A conclusão é do advogado constitucionalista Pedro Estevam Serrano em análise  sobre o papel da mídia e sua interferência nas decisões judiciais. A partir de  experiências no direito público, ele propõe a elaboração de processos que a  tornem mais ética. 
A conclusão é do advogado Pedro Estevam Serrano a respeito da forte  influência da mídia no âmbito do direito e das decisões comunitárias no país.  Com sua experiência de mais de 20 anos dedicados ao direito constitucional e  administrativo, Serrano constata um tribunal lento, desatento e burocrático em  casos de pouca repercussão pública e uma realidade completamente inversa ante os  casos de maior repercussão jornalística.
Para este professor de Direito  forense na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), hoje, não é  mais possível desconsiderar a influência da mídia nas decisões do Judiciário,  uma realidade que permeia inclusive o conteúdo ensinado aos futuros advogados do  país. 
Segundo Serrano "a mídia constrói símbolos, ergue e destrói  personagens e interfere diretamente nas decisões comunitárias. Hoje, é mais  relevante o que pensa o dono de um jornal do que qualquer parlamentar". Uma das  razões pelas quais defende a responsabilização dos donos dos meios de  comunicação é que eles tratam de conteúdo de interesse público, e não  privado.
De acordo com o advogado é urgente a necessidade da adoção de  novos procedimentos para a produção da notícia. É a forma, justifica, de  combater o comportamento "imperial e aristocrático dos donos dos meios de  comunicação". Serrano defende a adoção de mecanismos próprios do Direito na  elaboração de uma lei de imprensa realmente democrática.
Sua proposta é  de estabelecer procedimentos não sobre o conteúdo - essência da liberdade de  imprensa - mas sobre a forma como a notícia é produzida, incluindo o direito do  contraditório já na publicação da informação. 
[ Zé Dirceu ] Como você  avalia a mídia brasileira hoje? Podemos considerá-la um quarto  poder?
[ Pedro Serrano  ] Temos duas dimensões do que é considerado mídia. Hoje, há um processo  de comunicação que domina todos os ambientes da vida humana. Na realidade, a  natureza do capitalismo mudou. Atualmente, ele é mais uma máquina produtora de  desejos do que de mercadorias, o chamado fetiche da mercadoria virou o produto  principal, muito além da própria aquisição. Um autor chamado Gilles Lipovetsky  afirma que a compra e as relações de consumo estão muito mais ligadas à  experiência do que ao consumo material. Talvez, nunca em sua história, a  humanidade tenha experimentado um período de tanta radicalização do poder do  simbólico e da comunicação. Neste quadro, evidentemente, a mídia torna-se um  poder social.
Há também a ampliação da caracterização clássica do poder  político, o uso da força física num âmbito legítimo e institucional. Hoje, o  poder político implica mais do que o uso da força física, trata-se de qualquer  tipo de condicionamento da vida humana e os mais diversos ambientes da vida  estão permeados por esse tipo de questão.
No Brasil, isso não é  diferente. Quando você considera o conceito da mídia, no sentido de quem veicula  notícias, o poder que ela tem sobre a vida social e comunitária das pessoas é  imenso. A mídia constrói símbolos, ergue e destrói personagens e interfere  diretamente nas decisões comunitárias. Hoje, é mais relevante o que pensa o dono  de um jornal a qualquer parlamentar. Ele tem mais poder de decisões que  interferem diretamente na vida das pessoas.
Sem dúvidas, a mídia é um  poder. Por isso, defendo a adoção de mecanismos próprios do Direito, ambiente  que desde a Revolução Francesa vem acumulando conhecimento e portas de  procedimentos em relação ao poder.
Precisamos publicizar
as  regras de mídia.
[ Zé  Dirceu ] Você acha que a adoção de uma lei de imprensa moderna  como vigora nos países democráticos faz-se necessária também no  Brasil?
[ Pedro Serrano  ] Sim. Nós precisamos publicizar as regras da mídia. Existe uma tendência  dos jornalistas a acreditar na informação imparcial, a notícia imparcial. Uma  idéia que não se sustenta frente a menor observação empírica. A própria escolha  do que é um fato jornalístico é uma escolha de valor. Por outro lado, isso não  significa que a imparcialidade é tão inatingível que tanto faz. A busca pela  imparcialidade não é um fato cientificamente apurável e não se atinge através do  discurso científico, mas ela pode ser um valor ético. Óbvio que sujeita à toda  subjetividade de qualquer valor, mas, sem dúvidas, é um valor  ético.
