El Salvador: o novo desafio do pequeno polegar
América Central ou Central América. Kansas ou Nicarágua. Assim viveu sempre a subregião, reino dos ditadores e das invasões norte-americanas.
Emir Sader
em 14/03/2014 às 05:01
A América Central é um subcontinente imprensado entre a América do Norte e a América do Sul, buscando espaço para expressar seu perfil próprio e seus interesses específicos.
Para exemplificar essas dificuldades, conto duas histórias que me contou Eduardo Galeano, o melhor contador de histórias do mundo.
Ele estava passando uns tempos na Califórnia e saía pelas manhãs a caminhar, coincidindo com um norteamericano que, segundo ele, tinha cara de Premio Nobel de Física. Nunca falavam nada de essencial, até que um dia a mulher do tipo pergunta ao Galeano de onde ele era.
Com o nível de desinformação existentes – para não falar ignorância – Galeano achou que era demasiado dizer que era do Uruguai. Aproveitou que era o auge dos conflitos entre o governo Reagan e o governo sandinista e, para facilitar as coisas, disse:
- Eu sou da Nicarágua.
E, para ajudar, acrescentou:
- In Central America
Rostos de espanto nos dois gringos, como se o Galeano tivesse dito que era da Bessarábia. Até que a mulher do suposto Nobel de Física se interrogou:
- Mas Central América é o Kansas.
Central América para eles é o centro da América, que obviamente são eles.
Ronald Reagan não ajudava muito. Perguntado uma vez onde ficava essa tal da Nicarágua, que era um perigo para a segurança dos Estados Unidos, ele passou a indicação, rapidamente:
- Você vai até o Texas e vira à esquerda.
Galeano assistiu, assombrado, o famoso pronunciamento do Reagan na TV, em que ele denunciava que a Nicarágua colocava em risco a segurança dos Estados Unidos. Reagan dizia que a Nicarágua era a “fronteira sul dos EUA”. eliminando o México, a Guatemala, El Salvador e Honduras, enquanto num mapa da América Central e dos EUA atrás dele, subia uma maré vermelha da Nicarágua na direção dos EUA.
Galeano me comentava, assombrado:
- O país elevado a risco para os EUA, para que se tenha um critério de comparação tecnológico apenas, tinha apenas duas escadas rolantes e uma delas não funcionava.
América Central ou Central América. Kansas ou Nicarágua. Assim viveu sempre a subregião, reino dos ditadores e das invasões norte-americanas. Bem que tentaram se unir num único pais, experiência que durou pouco, sob a pressão das potências colonizadoras, que os preferem divididos e, se possível, brigados entre si, a ponto que em 1969 houve a Guerra do Futebol – porque desatada a partir de uma partida entre as seleções dos dois países, que durou quatro dias, mas que expressava conflitos entre imigrantes hondurenhos e a população salvadorenha.
Somente a Revolução Sandinista conseguiu projetar a região internacionalmente. Uma vitória popular que derrubou a dinastia dos Somoza, imposta pelos EUA desde os anos 1930. Mas apesar do apoio interno e internacional amplo que tinha, o movimento teve que se enfrentar rapidamente com uma reação violenta dos EUA, porque coincidia aquele momento – 1979 – com o fracasso do governo Carter – e a vitória de Ronald Reagan, que comandou o processo terrorista que abalou profundamente o governo sandinista, levado à asfixia e à derrota.
Mas paralelamente haviam se desenvolvido movimentos guerrilheiros na Guatemala – que retomava movimentos dos anos 1960 – e em El Salvador. O conjunto da região entrava em ebulição.
Porém, a contraofensiva dos EUA com o governo Reagan teve efeitos devastadores sobre a já enfraquecida URSS, desembocando no surpreendente desenlace da guerra fria, não apenas com a vitória de um dos campos, mas com a simples desaparição do outro campo.
Os movimentos guerrilheiros dos dois países centroamericanos se deram conta de que, apesar da força acumulada – especialmente em El Salvador –a vitória militar era impossível, pela presença militar direta dos EUA. Reciclaram então sua luta mediante acordos de paz para a luta política institucional.
Esse processo não deu certo na Guatemala, coma divisão das forças guerrilheiras e dos movimentos indígenas, mas teve sucesso em El Salvador, onde a Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional, transformada em partido político, logo elegeu importante bancada parlamentar e, em seguida, conquistou a prefeitura de San Salvador.
Mas o país teve três mandatos seguidos da Arena, o partido que representa diretamente a continuidade da direita, a mesma que esteve na ditadura militar durante o processo de enfrentamento militar no país. Uma direita feroz, radical, violenta, que só foi derrotada há cinco anos, com a eleição de Mauricio Funes para a presidência de El Salvador.
Depois de tentar eleger seus próprios dirigentes, a FMLN escolheu como candidato a um prestigioso jornalista, que não era diretamente das suas filas, mas com trajetória claramente de esquerda. O vice presidente – e também Ministro de Educação – de Funes era Salvador Sanches Ceren, antigo comandante guerrilheiro da FMLN.
Até que nestas eleições, em um pleito muito renhido, Sanchez Ceren foi eleito presidente da república, com a FMLN cumprindo o ciclo de movimento guerrilheiro a força política dirigente de El Salvador, apesar das dificuldades que uma vitória tão apertada – por pouco mais de 6 mil votos e questionada pela direita – traz para o pais. Esse o novo desafio do menor país do continente – conhecido por isso como o Pequeno Polegar – tem pela frente.
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