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pergunta:

"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

3.10.13

Matamos Amarildo — CartaCapital

Crime e sociedade

Matamos Amarildo

Quando a plateia vibrou com a cena final de Tropa de Elite, ela autorizou a barbárie. Só não percebeu que a escopeta estava voltada para ela


por Matheus Pichonelli
publicado 03/10/2013 12:08, última modificação 03/10/2013 15:55

Quando a plateia vibrou com a cena final de Tropa de Elite, ela não percebeu que a escopeta estava voltada para ela

Quando o Capitão Nascimento, com o coturno na garganta do traficante "Baiano", entregou a escopeta nas mãos do Soldado Mathias e determinou a execução do bandido com um balaço no rosto, as salas de cinema do Brasil vibraram como torcida em final de campeonato. Como em uma arquibancada, houve quem se levantasse e aplaudisse a cena de pé, algo inusitado para uma sessão de cinema. O Brasil que pedia direitos humanos para humanos direitos estava vingado.

José Padilha precisou praticamente desenhar, em Tropa de Elite 2, que aquela escopeta estava voltada, na verdade, para o rosto da plateia. Mas a plateia, em sua sanha punitiva, parecia incapaz de refletir e entender que a tortura, os sacos plásticos e a justiça por determinação própria eram a condenação, e não a redenção, de um país de tragédias cotidianas. Nos dois filmes, todos estavam de alguma forma envolvidos na criminalidade – corruptos e corruptores, produtores e consumidores, eleitos e eleitores – mas só alguns iam para o saco de tortura. As consequências dessa indignação seletiva estavam subentendidas, mas muitos não as captaram: nas camadas superficiais da opinião pública, o apelo a soluções simples é sempre tentador. (Em uma das cenas do segundo filme, Nascimento é aplaudido de pé ao chegar a um restaurante de bacanas após comandar o massacre em um presídio. Padilha mostrava ali que a que violência denunciada em Tropa de Elite não era só caso de policia, mas uma chaga aberta e diariamente cutucada por quem recorre, no discurso ou na ação, a soluções arbitrárias contra um caos legitimado).

É possível que este mesmo Brasil que transformou em heroi um personagem complexo e vacilante como o Capitão Nascimento, personagem interpretado por Wagner Moura, não tenha sequer franzido a testa, na vida real, pelo sumiço do ajudante de pedreiro Amarido de Souza, de 47 anos. Para quem não sabe, Amarildo desapareceu no dia 14 de julho após ser levado para a sede da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha. Ninguém sabe ninguém viu o que aconteceu desde então (repita-se: em uma unidade PACIFICADORA). Isso porque as câmeras de monitoramento da região, estranhamente, não registraram a movimentação. Segundo um inquérito aberto pela Divisão de Homicídios da Polícia Civil fluminense (e encaminhado ao Ministério Público do Rio), Amarildo, que era epilético, foi torturado, morto e seu corpo, ocultado. Foram indiciados dez policiais militares lotados à época na UPP, entre eles o ex-comandante da unidade, major Edson dos Santos.

Na Justiça, todos terão direito a se defender, e é bom que assim seja. Direito que o ajudante de pedreiro não chegou a vislumbrar – seu erro fatal, segundo a investigação, foi ter se negado a fornecer informações sobre traficantes do morro, a quem supostamente preparava churrascos. Sua versão da história será sempre um mistério: no método de depoimento informal aplicado supostamente pelos PMs – com direito a choques elétricos, de acordo com o inquérito – a verdade dos fatos é a primeira a morrer sufocada.

Amarildo não foi a primeira e fatalmente não será a última vítima. Nem da violência nem do descaso nem da ignorância. Os aplausos da plateia abobada de Tropa de Elite são reforçados todos os dias, inclusive quando o governador diz: "E daí? Antigamente havia muito mais Amarildos do que hoje". Tanto Amarildo como o governador não são pontos fora da curva. São uma legião, porque são muitos.

No país das indignações seletivas, a aceitação da tortura é a manifestação inequívoca de um estado de guerra e barbárie permanente no qual a convivência humana é simplesmente inviável. No filme 2001 – Uma Odisseia no Espaço, Stanley Kubrick criou uma alegoria para ilustrar a origem deste estado: quando um grupo de macacos identifica em uma ossada um arsenal de guerra e provoca uma dissidência; com os ossos na mão, passam a agir como base na violência, na coação, na briga pelo território, pelo privilégio, pela dominação de uns pelos outros. É quando os animais se humanizam.

Ao longo dos anos, esta humanidade barbarizada caminhou em direção ao que se chama civilização, em que pese o fato de alguns dos maiores morticínios terem sido praticados nos séculos XX e XXI (a morte por gás sarin não é menos dolorosa que um golpe de machado). Em outros termos, significa que entre um símio e outro há uma regra de conduta, baseada em lei, que impede o uso dessa arma para a imposição da força. Essa lei, em tese, é o que evita o aniquilamento humano. Inevitavelmente, esta cortina frágil é rasgada todos os dias por quem não consegue identificar a humanidade no outro. Voltamos um pouco ao estágio pré-civilizatório toda vez que testemunhamos um crime motivado por ciúmes, por território, por controle, por motivo fútil, por necessidade. Mas, em vez de distribuir ossos e oficializar o aniquilamento, optamos por criar o Estado, a legalidade e armamos a polícia, a detentora do monopólio legítimo da violência. Mais do que ninguém, ela é a força responsável por impedir que os símios espalhados pelo mundo ajam conforme seus instintos – e sejam punidos em casos de infração. Tem as armas para isso.

Quando aplaudimos a tortura policial, no entanto, a mensagem passada aos nossos supostos guardiões é que esta arma pode ser usada como bem entenderem, e não em favor de uma paz possível prevista em lei. É como se a plateia exultante de Tropa de Elite, iguais aos macacos de 2001, dissessem: "danem-se as leis, somos todos neandertais".

O apelo à tortura como consequência da segurança é, portanto, a confissão e a aceitação de uma incapacidade ancestral. Em vez de segurança, o que ela produz é pânico: aceitamos que a polícia se comporte não como o agente público a nos proteger de símios ensandecidos com ossos na mão, mas exatamente igual aos animais retratados no filme.

Nesses termos, o estado completo de vulnerabilidade está criado. Ontem, mais precisamente em 14 de julho de 2013, foi a vez de Amarildo. Amanhã pode ser eu. Ou você. Enquanto aplaudimos as soluções arbitrárias, que aniquila tanto o bandido como o inocente, é a sorte, e não a lei, o elemento a impedir que um animal armado (fardado ou não) com arma na mão, pelo simples fato de acordar num belo dia de mau humor, coloque nossas cabeças em um saco plástico e nos sufoque até a morte.


http://www.cartacapital.com.br/sociedade/matamos-amarildo-1601.html

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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz