Chile. "Temos o dever histórico de não permitir um novo Governo de Piñera". Entrevista com Camila Vallejo
17/11/2017
Passou de principal figura do movimento estudantil em 2011 a deputada em 2014. Camila Vallejo (Santiago do Chile, 1988) volta a se candidatar ao Congresso pelo distrito 12, da zona sul da capital. Depois de ter estado na oposição desde o retorno à democracia, seu partido, o Comunista, se somou aos governistas com a criação da Nova Maioria, a coalizão de Michelle Bachelet em seu segundo Governo (2014-2018). Em meio à campanha e a quatro dias das eleições parlamentares e presidenciais do domingo, nas quais a direita leva vantagem, a geógrafa analisa o cenário político e diz sentir-se satisfeita com sua aposta pela institucionalidade. "Valeu a pena entrar para lutar a partir do Congresso e brigar pela reforma educacional desde dentro", afirma.
A entrevista é de Rocío Montes, publicada por El País, 15-11-2017.
Vallejo teve, porém, de arcar com determinados custos. Os deputados Gabriel Boric e Giorgio Jackson, ex-líderes estudantis e dirigentes da nova coalizão de esquerda Frente Ampla, lideram as listas dos políticos mais bem avaliados. Já a deputada tem altos índices de rejeição.
"Não é o mesmo uma parlamentar que foi dirigente estudantil, da Nova Maioria e mulher que um parlamentar que foi dirigente estudantil, mas que é independente e homem", explica em uma cafeteria do centro de Santiago. "Há muitas críticas feitas contra mim que têm mais relação com eu ser mulher, comunista e estar na Nova Maioria do que com o que faço."
Eis a entrevista.
Neste segundo Governo de Bachelet, foram feitas as reformas educacionais com as quais a senhora sonhava quando era dirigente estudantil?
Comparando nossas petições de 2011 com o que avançamos, conseguimos mais de 90% de nossas demandas. Obviamente, há quem sempre quisesse avançar mais rápido ou que tivessem sido mais bem pensadas, mas sem dúvida alguma avançamos. A gratuidade na educação superior é o melhor exemplo: 257.000 pessoas estudam de graça. Em 2018 o benefício teria que chegar a 350.000.
Bachelet cumpriu as metas em matéria de educação?
Está cumprindo porque ainda precisa terminar seu mandato e temos três projetos de lei que estão em tramitação. Mas Bachelet começou a desmantelar a educação de mercado de Pinochet.
Depois de quatro anos a coalizão acabou fraturada, com dois candidatos presidenciais. A Nova Maioria fracassou?
Não, em absoluto. Foi uma convergência de forças políticas que entenderam a necessidade e responsabilidade de iniciar um novo ciclo de mudanças profundas no Chile. Quando você começa a questionar e romper com certos privilégios de classe nos quais não se mexia, as forças políticas se tensionam.
Não considera um desastre a ruptura do centro e da esquerda, dois setores que estavam unidos desde a oposição à ditadura?
Era uma das possibilidades. Não vejo como uma tragédia a mudança de correlação de forças, que uns saiam e outros entrem, que haja distanciamentos. Observo isso como uma dinâmica própria da política e não me assusta. Não vejo como algo perigoso. Era evidente que em um período de Governo onde nos pautamos por mudanças mais profundas, por buscar combater certos privilégios, o setor mais conservador da coalizão –que não está somente na Democracia Cristã– não iria estar á vontade.
Qual é sua opinião sobre o Governo de Bachelet que se encerra?
Foi um Governo com prós e contras. Não poderia dizer que 100% das coisas feitas são de meu total agrado. Mas valorizo profundamente coisas que conseguimos fazer em matéria educacional, trabalhista, tributária, dos direitos da mulher. Justamente porque foram dados passos importantes é que houve grandes complexidades. Ninguém pode esperar que ao se iniciar um processo de mudanças profundas as águas fiquem quietas.
A ideia de que no Chile a população vive um intenso mal-estar começa a ser posta em dúvida. Bachelet e sua coalizão erraram no diagnóstico?
Quando se conversa com qualquer pessoa na rua –seja de direita, esquerda, centro ou que não se defina politicamente–, todas têm um diagnóstico similar: que no Chile há desigualdade, injustiça social, concentração de poder, privilégios para muitos, que não foram garantidos direitos fundamentais para outros, que não se valoriza o esforço de muitas famílias trabalhadoras. O diagnóstico, portanto, continua se mantendo.
Mas o Governo tem o respaldo de 23%.
Provavelmente muitas das mudanças feitas ainda estão em processo de implementação e não chegaram a todos. Enquanto as mudanças não chegam às casas, não se valoriza a gestão de um Governo.
Se Bachelet e sua coalizão fizeram o diagnóstico correto, como se entende que a direita tenha altas probabilidades de conquistar La Moneda?
Estou certa de que vamos ganhar as eleições [com Alejandro Guillier]. Confio na visão elevada que as forças progressistas e de esquerda terão para se unirem no segundo turno.
Acredita de verdade que isso é possível?
Acho possível. Se não vier por iniciativa própria dos dirigentes das outras candidaturas presidenciais, grande parte dos militantes ou de pessoas independentes que apoiam os outros postulantes vai se dispor a votar em Guillier. Acho que uma parcela importante entende a responsabilidade histórica de não permitir que Sebastián Piñera governe novamente.
Acha que Piñera é um risco para o país, como disseram há algumas semanas no círculo de Guillier?
Um eventual Governo de Piñera significaria um retrocesso nos avanços que hoje em dia beneficiam uma grande parte de nossa população e reforçaria o grande problema que o Chile tem, que é a concentração do poder econômico e a libertinagem da classe empresarial.
Mas Piñera não é a direita fascista, como disse um dirigente democrata-cristão.
Está bem. Diante de uma candidatura presidencial como a de José Antonio Kast, que é obstinadamente fascista, Piñera aparece como mais moderado. Mas é preciso observar os partidos e dirigentes que o respaldam. A presidente da UDI [União Democrata Independente], por exemplo, insiste em proteger os presos de Punta Peuco [condenados por violações aos direitos humanos].
A direita está forte nestas presidenciais. Qual é a autocrítica da esquerda? O que não fizeram bem para fortalecer o respaldo social de seu Governo?
Acho que houve um grande problema político e comunicacional. Não houve uma estratégia comunicacional definida e decidida, sobretudo nos primeiros anos, para defender o que estávamos fazendo em todas as áreas. Por outro lado, a esquerda precisa fazer uma autocrítica transversal por nossa falta de capacidade para gerar espaços de convergência e de trabalho conjunto, apesar de nossas diferenças naturais.
Qual sua opinião sobre a Frente Ampla, a nova coalizão de esquerda que aspira a substituir os governistas?
O que está acontecendo me parece muito positivo e interessante. Nós no Partido Comunista tentamos durante muito tempo e nos custou muito gerar uma terceira força política de esquerda. Atualmente estão conseguindo fazer convergir um setor político e social que não tinha uma clara representação. Com a Frente Ampla temos muitas coincidências programáticas e visões estratégicas do futuro.
Os comunistas e a Frente Ampla estão unidos em um olhar crítico em relação à transição, liderada pelo grande arco de centro-esquerda que foi a concertação.
Foi uma transição muito longa e de reiteradas renúncias. Em várias oportunidades se renunciou a restabelecer e recuperar o que o povo tinha conseguido conquistar de maneira democrática.
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