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"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

29.5.16

Rio Grande do Sul contra o golpe: aqui está o povo sem medo de lutar

27 maio 2016 5:09 PM‎ Visualizações 1.790 Pontuação: 68
 

Rio Grande do Sul contra o golpe: aqui está o povo sem medo de lutar

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Em 2016, neste outono de temperaturas abaixo da média, ares de revolução voltam a soprar de Porto Alegre. Um dia, melhor do que qualquer outro, demonstra que há algo de novo no front austral, com claros sinais de uma convergência inédita de movimentos.

Ao longo da história do Brasil, o Rio Grande do Sul liderou recorrentes episódios de sublevação ao poder central. Dos Farrapos aos cavalos amarrados no Obelisco do Rio de Janeiro (Revolução de 30), da Rádio da Legalidade de Leonel Brizola - que quase levou os militares a bombardearem o Palácio Piratin em 1961 - à criação do Orçamento Participativo e a "Feliz Cidade", que se tornou modelo de gestão petista na década de 80, a vanguarda democrática do país passa pelo Sul.

Em 2013, Porto Alegre foi a primeira cidade a iniciar movimentos de massa nas ruas, meses antes do junho puxado pela locomotiva paulista. Em abril daquele ano, milhares nas ruas da capital já haviam barrado o reajuste das tarifas de ônibus. Em 2016, neste outono de temperaturas abaixo da média, ares de revolução voltam a soprar de Porto Alegre.

Um dia, melhor do que qualquer outro, demonstra que há algo de novo no front austral, com claros sinais de uma convergência inédita de movimentos, partidos e indivíduos identificados com ideais de esquerda.

Nunca mais Porongos

Vinte e quatro de maio de 2016. No Centro Histórico de Porto Alegre, o palco de uma guerra civil começara a se armar na noite anterior. A ocupação Lanceiros Negros, com mais de 100 famílias provenientes de comunidades em situação de miséria e dominadas pelo tráfico, foi sitiada pelo Batalhão de Operações Especiais da Brigada Militar, comandada pelo governador do Estado, José Ivo Sartori (PMDB). O prédio, ocupado em novembro de 2015, pertencera ao Ministério Público Estadual, mas estava abandonado por doze anos antes de abrigar as famílias ligadas ao Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB).

Antes da ocupação, prédio que pertence ao Governo do Estado estava abandonado há 12 anos. Foto: Mídia NINJA
Antes da ocupação, prédio que pertence ao Governo do Estado estava abandonado há 12 anos. Foto: Mídia NINJA
Dezenas de crianças e idosos residem na ocupação Lanceiros Negros. Foto: Mídia NINJA
Dezenas de crianças e idosos residem na ocupação Lanceiros Negros. Foto: Mídia NINJA

O nome Lanceiros Negros remete ao corpo de cavalaria formado por ex-escravos que lutaram ao lado dos Farrapos contra o império Brasileiro no século XIX, a guerra civil mais sangrenta da historiografia nacional. O batalhão de lanceiros foi dizimado no episódio conhecido por Massacre de Porongos, uma chaga na história do Rio Grande do Sul. A chacina resultara de um traiçoeiro acordo entre um chefe dos Farrapos e o comandante do exército imperial de Caxias.

Às 19h do dia 23, a página da ocupação no Facebook disparou uma convocatória para a população se dirigir ao local em vigília, na esquina da Andrade Neves com a General Câmara, a tradicional rua da Ladeira. O bloqueio dos acessos pela Brigada Militar estava marcado para a meia-noite, e o despejo para às 6h. Mas, diante da crescente mobilização nas redes, o comando antecipou em duas horas a ação, impedindo populares de se aproximarem do prédio já a partir das 22h.

Batalhão de Operações Especiais da Brigada Militar impede acesso à ocupação. Foto: Mídia NINJA
Batalhão de Operações Especiais da Brigada Militar impede acesso à ocupação. Foto: Mídia NINJA
Foto: Mídia NINJA
Foto: Mídia NINJA

O frio intenso da madrugada e uma névoa tão densa que molhava as roupas não impediram que algumas dezenas pessoas se acumulassem no ponto de vigília, logo abaixo da rua da Ladeira. Aos gritos, apoiadores e ocupantes se comunicavam e entoavam palavras de ordem. O despejo, por razões legais, não poderia ocorrer durante a madrugada e precisaria esperar os primeiros raios de sol. Na tensa escuridão da noite, ouviam-se marteladas de dentro da ocupação. As famílias lacravam a entrada principal e as janelas, honrando o lema da Lanceiros Negros: "preferimos a morte à miséria". Haveria luta.

Os primeiros sinais de que a resistência cresceria vieram perto das 5h da madrugada. Secundaristas que ocupam escolas da região se uniram à mobilização, em um gesto de apoio à causa da moradia digna, afinidade de pautas e união na luta. No Rio Grande do Sul, o levante dos estudantes começou nas primeiras semanas de maio e, em pouco tempo, se disseminou por mais de 200 escolas do estado.