Notícia e imparcialidade nunca estarão juntas, mas são como duas  grandes paralelas, podem estar a centímetros ou a metros, quilômetros de  distância. A regulação da produção da notícia deve se dar através de mecanismos  de natureza ética. Devemos entender a produção da notícia não como um produto de  uma condição necessária ou de algo científica ou parcialmente verificado, mas  como produto de um juízo ético.
O segmento de conhecimento humano que  mais tem lidado com controlar os poderes através de valores éticos é o direito  público. É um fenômeno contemporâneo, você como advogado sabe, a interpenetração  entre os direitos público e privado. Por exemplo, ambientes societários adotam  leis do direito público; o controle tarifário é feito por concorrência, um  controle típico do direito das relações privadas. Você tem uma interpenetração  entre os dois fenômenos.
Eu proponho que certos procedimentos próprios do  Estado democrático sejam trazidos para a produção da notícia, com vistas à  defesa de certos valores. Veja que os princípios jurídicos sempre incidem em  tensão, jamais sozinhos, um colide com o outro. É o que ocorre nesse caso. A  defesa de uma natureza democrática na produção da notícia se dá nessa  tensão.
Grosso modo seria a preservação da identidade de um lado, o  direito de informar e de ser informado. Aí a distinção entre essa legislação  democrática e uma legislação autoritária que iria contra essa tensão, servindo  ao interesse do Estado. Não ponho nessa relação, em nenhum momento, o interesse  do Estado como um interesse que deva ser considerado em uma lei de imprensa, até  porque o governo geralmente é o principal investigado. Agora, você tem o direito  da sociedade a se informar.
Se informar não é só
ter acesso à  notícia
Se informar não é só ter acesso à notícia, mas que essa  esta seja produzida por um procedimento que garanta o valor ético da  imparcialidade. Creio que a sociedade - não os jornalistas, nem os donos de  jornais – deva regular esses procedimentos da produção de notícia através de uma  lei. Portanto, uma lei democrática de imprensa não vai discutir conteúdos, mas  procedimentos. Ou seja, quais são os procedimentos que devem ser adotados na  elaboração de uma notícia.
Por exemplo, o outro lado não deve ser uma  postura ética do jornal, mas uma válvula jurídica imposta. Quais os critérios  desse outro lado? As razões que levam uma editora a negar a veiculação de uma  notícia produzida por um jornalista precisam ser motivadas, o princípio da  motivação. O dono de jornal está lidando com um assunto de interesse público –  aliás, é esse o argumento deles para não serem censurados, o que é correto. Mas  se estão realizando uma atividade de interesse público, precisam adotar um  procedimento estabelecido por lei para negar, por exemplo, a veiculação da  notícia ou para formatar uma notícia de dado modo. Isso tudo precisa ser  justificado.
Esse tipo de experimentação, o Estado já tem através do  direito público com as licitações, os procedimentos de concurso, os atos  administrativos etc. Trazer esse tipo de modo procedimental do direito privado  para o âmbito de imprensa, talvez seja o mais adequado. Isso atende não só ao  interesse da sociedade mas também o do jornalista. Na hora em que a produção  dele for negada, o editor tem que justificar. É uma forma de atendermos também o  direito das pessoas que foram acusadas e tem o direito de produzir a sua  defesa.
Como é feito hoje? Vai o jornalista do próprio jornal entrevistar  o acusado. Você tem que dar o espaço de, para se a pessoa quiser, ter o seu  assessor de imprensa. Que ele produza aquela notícia na formação técnica  adequada e ocupe aquele espaço no jornal. Ou seja, temos que aperfeiçoar esses  processos que são imperiais. O que vivemos hoje em relação à imprensa é muito  semelhante ao período da aristocracia onde havia um imperador que era um  governante absoluto do Estado, que não reconhecia na sociedade qualquer cidadão.  A cidadania é um direito oponível ao próprio Estado. Não é a supremacia só da  lei, mas que esta reconheça direitos da cidadania que possa se opor ao próprio  do Estado. E que a formação da vontade estatal seja heterônoma, não  autônoma.
