O "cidadão de bem" mudou o Brasil (por Fabrício Ribeiro Sales)
O "cidadão de bem" andava desaparecido desde as manifestações da "Marcha da Família com Deus pela Liberdade", ocorridas entre março e junho de 1964 como resposta a uma suposta ameaça comunista, que impulsionaram o Golpe Militar daquele ano. Ele ressurgiu, especialmente em 2015 e 2016, com a missão de tirar o PT do poder e acabar com a corrupção no Brasil. Mas…, quem é o "cidadão de bem"?
Segundo pesquisa do Datafolha o perfil dos manifestantes pelo golpe no domingo, 13 de março de 2016, era este: 50% dos entrevistados informaram receber de cinco a 20 salários-mínimos mensais, 12% se declararam empresários, 77% possuíam Ensino Superior completo, 18% informaram ter o Ensino Médio, 4% disseram ter estudado até o Ensino Fundamental e 77% declararam ser de cor branca. Eis aí o retrato do "cidadão de bem". São, portanto, brancos, estudados e com alta renda. Trata-se de empresários, profissionais liberais, comerciantes e funcionários de alto escalão do Judiciário, MP, MPF, Polícia Federal, Exército e de estatais.
Se, como dizia Edmar Bacha, o Brasil é uma "Belíndia", mistura de Bélgica e Índia, o "cidadão de bem" vive no padrão da Bélgica. Ele não utiliza o SUS, as escolas públicas, não precisa do Minha Casa Minha Vida, não utiliza transporte público, não é contemplado com o aumento real do salário-mínimo, FIES, PROUNI, Pronatec, enfim, não é beneficiário direto destas políticas sociais e não tem compromisso com elas.
O que este grupo social conseguiu mudar no Brasil?
Muita coisa, menos a corrupção. Junto com Eduardo Cunha e Renan Calheiros derrubaram a presidente eleita e colocaram no poder um político menor, que montou um governo de investigados e denunciados, dispostos a tudo para frear as investigações da Lava Jato e se manter no poder.
O novo governo passa a pagar a fatura dos financiadores do golpe, nacionais e estrangeiros. Assim, Michel Temer entrega áreas riquíssimas do pré-sal, reduz a participação do Banco do Brasil e Caixa Federal no mercado bancário, concede generosos reajustes às castas que apoiaram ou se omitiram no golpe, flexibiliza os direitos trabalhistas, reduz verbas da saúde e educação, acaba com o aumento real do salário-mínimo, inviabiliza a aposentadoria para milhares de brasileiros, doa 100 bilhões para as Teles, perdoa 01 trilhão de dívidas de latifundiários, aumenta a verba publicitária para os meios de comunicação, enfim, tira dos pobres para dar aos ricos, mudando o sentido da transferência de renda.
No entanto, o "cidadão de bem" está feliz. Tirou o PT do poder, missão cumprida. Além disto, ele tem boa renda e não se utiliza dos serviços públicos, então por que se preocupar se a grana do pré-sal que seria investida em educação, saúde e ciência agora vai para o lucro das petroleiras estrangeiras? Se as plataformas que eram feitas no Brasil, gerando trabalho e desenvolvendo a indústria naval, agora são contratadas no exterior para onde vão empregos e lucros? Se o enfraquecimento da Caixa e do BB favorece os bancos privados? Se a maioria das pessoas vai morrer antes de se aposentar? Se o desemprego, o fim do aumento real do salário-mínimo e o arrocho dos servidores vão reduzir drasticamente a renda e o consumo das famílias, levando de roldão a economia nacional?
O "cidadão de bem" não se preocupa com nada disto, pois foi adestrado para odiar. Desta forma, ele se recusa a pensar num projeto de país com alternativas que protejam o extrato mais pobre da sociedade. Quando ouve propostas como combate à sonegação de 500 bilhões anuais, taxação dos ganhos de capital, reforma tributária que desonere os setores médios e pobres, taxação da especulação financeira e redução da taxa Selic, ele reage como se fosse um grande capitalista e denuncia o comunismo, mandando todos para Cuba.
Parafraseando Emicida "Quem vê só um lado do mundo só sabe uma parte da verdade". O "cidadão de bem" está assim, só vê o seu lado. Ele não se interessa pelo futuro do país, pois tornou-se um serviçal bem pago dos exploradores do povo brasileiro. Ele vive bem e se sente garantido, é a personificação do individualismo total, acima da ideia de país e de nação.
Mas, será mesmo que o "cidadão de bem" está garantido? Vejamos. Com as políticas do golpe, aumenta a desigualdade social, passamos a conviver com mais pobreza, menos educação, menos saúde, mais violência, menos moradia, mais desemprego e mais miséria. Acrescente-se a isto, as demissões e o arrocho no salário dos servidores públicos e teremos um imenso contingente populacional com dinheiro suficiente apenas para sobreviver. Esta redução geral da renda vai impactar, negativamente, nas empresas, profissionais liberais, comerciantes, taxistas e outros, ou seja, muitos setores privados que apoiaram o golpe também vão empobrecer.
Mas, e o "cidadão de bem" que compõe a alta burocracia do Judiciário, MP, MPF, Polícia Federal, Exército e estatais, estará protegido? Aqueles que não forem privatizados estarão protegidos apenas pela garantia do emprego, pois a violência resultante do caos social atingirá a todos, indiscriminadamente. Portanto, este "cidadão de bem" também corre sérios riscos.
Na briga entre um Brasil solidário e um Brasil desumano o "cidadão de bem" fez a sua escolha e mudou o país. Ele ainda não percebeu, mas com o seu ódio o "cidadão de bem" deu um tiro em si mesmo e no futuro das próximas gerações.
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Fabrício Ribeiro Sales é Servidor Público.
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