Secundaristas em ebulição

Os alunos resistem em protesto contra o sucateamento da educação promovido pelo governador Sartori. Escolas com a infraestrutura precarizada, atraso nos repasses para efetuar consertos e salários parcelados para os professores são algumas das pautas. Os estudantes também repudiam o PL 44, que mascara a privatização do Ensino Público entregando a administração de escolas a Organizações Sociais (OSs).

Estudantes da escola Padre Réus, na Zona Sul da capital, organizam-se em assembleias horizontais. Foto: Mídia NINJA
Estudantes da escola Padre Réus, na Zona Sul da capital, organizam-se em assembleias horizontais. Foto: Mídia NINJA

Outra pauta enfrentada é o projeto Escola Sem Partido, de autoria do deputado estadual Marcel Van Hattem (PP). A proposta proibiria a "doutrinação política e ideológica" em sala de aula. Os alunos enxergam no projeto uma tentativa de censurar professores e coibir a livre expressão dos alunos. Com centenas de escolas ocupadas e o Sindicato dos Professores do Estado (Cpers) em greve geral, Sartori está em um beco sem saída. Nenhuma medida foi tomada até o momento para melhorar a situação ou dialogar com os alunos.

 O colégio estadual Padre Reus tem uma forte cultura de discussão de gênero. Com o projeto Escola Sem Partido, tais debates seriam proibidos no ambiente escolar. Foto: Mídia NINJA
O colégio estadual Padre Reus tem uma forte cultura de discussão de gênero. Com o projeto Escola Sem Partido, tais debates seriam proibidos no ambiente escolar. Foto: Mídia NINJA

"Lanceiro na guerra, ele não cansa!"

À medida que a manhã se aproximava, os dois lados recebiam reforços. Populares se aglutinaram no ponto de vigília até que a mobilização em apoio à Lanceiros Negros chegou a cerca de uma centena de pessoas. O aparato repressivo do Estado se multiplicava, com o efetivo também na casa de uma centena de homens de diversos destacamentos da Brigada Militar.

Na parte baixa da Rua da Ladeira, uma centena em vigília. Foto: Mídia NINJA
Na parte baixa da Rua da Ladeira, uma centena em vigília. Foto: Mídia NINJA
Efetivo da Ronda Ostensiva (ROCAM) se soma às forças policiais. Foto: Mídia NINJA
Efetivo da Ronda Ostensiva (ROCAM) se soma às forças policiais. Foto: Mídia NINJA

O cenário de guerra parecia iminente. Os brigadianos já se posicionavam à porta da ocupação e a invasão poderia ocorrer a qualquer momento. Às 6h30, a catarse. Advogados que representam os ocupantes - também impedidos de acessar o prédio - trazem a boa nova: uma liminar assinada pelo juiz Jorge Luís Dall´Agnol suspendeu a reintegração de posse, justificada pelo "risco considerável de conflitos sociais" e pelo "perigo de dano irreparável ou de difícil reparação" da reintegração.

Em júbilo, manifestantes e famílias da ocupação comemoraram o recuo das forças policiais e saudaram juntos a vitória, conscientes de que a batalha foi vencida, mas a guerra não. Ao abrir das portas, o grito era um só no Centro Histórico de Porto, a poucos metros da sede do Governo do Estado: "aqui está o povo sem medo, sem medo de lutar!"

Ocupantes e manifestantes celebram a suspensão do mandato de reintegração de posse. Foto: Mídia NINJA
Ocupantes e manifestantes celebram a suspensão do mandato de reintegração de posse. Foto: Mídia NINJA
Foto: Mídia NINJA
Foto: Mídia NINJA
Foto: Mídia NINJA
Foto: Mídia NINJA

Porto Alegre não pára

O dia ainda é 24 de junho. Às 19h, em plena terça-feira, dezenas de milhares concentram-se na esquina democrática, no cruzamento da Andradas com a Borges de Medeiros, coração de Porto Alegre. É o quarto ato contra o golpe em um intervalo de três semanas, organizado em assembleias abertas presenciais, chamado pelas redes sociais e sem lideranças tradicionais. A Frente de Lutas contra o Golpe é um movimento de novo tipo, inspirado em junho, mas com forte protagonismo feminino e pautas claras: a queda de Temer, a responsabilização de Sartori pelo desmanche do Estado e a prisão de Cunha, contra o fascismo, o machismo e todas as formas de discriminação. Secundaristas, partidos de esquerda, movimentos ligados às frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo e até grupos identificados com ideais anarquistas formam uma massa humana raramente vista na capital.

