 2,66 milhões de ações do gênero, um recorde histórico que infelizmente deverá ser superado neste 2016, em razão da expansão das taxas de desemprego.
Na raiz do problema está uma cultura paternalista na gestão de conflitos, reforçada pela estrutura sindical oligopolizada, abrigada no Estado e financiada por contribuições obrigatórias, inclusive de trabalhadores não afiliados.
O paternalismo enfraquece a disposição à negociação e a autonomia das partes em decidir conforme suas preferências. Na tradição brasileira, o legislado tende a se sobrepor ao acordado em convenções coletivas.
Merece apoio, portanto, a disposição manifestada pelo governo Michel Temer (PMDB) de encaminhar ao Congresso uma proposta de modificação das regras trabalhistas -reforma que, de acordo com o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, será a segunda na ordem de prioridades do Planalto, logo depois da previdenciária.
Já seria progresso digno de comemoração a retomada do projeto que regulamenta a terceirização da mão de obra, conforme propósito manifestado pelo ministro. O texto, apresentado em 2015 na lista de prioridades do PMDB, encontra-se parado no Senado.
Como diretriz geral, deve-se fugir do populismo que considera qualquer alteração uma afronta aos direitos dos trabalhadores. O importante é facilitar a geração de mais empregos formais, requisito básico para uma inclusão social sustentável.
Modernizar a CLT e a estrutura sindical com vistas à ampliação do espaço de negociação entre empresas e trabalhadores traria maior flexibilidade ao mercado. Atuar para reduzir a propensão do sistema atual à geração de gigantesco contencioso incentivaria contratações.
As conquistas da cidadania e a dignidade do trabalho não serão garantidas com a manutenção de um sistema ineficaz, que aumenta o custo da formalização do emprego e tolhe a liberdade de associação sindical."
Vale perceber que já no dia 20/07/16, o mesmo jornal deu destaque à notícia (que foi concretamente um ultimato) de que o governo, o qual, de fato, administra os interesses do grande capital, tentando fazer crer que administra o país, irá enviar ao Congresso Nacional, até o final do ano, três propostas de reformas trabalhistas[27].
Repare-se que já não sendo mais possível falar em crise como fundamento para a retração de direitos trabalhistas e tendo a percepção do desgaste das antigas retóricas da "modernização", "flexibilização" e "terceirização", o governo passa a utilizar novas fórmulas falseadas: "atualização" e "especialização".
Os argumentos, no entanto, são os mesmos de sempre, e, inclusive, não rompem a tradição de agredir a legislação trabalhista e os trabalhadores. Ademais, não partem de qualquer dado concreto.
Segundo o Ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, a CLT precisa de uma "atualização", entendendo-se como "atualização", prestigiar a negociação coletiva, ampliar a terceirização e transformar a possibilidade de redução de salários, estabelecida na MP 680 (o PPE) para situações de crise, em "algo permanente", segundo diz a "reportagem".
Ora, negociação coletiva já existe nas relações de trabalho no Brasil desde a Primeira República e funcionava muito bem, aliás, já que não era controlada pelo Estado por meio da "legalização" da greve. De fato, quando os trabalhadores tinham força para negociar, os empregadores deram um jeito de a negociação deixar de existir, apoiando a intervenção do Estado corporativista de Vargas. Agora que os sindicatos estão fragilizados, após décadas de repressão neoliberal, apostando, inclusive, em uma maior fragilização que decorreria da ampliação da terceirização, querem a liberdade plena para negociar, e com isso atingirem a eliminação de direitos e deixarem que a culpa recaia sobre os representantes dos trabalhadores, o que resultaria em extinção completa das instituições coletivas de representação.
A expressão "atualização", portanto, é um agressivo eufemismo para não dizer aniquilação.
Claro que não deixa de utilizar, também, a antiga retórica da flexibilização, que ocorreria, no disfarce da fala do Ministro, sem mexer em direitos.
O Ministro, que nunca leu a CLT e, certamente, nada sabe sobre o Direito do Trabalho, chegou mesmo a dizer que: "A nossa CLT se transformou numa espécie de colcha de retalhos", referindo-se a inúmeras normas e decisões judiciais que aumentaram as dúvidas sobre a legislação trabalhista.
Então, para conferir certeza e segurança jurídica por que não propõe a regulamentação efetiva da proteção contra a dispensa arbitrária, nos termos da Convenção 158 da OIT e proíbe o julgamento meritório das greves?
