Poder
Golpe na sociedade do espetáculo
Temer protegeu Moreira Franco
Na modalidade cesarista de golpe de Estado, militares baixam a exceção, fecham o Congresso, cassam juízes, aposentam compulsoriamente professores, expulsam opositores ou simplesmente torturam até matar.
Na modalidade "institucional" ora em curso no Brasil, o golpe funciona essencialmente na base da corrupção das instituições pela seletividade. Beneficia muita gente, inclusive os corruptos que o integram. Tudo funciona parcialmente, pois as instituições estão corrompidas e assim devem permanecer.
Observemos o caso Moreira Franco. Citado na Lava Jato, teve o socorro do status de ministro pela ação direta do president, com objetivo claro de ser julgado no Supremo Tribunal Federal, onde conta com importantes aliados, sobretudo agora que infratores manejam o tal foro privilegiado para se safar.
A manobra se deu com o silêncio obsequioso da mesma classe média que bateu panelas contra o "PT corrupto" quando Lula foi nomeado ministro-chefe da Casa Civil. Isso diz muito mais sobre a base social golpista do que mil ensaios.
Sempre se soube que uma sociedade edificada sobre 400 anos de trabalho escravo não transitaria com naturalidade para a atmosfera própria da República, cujo fundamento básico é a igualdade formal. A boçalidade da escravidão está encravada no cérebro do oligarca brasileiro que sonega aqui para sorver um pouco de civilização na Europa e voltar cuspindo na cara do Brasil.
Em torno dessa figura abjeta gravita outra de menor status, mas muito útil para barrar qualquer tentativa de nos convertermos em uma República. A elite dos assalariados, aqueles no topo da cadeia alimentar do serviço público, com benesses injustificáveis diante da trágica realidade social brasileira.
Ao lado deles, uma cadeia de profissionais liberais que sonha um dia ser oligarca de fato, mas, enquanto não é possível, agem como se fossem. Esses costumam ter mais apreço pela civilidade de Miami, onde dá pra comprar enxovais e produtos chineses mais barato e ainda se embasbacar nos shoppings, iguais no mundo todo.
A psicologia dessa camada social é fundamentada sobretudo no ódio. Sua condição permanente é a do temor de ser misturada à ralé. Para afastar esse fantasma, agirá violentamente contra os pobres que ousem aspirar algo mais do que a caridade eventual, expulsando-os a pontapé para fora de seus espaços de distinção.
Distribuição de renda é um fantasma que necessita ser imediatamente executado a pauladas. Essa predisposição ao ódio de classe sempre aflora quando a oligarquia necessita de uma tropa de choque para assegurar a concentração indecente de renda.
Ao longo do século XX, os militares foram manipulados preferenciais, prendendo e arrebentando todos que buscavam justiça social, porque quando não eram, "estavam a serviço dos comunistas". Atualmente, onde a guerra fria se fragmentou, um dos inimigos a ser destruído é o movimento social, por meio de expediente tosco de criminalização.
Para dar um golpe na sociedade do espetáculo, Judiciário e Parlamento bastam, desde que a mídia a eles vinculada bata o tambor. A concentração de renda, ao contrário do que se prega na mídia, necessita de uma sociedade corrompida e entorpecida. Necessita da corrupção funcional dos profissionais de sempre que degenere as instituições de Estado ao ponto do parlamento votar pelos privilégios da elite dos servidores, pela entrega do patrimônio nacional ao verdadeiro império e sempre pela supressão dos parcos direitos sociais desse povo ainda escravo de fato.
Necessita que a parcialidade mais indigente da justiça seja vendida como civismo para chancelar o foro privilegiado a corruptos notórios e históricos que sempre trabalharam em favor desse sistema e o integram como funcionários eficientes.
É preciso manter a corrupção institucional e sua tropa de choque permanentemente assombrada com a possibilidade do Brasil um dia vir a se transformar numa República. É preciso assegurar a injustiça desta sociedade, nem que para isso tenha de se recorrer de vez ao fascismo. Sai o quepe e entra a toga. Mas a cabeça é a mesma.
*Advogado. "Sócio" desde setembro de 2011
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