Hoje a formação da vontade de um editor é totalmente autônoma,  não é heterônoma. Não obstante, eles alegam interesse público, o que é correto,  a notícia é de interesse público mesmo. Desde a eleição do que é um fato  jornalístico ou não é, o processo de investigação e produção da notícia, o  resultado final e a aceitação pela editoria, tudo isso teria que ser  procedimentalizado através de uma lei social e democraticamente  discutida.
Aproveitar essa vivência própria do direito público que lida  com questões do interesse público e transitá-la para o jornalismo. Os donos de  jornais teriam consciência de que são donos de uma atividade privada que tem  caráter híbrido, ela lida com um objeto que é de interesse público. Não é como  vender sapato no supermercado. E os donos de televisão mais ainda são  prestadores de serviço público.
Indenização para coibir o  abuso
[ Zé Dirceu ]  Hoje nós não temos uma Lei de Imprensa, nem a teremos em curto prazo.  Ainda que a ANJ tenha manifestado interesse nisso, na verdade estamos sem  direito de resposta pois não há uma regulamentação nesse sentido. O que fazemos  numa situação como essa? Direito de resposta e indenização à imagem são direitos  constitucionais. Regulado ou não, temos que exigir. O poder judiciário tem que  respeitar e fazer valer.
[  Pedro Serrano ] Sem dúvida alguma e através de ações, há mecanismos para  isso. Houve uma mudança procedimental. Um procedimento próprio de Lei de  Imprensa e hoje você entra com uma ação de obrigação para atender essa  demanda.
Quanto às indenizações, seria bom ter uma lei de imprensa  específica com o efeito contrário ao que a ANJ quer fazer. Não devemos ter  censura prévia, mas que seja  vedado pelo Judiciário - salvo situações  excepcionais como guerra, direito de menor - fornecer liminares como esta do  Estadão. Por outro lado, como você faz o controle da legalidade da conduta?  Através de atitudes repressivas.
A indenização não pode ser na forma como  o Direito civil subentende, de compor as perdas e danos. Como nos Estados  Unidos, demonstrada a má fé – expressa pela ausência de cumprimento desse  procedimento que já falei – o jornal tem que pagar uma indenização que coíba  esse tipo de conduta.
O Judiciário funciona como um herético de mercado  de preço. Você tem que dissuadir o sujeito de fazer. Dependendo da  característica de má fé, a indenização é para quebrar a empresa mesmo, para que  ela saia do mercado. O Judiciário funciona como controle herético, serve de  exemplo. Na sociedade, todo poder tem que corresponder a uma responsabilidade,  esta é a relação do Estado de direito. Se reconhecemos que a mídia tem um espaço  de poder grande, tem que ter responsabilidade também, senão fica uma atitude  imperial, cada um faz o que quer e não tem responsabilidade nenhuma, domina a  vida das pessoas, sem nenhum tipo de limite.
Tem que ter uma lei de  imprensa para justamente garantir que não haja censura, como houve agora, mas  sobretudo garanta a responsabilidade.
[ Zé Dirceu ] Você considera que a  decisão do desembargador Dácio Vieira é uma censura, mas concorda com a  comparação que o Estadão faz com o AI-5, com o DIP da Era  Vargas?
[ Pedro Serrano  ] Não. É diferente uma ordem judiciária de uma ordem administrativa por  razões óbvias. A lógica de uma nova legislação deveria ser de coibir condutas  estatais que obstaculizassem a circulação da notícia, se ela existe, tem que  circular. Agora, a forma de equilibrar a responsabilidade da produção é de forma  repressiva, ou seja, você estabelecer indenizações efetivamente coativas do uso  inapropriado dessa produção.
Aí teríamos outras questões do direito  brasileiro que favoreceria à constituição da pessoa jurídica, no caso dos  jornais.
A notícia não  deixará
de ser veiculada
[ Zé Dirceu ] E no caso do  direito de resposta, como lidamos com a questão do tempo. Se um processo leva 2,  3, 4 anos, qual o procedimento?[ Pedro Serrano ] O cidadão é obrigado já na  produção da notícia a produzir a resposta. Ele oferece o espaço do investigado.  Na verdade, o espaço dedicado à notícia tem que ter o espaço físico destinado ao  outro lado. A produção do conteúdo do contraditório não pode ficar a cargo do  jornal, se o investigado quiser, ele tem o direito de ter sua própria assessoria  para produzir aquela notícia. Se ele tiver problemas, abre mão e concede a  entrevista para o jornalista do Jornal, mas ele tem que ter essa possibilidade.  O jornal que não cumprir isso está sujeito a sanções repressivas e a pagar  indenização. A notícia não deixará de ser veiculada.
Essa experiência  acumulada nós temos à mão desde a Revolução Francesa. Como funcionam as coisas  quando você tem um valor ético e o desejo de controlar pela sociedade a conduta  do poder e ao mesmo tempo garantir a liberdade? Ninguém vai controlar o conteúdo  da notícia, mas o procedimento de produção dessa notícia, ou seja, o modo como  ela é produzida.
É a forma de lidar com a relação de tensão. Como você  garante a liberdade de imprensa? Pelo conteúdo. Ele produz o conteúdo que  quiser, a responsabilidade estará se não cumprir determinado procedimento. É  imperfeito? É, mas é o mecanismo humano que adquirimos de conhecimento quando  lidamos com o Estado que usa a força física que é um poder imenso. O mecanismo  seria esse, o outro lado teria que vir junto com a notícia, porque aí você deixa  o leitor julgar. O leitor terá seu direito respeitado também. Você produz a  notícia, dá sua opinião – o jornal tem um espaço de opinião bem claro do que é  opinião e notícia – e na notícia tem que vir o outro lado. E o leitor  julga.
Tem que dar um prazo mínimo de tempo antes publicar. Mas o  jornalista fala "e o furo"? O furo é interesse privado, não é interesse  público.
[ Zé Dirceu ]  A questão do furo foi utilizada como um contraponto à criação do blog  Fatos e Dados da Petrobras. Eles alegavam que ao montar o blog, a estatal  divulgaria perguntas de um determinado jornal, tirando deste informações  exclusivas. Na realidade, o Fatos e Dados abriu uma nova página no jornalismo  brasileiro e na disputa pela informação no país. Depois da Petrobras, ninguém  ficará mais inerte, nem passivo diante uma campanha, como estão fazendo contra  ela, nos jornais.
[ Pedro  Serrano ] Os mecanismos de comunicação se tornam mais democráticos na  medida em que as tecnologias se tornam mais acessíveis. Esse é um exemplo de  construção da informação de forma artificial nos meios de comunicação. É um meio  de combate. Agora, imagine só, um investigado ter que criar as condições para se  defender... 
Nem sempre isso é possível porque muitos não tem recursos.  Para poder garantir a todos, seus direitos quando investigados pela imprensa,  deveríamos criar mecanismos procedimentais dentro da própria imprensa, na  produção da notícia, na escolha do fato jornalístico, no processo de produção da  versão que seria e que no final chega à elaboração da notícia. Ela tem que ser  um produto de um procedimento anterior. E se o jornal não quiser seguir o  procedimento arcará com o ônus de não o seguir.
Inclusive, esse  procedimento garantiria vários interesses. Do jornalista para fazer veicular a  notícia que deseja, mesmo contrariamente à visão do editor. Se é notícia de  interesse público, os interesses privados devem se submeter a ele. É mais  importante que o investigado se defenda ou que eu garanta o meu furo? É evidente  que a defesa é mais importante, esse é um valor humano superior à idéia de se  aparecer e apropriar financeiramente das conseqüências de uma  notícia.
Então, esse tipo de hierarquização de valores nós não podemos  deixar nas mãos dos donos de jornais. A sociedade tem que chamar para si essa  hierarquia. Procedimentar a produção da notícia garantiria, inclusive, a  possibilidade de todos terem certa a veiculação da sua versão quando forem  investigados.
Sem falar que melhoraria a condição dos jornais, daria mais  legitimidade para a produção de noticias no país, o jornalista passaria a ter um  novo papel, mais relevante, inclusive.
Donos dos meios de  comunicação:
aristocracia imperial.