O Ministro insiste em que não pretende prejudicar os trabalhadores, mas se de fato estivesse preocupado com os trabalhadores fortaleceria o Ministério do Trabalho, para que, enfim, os direitos trabalhistas fossem aplicados no Brasil. Em concreto, o problema crônico do Brasil é o desrespeito deliberado e reiterado da legislação trabalhista, e se o Direito do Trabalho possui algumas divergências jurisprudenciais, isso se dá em função das renovadas tentativas, feitas por parte da doutrina, de forçar entendimentos restritivos de direitos expressamente previstos em lei (vide a questão mais recente da revista íntima que nem duas leis – 9.799/99 e 13.271/16 – foram suficientes para convencer muitos empregadores a respeito da proibição).
No caso da terceirização, o Ministro utiliza fórmula retórica renovada. Como o eufemismo terceirização – que, no fundo, é uma intermediação de mão-de-obra – não funciona mais, já que revelada a sua "natureza" no debate público que se estabeleceu, em 2015, sobre o PL 4.330/04, o Ministro achou por bem falar em "especialização", como se existisse alguma atividade que não o seja.
Enfim, após 127 anos de ineficácia da legislação trabalhista, considerando apenas o período após o término jurídico da escravidão, há quem ainda tenha a coragem de vir a público dizer que o problema do capitalismo nacional é a CLT de 1943, instrumento que nem existe mais há muito tempo.
Os trabalhadores foram explorados ao longo de 516 anos de história do Brasil, sem que seus direitos, quando passaram a existir formalmente, tivessem sido de fato aplicados e ainda precisam ouvir, com reprodução nos veículos de formação em massa, a fala do governo de que são culpados pelos problemas econômicos enfrentados pelas empresas, problemas que, de fato, sequer existem.
Fica, assim, a certeza de que o governo temporário não governa o país, agindo, isto sim, como um administrador dos interesses do grande capital. E essa aliança deixa explícita à classe trabalhadora o questionamento sobre até que ponto vale mesmo a pena participar da construção do capitalismo, partindo do pressuposto da crença nos postulados do Direito Social, na medida em que os capitalistas, eles próprios, não estão dispostos a interagir, de forma séria e honesta, com os trabalhadores ou mesmo respeitar as estruturas jurídicas que criaram para atraírem os trabalhadores ao sistema.
Ora, os direitos trabalhistas, na histórica do Brasil, foram formalizados ao custo de muita luta, envolvendo o sacrifício das vidas de muitos trabalhadores, sendo que se as conquistas advieram era porque a exploração do trabalho, sem aquele limite fixado pelo direito alcançado, se estabelecia de forma ainda mais agressiva à condição humana dos trabalhadores. Com a criação do direito, a relação se estabiliza, mas o direito não é aplicado.
Não bastasse isso, de 50 anos prá cá a classe trabalhadora tem convivido com sucessivos ataques aos direitos que formalmente foram estabelecidos, sendo induzida a implementar uma luta para resistir à perda de direitos, que nunca foram aplicados de maneira concreta.
E com tudo isso, os trabalhadores ainda têm que suportar a desculpa esfarrapada do capital, que não assume jamais o cometimento da ilegalidade, dizendo que não cumpre os direitos porque estes são "confusos" ou porque são "antigos", buscando todos os meios que possui à disposição para que os trabalhadores aceitem redução de direitos, sob a suposição falseada de que se reduzidos forem os direitos serão menos confusos e, portanto, finalmente aplicados, sabendo-se, como se sabe, que o que se almeja mesmo é atingir a fórmula ideal da tal "certeza jurídica", configurada na inexistência plena de direitos trabalhistas.
A constatação do histórico das relações de trabalho no Brasil é a de que a legislação trabalhista foi criada para não ser aplicada e a formação, por esforço teórico, de um Direito do Trabalho, que conferiu força coercitiva a essa legislação, acabou sendo um desvio do "curso natural das coisas" e isso jamais foi aceito pela classe empresarial dominante, que sempre quis manter sob seu controle direto as forças do trabalho e que considera que a situação piorou quando a Justiça do Trabalho resolveu "brincar" de ser um efetivo membro do Poder Judiciário e procurou fazer valer, de forma obrigacional, o Direito do Trabalho.
Nunca houve de fato uma concessão do capital ao trabalho e as forças do capital sempre se mantiveram vigilantes para que avanços eventualmente ocorridos na legislação, na doutrina e na jurisprudência fossem imediatamente contidos (vide o que se passou, de forma mais atual, com os trabalhadores domésticos – Lei Complementar n. 150/15 – e os motoristas – Lei n. 13.103/15 –, assim como com a jurisprudência acerca da acumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade – TST-E-ARR-1081-60.2012.5.03.
