Segundo Roberto Kalil Filho, médica que compartilhou informações sobre o estado da ex-primeira dama e foi demitida violou "um dos princípios mais sagrados da profissão, o sigilo médico". "Pior ainda é testemunhar esses profissionais serem movidos por sentimentos menores e ideologias político-partidárias, fazendo apologia à morte", lamenta
Da Redação
O diretor do Hospital Sírio-Libanês, Roberto Kalil Filho, escreveu um artigo onde explica por que a médica do hospital Gabriela Munhoz, que compartilhou o diagnóstico de Marisa Letícia em grupo de WhatsApp foi demitida. Segundo Kalil, o comportamento de Gabriela é inadmissível, ao violar o sigilo médico.
Kalil também comenta as mensagens de ódio feitas por profissionais, como Richam Faissal Ellakkis, que sugeriu a morte de Marisa Letícia. "Esses fdp vão embolizar ainda por cima. Tem que romper no procedimento. Daí já abre pupila. E o capeta abraça ela", disse Ellakkis, que também foi demitido da Unimed, onde trabalhava.
Para Kalil, esses profissionais merecem punições. "Impossível tolerar que pacientes corram o risco de virar motivo de escárnio entre médicos inescrupulosos", diz.
Leia abaixo o artigo na íntegra:
Afronta à dignidade humana
Infelizmente, são comuns no Brasil, e em especial na rede pública, queixas de médicos e de outros profissionais de saúde sobre jornadas extenuantes de trabalho, afastamento da família, salários incompatíveis com uma vida digna e muito aquém do esforço, da dedicação e da responsabilidade exigidos pela carreira.
Fora isso, também são vítimas de violência por parte de pacientes ou acompanhantes que responsabilizam os médicos por todas as consequências produzidas pela doença.
Tais situações, evidentemente, comprometem a saúde física e mental desses profissionais e geram o desalento que os afasta de seus pacientes, o que acaba por punir justamente os mais necessitados, aqueles que já vivem nos limites da dignidade humana.
No entanto, quando afrontam a ética, quebram o juramento de Hipócrates proclamado ao receberem o título de doutor e compartilham publicamente segredos e sentimentos a eles confiados, os médicos violam um dos princípios mais sagrados da profissão, o sigilo médico.
Essa situação ocorreu recentemente com a divulgação pelas redes sociais de exames e dados clínicos não autorizados, além de comentários desairosos sobre pacientes públicos. O caso revela um dos lados perversos do comportamento humano, reprovável e absolutamente inadmissível para quem se apresenta como médico.
Pior ainda é testemunhar esses profissionais serem movidos por sentimentos menores e ideologias político-partidárias, fazendo apologia à morte, como lamentavelmente observamos na última semana.
O texto da jornalista Cláudia Collucci publicado nesta Folha na quinta (2/2) acerta no ponto nevrálgico sobre o tema: atitudes como essa merecem punição. Impossível tolerar que pacientes corram o risco de virar motivo de escárnio entre médicos inescrupulosos.
As direções de hospitais e unidades de saúde precisam ser firmes e punir esse tipo de comportamento antiético de forma exemplar, eliminando das instituições elementos que profanam o princípio do sigilo e do respeito devido a qualquer ser humano.
Também têm obrigação de denunciar imediatamente aos conselhos profissionais esses desvios, para a aplicação de sanções pertinentes.
O juramento de Hipócrates é claro: o médico deve guardar absoluto respeito pelo ser humano e atuar sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.
Os cidadãos, quando buscam um serviço de saúde, principalmente quando precisam ser internados, seja em enfermaria ou na terapia intensiva, normalmente chegam fragilizados, não somente pela doença mas também pelo temor em relação ao que os espera.
Hospital, receio da dor e do imponderável, medicações desconhecidas, dor imposta por exames invasivos, cirurgias, agulhas, tubos e sondas são possibilidades tenebrosas que ninguém em sã consciência aceita calidamente.
As incertezas são muitas na fase de hospitalização; por isso a atitude dos profissionais de saúde tem o papel de resgatar a vida e dar dignidade à existência.
É urgente que os gestores da área da saúde pública ou privada desenvolvam estratégias robustas para envolver os médicos não somente nas políticas internas de humanização das instituições mas também no respeito ético para com seus pacientes. A dignidade humana deve ser inviolável.
ROBERTO KALIL FILHO, cardiologista, é professor titular da Faculdade de Medicina da USP e diretor de cardiologia do Hospital Sírio Libanês
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