[ Zé Dirceu ] Como você está acompanhando  o papel da Conferência Nacional de Comunicação? As empresas com exceção da rede  TV e a da Bandeirantes, se retiraram do debate.
[ Pedro Serrano ] É natural que os donos de  meios de comunicação queiram fazer os seus interesses privados sobreporem aos  interesses públicos. Este é um exemplo do que vai se enfrentar. Quando você fala  em procedimentalizar notícia está, na verdade, tirando poder dos donos dos meios  de comunicação em benefício da sociedade brasileira e da política no sentido  mais amplo dessa palavra.
Veja que eles se retiraram de uma Conferência  Nacional! É um debate, não custa nada, basta ir lá conversar a respeito do que  está sendo proposto. Até para o diálogo eles se negam. Um sinal claro de que  ainda temos uma aristocracia imperial dominando a mídia nesse país. De como a  lógica ainda é aristocrática, o proprietário é o dominante. Esse é o tipo de  noção que a gente verifica.
[ Zé Dirceu ] Com sua experiência como  advogado, como se dá a interferência da mídia nas decisões do âmbito judiciário?  Os juízes e tribunais de segunda e terceira instância são influenciados pela  mídia?
[ Pedro Serrano  ] Muito. O negócio é tão influente que existem dois tipos de casos: os  que tem repercussão pública e os que não tem. A máquina estatal judicial e de  investigação também funciona de acordo com esse critério. Quando não tem  repercussão é lenta, ineficaz, desatenta, burocrática. Quando tem, é mais ágil,  completamente oposta, sofre condicionamentos sociais evidentes. É uma outra  modalidade de comportamento.
É tão impactante que se o sujeito adota uma  linhagem realista – uma modalidade do direito que detém a condição de  previsibilidade nas questões judiciais - ele não tem como desconsiderar a mídia  como um dos fatores que deve levar em conta. Em prática forense, uma das aulas  que dou na universidade, não dá para não falar de mídia na sala de aula. A idéia  da prática, o direito como realidade no setor, não tem jeito.
Há dois  tribunais hoje, o formal do Estado e o real da mídia. Você tem que cooperar nos  dois, o advogado em sua formação como profissional tem que ter aptidão para  lidar com a mídia. Isso é desejável? Para fazer justiça não. Não dessa forma  imperial que a mídia produz a notícia hoje. É negativo para o efeito de julgar  as pessoas.
[ Zé Dirceu  ] Sobre uma questão que está na ordem do dia, a anistia. O que fazer com  os torturadores ou os que colaboraram com a ditadura e estão reivindicando  indenização?
[ Pedro Serrano  ] Eles estavam investido de uma função publica quando realizaram as  infiltrações ou foram fazer as investigações. Enquanto agentes públicos, eles  cometeram um crime. Eu nunca vi um sujeito ser indenizado por cometer um crime.  As funções públicas não são só exercidas por servidores públicos formalmente  investidos. Qualquer particular pode agir em nome do Estado, é um princípio  administrativo. Os agentes públicos são os servidores públicos, agentes  políticos e particulares em colaboração com o Estado.
Neste caso, eles  eram particulares em colaboração com o Estado, estavam investidos de poder como  qualquer funcionário público, mas também de responsabilidades. E na medida em  que agindo em nome do Estado cometeram crimes ou auxiliaram no processo de  produção de crimes, não tem do que ser indenizados.
O que está se  indenizando na Lei de Anistia? Pessoas que foram vítimas de abuso estatal nos  seus direitos. A questão não é saber se o sujeito estava ou não na guerrilha,  ele era um sujeito aprisionado pelo Estado e como aprisionado tinha direitos,  qualquer um tem. O sujeito não deixa de ser um ser humano pelo fato de estar  aprisionado. Mesmo que na época, o sujeito tenha sido considerado criminoso -  temos que partir desse pressuposto - ele tinha direitos. O que hoje se indeniza  são os danos ocasionados por essa lesão ao direito que a pessoa tinha como  aprisionado público.
Nesse caso específico, os agentes não foram  aprisionados, mas colaboradores do Estado que usufruíram do beneficio dessa  colaboração e que cometeram crimes no exercício dessa função. Não me parece...  Que eles não sejam punidos pelos crimes, é toda uma discussão da anistia no  sentido penal, a discussão é outra. Mas indenizados não, é um outro parâmetro.  Você sofreu alguma lesão da conduta ilícita do Estado? Eles foram os autores da  conduta ilícita! É como se eu, como torturador, torturasse alguém e quisesse  indenização pela tortura. Mas eu fui o agente estatal que realizou isso. Os  agentes estatais que realizaram por obviedade não tem direitos à  indenização.
Por exemplo, o cabo Anselmo colaborou para que pessoas  fossem torturadas e assassinadas, ele foi um agente, colaborou nesse processo,  praticou atos ilícitos  como agente de colaboração do Estado.
Ele  torturou e vai ser indenizado pela tortura?
 
[ Zé Dirceu ] E a  reciprocidade da anistia?
[  Pedro Serrano ] A reciprocidade é no campo penal, ninguém será punido. Eu  não concordo com ela, porque a lei não é recíproca, ela exclui crimes violentos,  dos dois lados. Ela isentou agentes públicos que cometeram crimes de seqüestro  sem violência, mas você pegar uma pessoa e a conduzir até a polícia, isso é  seqüestro; os crimes de abuso de poder em si, que só caracterizaram abuso de  poder, foram anistiados. Agora, os crimes de sangue não, de um lado e de outro.  Crimes de sangue não se colocam no quadro geral da anistia, agora esse é do  campo penal para isentar a pessoa de sanções penais.
O que se trata do  campo cível é do direito de indenização, como qualquer um que foi prejudicado  pelo Estado e pede indenização. Eu fui prejudicado em meus direitos pelo Estado,  que ocasionou danos civis e materiais, perdas de valores, quero indenização por  isso. Agora, o agente que cometeu ilicitude pode se beneficiar penalmente, mas  civilmente não. Ele torturou e vai ser indenizado pela tortura?
O que se  indeniza é o sujeito que foi aprisionado pelo Estado e houve abusos em relação a  ele. O sujeito que foi ilicitamente perseguido pela Ditadura, sem processo, sem  direito de defesa, sem notificação, nem nada e teve que se exilar. Situações que  teve repercussões na vida da pessoa pela conduta abusiva do Estado.
O  agente do Estado, evidente, não pode ser indenizado civilmente pelo ato que ele  praticou. Eu sou um motorista do Estado, bato no seu carro, você vai ser  indenizado porque eu bati e eu também porque estou dirigindo o carro? Essa é a  lógica. Não tem sentido, nem nexo lógico.
[ Zé Dirceu ] Como professor de Direito  na PUC, você está em contato diretamente com a juventude. Qual a sua percepção  sobre ela?
[ Pedro Serrano  ] Essa resposta deve ser vista com reparo, quem envelhece tem sempre um  olhar crítico em relação às gerações posteriores. Mas eu avalio que é uma  juventude mais marcadamente conservadora do que a da minha época. Uma geração  que incorporou uma noção radicalmente individualista que a gente até estranha,  como referência. Por outro lado, é uma juventude bem informada e que exige que  repensemos as relações de representação na política. Pela revolução tecnológica,  pela crítica.
Mas no geral, eu vejo nitidamente uma franca expansão dos  valores do pensamento conservador na juventude brasileira. Nunca vi caldo tão  propício para isso. No meu tempo, a pessoa poderia ser de direita mas tinha  vergonha de falar, hoje em dia, não, pelo contrário.
[ Zé Dirceu ] Em relação ao controle da  internet?
[ Pedro Serrano  ] Nesse sentido há dois lados. A Internet expandiu, mas tem riscos  potenciais. A grande discussão que existe há vários anos do ponto de vista  jurídico é a da proteção da privacidade. É real isso. O fenômeno das chamadas  nuvens de informática, você passar para os arquivos virtuais o que guarda. Isso  tudo estabelece possibilidades de mecanismos de controle da vida privada que  nunca vimos antes na história.
Na realidade, cabe a nós entendermos que  esse processo ocorre e estabelecer mecanismos de controle. De resto, só vejo  coisas positivas. A possibilidade das pessoas se comunicarem imediatamente, sem  controle estatal, nem do capital, é muito boa. No geral, há mais elementos  positivos do que negativos.
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