Além disso, desde o acatamento, com maior força, dos pressupostos neoliberais, o que se viu foi a utilização da estratégia de colocar os trabalhadores na defesa, evitando-se, assim, que se animassem para lutar por melhores condições de trabalho.
Como ressaltava, em 1996, o autor uruguaio Barbagelata, na década de 90 quem passou "para uma quase desesperada defensiva são os sindicatos, que não só já não se sentem animados a lutar por melhorias nas condições de trabalho, mas aceitam, inclusive, negociar concessões que reduzem os níveis de proteção e os benefícios anteriormente conquistados"
E disse também: "os governos legítimos, sustentados por eleição, perderam toda inibição para enfrentar o poder dos sindicatos e para adotar medidas legislativas ou administrativas inequivocamente destinadas a destruí-los"[29].
Se é assim quando os governantes são legítimos, imagine-se então como é pior a situação para a classe trabalhadora quando se tem um governo ilegítimo, não amparado por uma eleição popular e que governa unicamente, e de forma escancarada, em nome da classe empresarial.
Mas como visto os problemas para os trabalhadores não são exclusivos desse período, tendo se alastrado na história e todos aqueles que se envolveram nessa luta por uma justiça social ao longo de suas vidas devem mesmo agora se perguntar se as apostas feitas no Direito foram efetivamente válidas...
É possível afirmar, sem dúvida, que mesmo diante de tantos ataques, o Direito do Trabalho avançou bastante em diversas questões, sobretudo nos últimos anos, desde 2002, mas os avanços foram sempre contidos por uma jurisprudência (vide os acordos que ainda se fazem na Justiça atingindo verbas incontroversas e de natureza pública, com a esdrúxula cláusula da quitação do extinto contrato de trabalho) receosa de incomodar o grande capital, que sempre soube, é verdade fazer suas chantagens quanto a deixar o país se os direitos trabalhistas avançassem muito. É inconcebível como até hoje a Justiça do Trabalho ainda não fez valer a ordem jurídica integral para punir o devedor contumaz, sabendo-se que em todos os ramos do direito a reincidência é agravante do ilícito praticado.
Além disso, em tantas outras questões o que se verificou foi um retrocesso, como representa a Súmula 331 do TST, se comparada com o Enunciado 256, do TST.
Fato é que depois de muita luta ainda se está quase no mesmo lugar, o que, afinal, até pode ser considerado uma vitória se pensados os vários ataques sofridos pelo Direito do Trabalho e a Justiça do Trabalho desde a década de 90.
Mas isso é muito pouco se lembrarmos de toda a riqueza produzida pelos trabalhadores e que foi acumulada ao longo desses mesmos anos pelo capital – e mais precisamente pelo capital estrangeiro –, sendo que no mesmo período não se verificou enriquecimento relevante da classe trabalhadora, que foi, ainda, submetida a grandes sofrimentos, como na terceirização; no trabalho em horas extras sem remuneração; nas dispensas imotivadas (e tantas vezes sem pagamento das verbas rescisórias); nos acidentes do trabalho; nas doenças profissionais; nas fixações de metas inatingíveis; assim como no cotidiano desrespeito aos direitos trabalhistas.
A prova de que essa conciliação com a classe empresarial é também uma encruzilhada para a classe trabalhadora está manifestada exatamente nos argumentos fugidios e pouco sérios a respeito da legislação trabalhista que ainda se insiste em expressar e difundir.
Depois de tantos anos de tentativa de fazer valer algum projeto de Direito Social no Brasil, chega a ser mesmo desolador continuar ouvindo esses mesmos ataques aos direitos trabalhistas, prosseguir vendo empresas realizarem os mesmos procedimentos de fraudes à legislação e constatar a letargia punitiva, que se traduz em quase conivência, da Justiça do Trabalho com relação ao devedor contumaz, uma Justiça que ainda tem se preocupado em desenvolver quadros cuja tarefa é estender as fórmulas de "auxílio" às empresas que reiteradamente descumprem a legislação trabalhista, promovendo convênios para facilitação de acordos judiciais (e até extrajudiciais) para essas empresas.
Visões de mundo à parte, qualquer projeto mínimo de uma sociedade parte da necessidade de se estabelecer uma fórmula de diálogo que se paute pelo respeito e pela consideração da condição humana própria e alheia, assumindo as limitações da ação individual e da força da ação coletiva, assim como da essencialidade dos valores da solidariedade, da igualdade e da justiça social.
Será isso verdadeiramente possível no capitalismo? Alguns juristas, economistas, empresários e governantes insistem em dizer que não!
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[29]. Idem, p. 141-2.
http://www.jorgesoutomaior.
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