Frente de Lutas contra o Golpe reúne dezenas de milhares sob o histórico viaduto da Borges. Foto: Mídia NINJA
Frente de Lutas contra o Golpe reúne dezenas de milhares sob o histórico viaduto da Borges. Foto: Mídia NINJA
Mulheres na linha de frente. Entre as palavras de ordem, um grito já virou hino: "Nem recatada e nem do lar, a mulherada tá na rua pra lutar!". Foto: Mídia NINJA
Mulheres na linha de frente. Entre as palavras de ordem, um grito já virou hino: "Nem recatada e nem do lar, a mulherada tá na rua pra lutar!". Foto: Mídia NINJA

O movimento iniciou-se pequeno e teve como estopim a forte repressão policial contra manifestantes no dia 12 de maio. Naquele dia, após realizar um escracho na sede do PMDB, um grupo de menos de cem pessoas se dirigiu à Cidade Baixa e promoveu um trancasso na avenida Loureiro da Silva. Bastaram cinco minutos para a reação da Brigada Militar, que disparou dezenas de bombas de gás e perseguiu os jovens pelas ruas da região.

Reação desproporcional da Brigada MIlitar levou a crescimento exponencial dos protestos contra o golpe. Foto: Mídia NINJA
Reação desproporcional da Brigada MIlitar levou a crescimento exponencial dos protestos contra o golpe. Foto: Mídia NINJA

No dia seguinte, sexta-feira, um protesto em solidariedade aos manifestantes do dia 12, chamado espontaneamente pelo facebook, surpreendeu reunindo mais de cinco mil na esquina democrática. Mais uma vez, a marcha terminou em violência policial. Após a primeira dispersão no Largo Zumbi dos Palmares, algumas centenas permaneceram sentados na Loureiro da Silva, bloqueando o tráfego. A Brigada Militar e sua cavalaria protagonizaram cenas históricas de truculência, detendo e agredindo três jovens mulheres sem qualquer envolvimento na organização do ato.

Cavalaria dispara com espadas em punho contra manifestantes no dia 13 de maio. Foto: Mídia NINJA
Cavalaria dispara com espadas em punho contra manifestantes no dia 13 de maio. Foto: Mídia NINJA
Jovens mulheres são agredidas e detidas pela Brigada Militar após a dispersão do ato. Foto: Mídia NINJA
Jovens mulheres são agredidas e detidas pela Brigada Militar após a dispersão do ato. Foto: Mídia NINJA

A reação popular foi imediata. Nas duas semanas seguintes, dois novos atos com adesão crescente, passando da casa dos dezenas de milhares, tomaram as ruas.

Porto Alegre na rua no dia 19 de maio. Foto: Anselmo Cunha / Mídia NINJA
Porto Alegre na rua no dia 19 de maio. Foto: Anselmo Cunha / Mídia NINJA
Desde o dia 12 de maio, a cena se repete semanalmente em Porto Alegre: um mar de gente contra o golpe. Foto: Mídia NINJA
Desde o dia 12 de maio, a cena se repete semanalmente em Porto Alegre: um mar de gente contra o golpe. Foto: Mídia NINJA

Unidade na luta

Às 19h em ponto do dia 24, a Frente iniciou sua quarta marcha. Prontamente a multidão mudou o itinerário planejado para prestar solidariedade à causa da ocupação Lanceiros Negros, protagonista de uma vitória histórica na manhã do mesmo dia. "O Lanceiros é meu amigo, mexeu com eles mexeu comigo!", entoava a massa enquanto contornava a esquina do prédio. Ocupantes, da janela, saudavam os manifestantes.

A passos rápidos, a manifestação dirigiu-se ao Grupo RBS, ligado à Rede Globo e distante alguns quilômetros do Centro da capital, no cruzamento das avenidas Ipiranga e Érico Veríssimo. Ali, acenderam uma grande fogueira com pneus e edições do jornal Zero Hora, principal veículo impresso da rede que domina a comunicação de massa no Rio Grande do Sul. Não houve tempo de reação para a Brigada, que observou o ato de longe com um pequeno efetivo.

Manifestantes escracham sede da RBS, grupo de comunicação filiado à Rede Globo. Foto: Mídia NINJA
Manifestantes escracham sede da RBS, grupo de comunicação filiado à Rede Globo. Foto: Mídia NINJA
"Queime sua Zero Hora". Foto: Anselmo Cunha / Mídia NINJA
"Queime sua Zero Hora". Foto: Anselmo Cunha / Mídia NINJA

O dia 24 terminou com uma virada cultural no Largo Zumbi dos Palmares, simbolizando também o repúdio ao governo Temer no trato com o Ministério da Cultura e suas políticas. O próximo ato ainda será marcado. Os gaúchos, governados desde 2014 por Sartori, apoiador do impeachment, conhecem o jeitinho Temer de administrar muito bem. No Rio Grande do Sul, o golpe não vai ter arrego.

https://ninja.oximity.com/article/Rio-Grande-do-Sul-contra-o-golpe-aqui-1




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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz