para trás
'As instituições democráticas não estão funcionando'
por Eduardo Graça publicado 04/05/2016 10:30, última modificação 04/05/2016 10:30
CartaCapital – Um dos brasilianistas mais destacados da academia dos Estados Unidos, James Naylor Green, professor de história latino-americana e diretor da Iniciativa Brasil da Universidade Brown, afirma não ter a menor dúvida de que o impeachment da presidenta Dilma Rousseff é um golpe.
Um dos mentores de um manifesto crítico ao processo assinado por mais de 2 mil especialistas em estudos da América Latina, Green também não poupa o jornalismo brasileiro: "O papel representado pelos militares nos golpes do século XX foi substituído pela cumplicidade da mídia".
O recente pronunciamento de Dilma na ONU desagradou a seus apoiadores, que esperavam uma denúncia mais eloquente do que o governo qualifica como golpe. A presidenta errou no tom?
Não. O pronunciamento foi digno e correto. A paranoia, a histeria dos pró-impeachment, ficou nítida no fato de dois deputados da oposição (José Carlos Aleluia e Luiz Lauro Filho) terem sido enviados a Nova York para fazer um contradiscurso, por conta da ideia de que Dilma iria ao exterior para difamar o Brasil.
O que Michel Temer e Eduardo Cunha precisam entender é que a mídia internacional está a par do que de fato ocorre no Brasil. A manobra institucional para desqualificar Dilma como presidenta está clara.
Três ministros do Supremo Tribunal Federal pronunciaram-se contra a tese do golpe...
É impressionante como ministros do STF têm facilidade em comentar discussões internas como se fosse um debate público. É totalmente diferente da tradição norte-americana. Os juízes da Suprema Corte dos EUA jamais fazem esse tipo de politicagem. Não tentam influenciar a opinião pública, são mais sóbrios.
Isso é extremamente problemático para a democracia brasileira, pois a impressão é de que se troca muito facilmente a objetividade legal por perspectivas ideológicas na casa mais alta do Judiciário. Não, as instituições democráticas não estão funcionando. É justamente esse o problema.
O senhor então acredita que o Brasil vive uma crise institucional?
Sim, e vê-se isso claramente na Câmara, comandada por Cunha, que se recusa, por exemplo, a respeitar uma ordem do STF e dar prosseguimento ao pedido de investigação contra seu aliado Temer por crime de responsabilidade. São dois pesos e duas medidas. Ainda mais grave: as acusações seríssimas contra Cunha o deveriam impedir de comandar qualquer processo de impeachment relacionado ao Poder Executivo. A lógica democrática exige que ele seja afastado primeiro, o que não ocorreu. Ele tem interesse direto no resultado e está sob investigação. Daqui, o que tanto nós brasilianistas quanto a imprensa americana observamos é uma crise das instituições e da democracia brasileiras, sequestradas por determinadas personalidades com interesses próprios.
O senhor acredita que a investigação da Comissão de Ética sobre o deputado Eduardo Cunha não dará em nada?
É evidente que Cunha jamais será julgado por seus pares por eventuais crimes por ele supostamente cometidos. Também não se sustenta para observadores internacionais a tese de que as pedaladas fiscais só são inconstitucionais e passíveis de crime de responsabilidade quando feitas por Dilma, mas não por Temer. Ou que não se tenha um único pedido de investigação contra os governadores que também pedalaram.
Ou seja, é um golpe político escancarado e que fere um dos princípios básicos de qualquer democracia séria: a lei precisa valer para todos de forma igual. Fez-se um acordão, e dele fazem parte inclusive ministros do STF. Não estou falando de reuniões conspiratórias na calada da noite, não é assim que funciona, mas é possível perceber códigos, entendimentos, de um jogo político oferecido por lideranças que acreditam de fato estarem fazendo o que é melhor para o país. E neste tabuleiro aparece, em destaque, o impedimento de Dilma, mas não só.
O que o senhor imagina daqui para a frente?
Os próximos lances, muito claramente, são o impedimento da candidatura presidencial de Lula em 2018, o consenso em torno de um governo provisório de Temer até as eleições e o retorno da aliança PSDB-DEM, muito provavelmente com um vice do PMDB e com o apoio de vários políticos acusados de corrupção. Muda-se para ficar como sempre foi. Aí nos cabe pensar nos cidadãos que foram às ruas pedir o impeachment e repetiam "nos devolvam o nosso país".
Que país seria este?
O Brasil do passado, no qual as classes sociais conhecem muito bem os seus lugares. Vamos dizer claramente: querem o retrocesso. É algo muito próprio do Brasil. É o rearranjo de forças para manter o equilíbrio das elites no poder, a partir de um cenário econômico mais tranquilo para elas. Setores das elites econômicas, políticas e sociais têm uma noção muito clara de como deve ser o Brasil ideal para sua manutenção no poder.
Como o senhor avalia o papel da mídia brasileira na crise política?
Para o golpe, neste momento, não foi necessário chamar os militares. O papel por eles representado no século XX foi substituído pela cumplicidade da grande mídia.
O número de teses sobre a parcialidade da mídia brasileira na academia americana é enorme, e justamente por conta de seu caráter gritante. Quando houve a discussão da crise brasileira entre os brasilianistas, certo jornal brasileiro – não vou citar nome – deslocou um repórter para entrevistar os especialistas. Pois o jornal criou uma notícia falsa.
Disse que havia um racha na organização, o que não é verdade. Depois, em reportagem com brasilianistas, entrevista um grupo e dá a entender que a maioria dos que pensam o Brasil no exterior o faz de uma maneira uniformemente contra a narrativa do golpe, apesar de 90% dos professores apoiarem o abaixo-assinado da associação. Foi um exemplo gritante de como um setor da mídia está dedicado à manipulação da notícia, especialmente na crise política atual.
Como o governo e as corporações dos Estados Unidos se posicionam em relação ao impeachment?
Não tenho acesso direto a conversas do Departamento de Estado. A subsecretária Roberta Jacobson esteve em Brown há três semanas e afirmou que a postura de Washington é a de não se fazer quaisquer intervenções relacionadas ao processo, um avanço em relação a 1964. Mas não tenho dúvida de que setores do governo e da economia dos EUA se articulam com os emissários de Temer.
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