DEBATE ABERTO
O purismo e o verdadeiro Maluf
A estratégia era clara demais para comportar tergiversações. O Maluf atual, aquele que merece combate, aquele que é conhecido pelos métodos fascistas de lidar com adversários e movimentos sociais, atende por outro nome: José Serra. Será preciso desenhar?
Gilson Caroni Filho
Ao firmar acordo com o deputado federal Paulo Maluf (PP), se deixando fotografar com seu adversário histórico, o ex-presidente Lula produziu a perplexidade que dominou, no primeiro momento, setores do próprio campo progressista. O debate que se seguiu foi - e é da maior seriedade - e da maior gravidade.
O purismo tem que despertar da frívola ciranda para a dura realidade do mundo adulto, do universo das relações reais entre pessoas e partidos. O erro maior de quase todos os revolucionários brasileiros, do século XIX em diante, foi não apenas ter frequentemente cometido equívocos nas análises das condições objetivas, mas também no exame da condição subjetiva fundamental, que é o alheamento político a que um modelo de exploração desigual submeteu nosso povo. A exclusão de processos decisórios torna-o cético diante do que não sabe, enquanto a classe dominante dá o exemplo com sua atitude invariavelmente cínica.
Analistas políticos que não percebem bem o que acontece por um misto de má-fé e preguiça mental - resultante da partidarização da imprensa e da academia - pontificaram sobre a logística comandada por Lula. E, triste, foram endossados por setores que se apresentam como a "esquerda autêntica". O papel de um operador político do quilate do ex-presidente é semelhante ao do regente de uma orquestra. Não faz a música, mas dá o compasso, define a harmonia do conjunto e tira de cada instrumento o som mais adequado.
Não pode ser confundido com alguém ocupado em arranjos paroquiais para colocar seu candidato em uma posição mais confortável. Não deve ser tratado como bufão que faz parte do espetáculo, mas não é bem-visto na peça. Não lhe faz justiça a roupagem de um Moisés a quem cabia levar seu povo à terra prometida, mas terminou por preferir ser adorador de um bezerro de ouro.
Não houve vacilações ou atitudes opacas, mas perfeito tino da logística requerida pela dinâmica política. A estratégia era clara demais para comportar tergiversações:aliança com ex-prefeita Erundina e o PSB, à esquerda, para garantir o apoio dos socialistas e neutralizar os descontentamentos do grupo ligado à senadora Marta Suplicy. Aliança com Maluf, à direita, para neutralizar parte do PSD de Kassab. Um tabuleiro sobre o qual havia que se debruçar meticulosamente, sem pruridos de uma ética de algibeira.
Esses apoios levariam o candidato do PT ao segundo turno até por que o partido tem históricos 30% dos votos na capital e, à exemplo de Dilma, a rejeição do Fernando Haddad é muito pequena em São Paulo. Para isso seria necessária a manutenção das candidaturas de Russomano e de Netinho, até então provável candidato do PC do B no primeiro turno. No segundo turno, ainda teríamos agregado o apoio de Chalita, do PMDB Apenas assim se conseguiria derrotar a máquina eleitoral do estado e do município de São Paulo pró- Serra, que tem cerca de 30% de rejeição dos eleitores na capital.
Pelo visto , faltou combinar com uma geração que gosta do suicídio político para expiar culpas sociais. Faltou dizer que o Maluf atual, aquele que merece combate, aquele que é conhecido pelas falcatruas e pelos métodos fascistas de lidar com adversários e movimentos sociais, atende por outro nome: José Serra. Será preciso desenhar?
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil
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