Nessa segunda feira, 24 de março, o mundo inteiro recordou o martírio de Oscar Ranulfo Romero, o arcebispo de El Salvador, assassinado no meio da celebração eucarística, em 1980, por sua luta em defesa dos índios, dos pobres e dos perseguidos políticos pelas milícias paramilitares do seu país, na época, protegidas e mesmo patrocinadas pelo governo.
Monsenhor Romero era um bispo conservador. No entanto, ele viu famílias pobres serem obrigadas a entregar sua terra ou casa a um proprietário rico. Viu pais de família serem enterrados simplesmente por tentar defender seus direitos humanos. Viu que padres como Rutílio Grande que defendiam os pobres eram torturados e mortos. Então, Romero começou a levantar a sua voz em defesa do povo oprimido. E passou a ser odiado pelas elites e pelos militares que as defendiam. No dia 24 de março de 1980, quando celebrava a missa na capela de um hospital, um atirador entrou na igreja e o alvejou no coração. O sangue de Romero se misturou com o cálice da eucaristia, no qual se faria memória do sangue de Jesus.
O martírio de Romero teve uma repercussão enorme em todo o mundo. A situação de El Salvador tornou-se um escândalo mundial e, poucos anos depois, o sistema político foi renovado e o país conquistou a uma democracia mais justa. Atualmente, El Salvador acaba de ter eleições presidenciais. O povo escolheu como presidente a Salvador Cerém, antigo militante de esquerda. A proposta do novo governo é integrar-se na caminhada bolivariana de outros países do continente por uma verdadeira independência frente ao império norte-americano e uma administração política e econômica que acabe com a desigualdade social que ainda reina no país.
Desde o martírio de Monsenhor Romero, muitos se perguntaram se seria tarefa de um bispo assumir de tal forma a função de defensor dos mais empobrecidos que, junto com outros grupos, possa transformar a política de um país. Na época, na América Latina, a maioria dos bispos e grupos de Igreja afirmavam que sim. Já em 1968, em Medellín, os bispos latino-americanos escreveram: "É preciso que se dê à Igreja o rosto de uma Igreja pobre e servidora dos mais pobres, comprometida com a libertação de toda humanidade e de cada pessoa humana por inteiro” (Med 5, 15).
Trinta e três anos depois, a fisionomia da Igreja hierárquica tinha mudado. Mesmo se a pobreza no mundo aumentou, as injustiças sociais se agravaram e a humanidade estivesse precisando mais ainda de profetas, a Igreja hierárquica se tornou mais centrada em si mesma. Foi então que, inesperadamente, o mundo e a Igreja ganharam o papa Francisco. Como Romero, o papa Francisco é um homem simples que se tornou bispo de Roma. Imediatamente, ele retomou o diálogo afetuoso com a humanidade que, nos anos 60, o papa João XXIII tinha iniciado. Por seu modo de ser, revelou que a ditadura do pensamento único não ajuda ninguém. Já no século III, São Cipriano, bispo de Cartago, escreveu ao papa da época: "A unidade abole a divisão, mas respeita as diferenças”.
Ao estimular padres e bispos a irem às periferias e servirem de fato às necessidades do povo, o papa deixou claro que o modelo de pastor que ele pensa para a Igreja é Oscar Romero, assim como tantos outros mártires que, por sua vida, testemunharam o amor de Deus à humanidade e especificamente às pessoas sofredoras. Nesse ano, a celebração da memória do martírio de Oscar Romero ocorre no clima de preparação para as celebrações pascais. Lembra que o testemunho de doação da vida pode, a partir da solidariedade, transformar o mundo.
[Marcelo Barros de Sousa é monge, beneditino, escritor e teólogo.]
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