Precisamos falar sobre Sartori (por Marcelo Danéris)
No transe da crise nacional talvez você tenha esquecido algo importante: Sartori esta governando o estado. O então candidato sem programa e sem partido, que fazia piadas sobre professores procurando piso na Tumelero e citações filosóficas dos Simpsons, habita o Palácio Piratini há um ano e meio.
Logo após eleito, Sartori declarou, com a peculiar profundidade: "a ficha ainda não caiu" e "vamos fazer o que é preciso". Desde lá a ficha caiu, e ele faz o que é preciso, para quem não precisa. O ilusionismo político começa com a imagem obtusa que se deixa mostrar em público. Como um professor de filosofia, ex-vereador, ex-deputado estadual por cinco mandatos, ex-deputado federal, ex-secretário no governo Pedro Simon e prefeito por oito anos, seria tão desconexo? Ilusão! Com a engendrada aparência de desorientação, Sartori age nas sombras da crise e na ausência de compromissos de campanha.
Do "Meu Partido é o Rio Grande" não se teve mais notícias. Mas seu partido, o PMDB, levou onze (11) secretarias, sete (07) fundações, quatro (04) empresas públicas, um banco, e mais de 60% dos cargos em comissão. O restante foi dividido por um condomínio de 10 partidos aliados.
Nos primeiros dias de Palácio, ao ajeitar o quadro de Antônio Britto na parede, Sartori se viu refletido. Com a mesma intensidade do ex-governador, nutre pelo Estado o idêntico desejo de vê-lo mínimo. Atrasa e parcela salários dos servidores, pedala o pagamento de fornecedores, aumenta impostos, reduz recursos da educação, descumpre os 12% da saúde, abandona programas sociais e convênios com prefeituras, paralisa obras e manutenção de estradas, sucateia órgãos estaduais (EGR, Fepam, CEEE, Emater), limita o crédito, interrompe concursos. Um duro ajuste fiscal, para os outros, diga-se.
Do roteiro pré-estabelecido, acordado com poucos e omitido da maioria, Sartori errou a estratégia da dívida do estado com a União: não aproveitou o espaço fiscal da reestruturação da dívida – algo em torno de dois bilhões de reais –, e ainda assiste suas ações judiciais serem pedaladas pelo Supremo Tribunal Federal. Restou raspar a conta dos depósitos judiciais, que jurou não mexer!
Ao melhor estilo nonsense político, sugeriu aos servidores com salários atrasados "dar graças a Deus que têm estabilidade", e dançou alegremente na Expointer um dia antes de anunciar novo parcelamento salarial. Questionado sobre a crise do estado, leu frase de Albert Einstein sem citar o autor. Comédia e tragédia de um governo. Assim como Dilma, Sartori "pedalou", tem baixa popularidade e a economia está em crise. Nem por isso ruborizou ao justificar, em vídeo, a votação do impeachment da presidenta pela Câmara dos Deputados: "a paciência dos brasileiros passou do limite". No despudor, esqueceu-se dos gaúchos, e demonstrou uma paciência ilimitada com o correligionário Eduardo Cunha – antes, durante e depois da queda.
A população, ao abandono, assiste a tudo trancada em casa, com medo da violência, salários atrasados, serviços precários, estradas ruins, e quase sem ter a quem recorrer. Colunistas e jornais, antes implacáveis críticos, silenciam. Não há enigma: Sartori materializa aqui o mesmo projeto que desejam ver aplicado ao país. Das sacadas gourmet espera-se, em vão, o bater das panelas. A indignação é seletiva. Dos empresários, fiéis vigilantes do bolso, tão pouco. Adormece em algum lugar seguro, longe do impostômetro, a revolta com o aumento do ICMS.
Pode até não parecer, mas o governador e seus apoiadores, no embalo da crise nacional, já sonham com a reeleição como prêmio por cumprir o "dever de casa". Não é mais possível adiar: precisamos falar sobre Sartori.
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Marcelo Danéris é cientista político, ex-secretário do estado.
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