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"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

29.11.17

Brasil, refém de uma ideia perigosa

Brasil Debate | Economia

Ajuste fiscal

Brasil, refém de uma ideia perigosa

por Pedro Rossi* — publicado 28/11/2017 15h03, última modificação 28/11/2017 17h01
O livro de Mark Blyth, recém-lançado no País, mostra que a austeridade não passa de um programa de distribuição de renda e riqueza ao contrário
Agência Brasil
O Brasil é refém de uma ideia perigosa

A disputa pelo orçamento público define o futuro

[Este é o blog do Brasil Debate em CartaCapital. Aqui você acessa o site]

A editora Autonomia Literária marca um gol de placa ao lançar a edição brasileira do consagrado livro "Austeridade: a história de uma ideia perigosa", de Mark Blyth. austeridade é marca registrada da crise econômica brasileira e pré-requisito para se entender o sentido dos sacrifícios impostos à população brasileira: a precarização dos serviços públicos, a redução das transferências sociais, os milhões de novos desempregados etc.

Com a leitura do livro se entende que a austeridade tem uma longa história de fracassos e que, no fundo, trata-se de um programa de distribuição de renda e riqueza ao revés. Para além de perigosa, a austeridade é uma ideia falaciosa, repetida incessantemente pelo governo e pelos meios de comunicação no Brasil. Desconstruir essa ideia e a retórica que a sustenta é uma tarefa necessária.

A defesa da austeridade sustenta que, diante de uma desaceleração econômica e de um aumento da dívida pública, o governo deve realizar um forte ajuste fiscal, preferencialmente com corte de gastos públicos em detrimento de aumento de impostos. Esse ajuste teria efeitos positivos sobre o crescimento econômico ao melhorar a confiança dos agentes na economia.

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Ou seja, ao mostrar "responsabilidade" em relação às contas públicas, o governo ganha credibilidade junto aos agentes econômicos e, diante da melhora nas expectativas, a economia passa por uma recuperação decorrente do aumento do investimento dos empresários, do consumo das famílias e da atração de capitais externos. A austeridade teria, portanto, a capacidade de reequilibrar a economia, reduzir a dívida pública e retomar o crescimento econômico.

Por vezes esse discurso é acompanhado da metáfora que compara o orçamento público ao orçamento doméstico, na qual o governo, assim como uma família, não deve gastar mais do que ganha. Logo, diante de uma crise e de um aumento das dívidas, deve-se passar por sacrifícios e por um esforço de poupança.

Os anos de excessos, portanto, devem ser remediados com abstinência e sacrifícios e a austeridade é o remédio. No caso brasileiro é comum a análise de que os excessos (de gastos sociais, de aumento de salário mínimo, de intervencionismo estatal etc.) nos governos do Partido dos Trabalhadores (PT) estão cobrando os sacrifícios necessários. Como na fábula da cigarra e da formiga, os excessos serão punidos e os sacrifícios, recompensados.

Esse discurso tem inúmeras fragilidades. A primeira delas está na mediação entre o ajuste fiscal e o crescimento econômico. Argumenta-se que o ajuste fiscal melhora a confiança nos agentes que, por sua vez, passam a investir e consumir. Contudo, um empresário não investe porque o governo fez ajuste fiscal, e sim quando há demanda por seus produtos e perspectivas de lucro.

Nesse ponto, a contração do gasto público não aumenta a demanda no sistema. Ao contrário. Essa contração, por definição, reduz a demanda no sistema. Em uma grave crise econômica, quando todos os elementos da demanda privada (o consumo das famílias, o investimento e a demanda externa) desaceleram, a crise se agrava caso o governo contraia a demanda pública.

Austeridade - A História de uma Ideia Perigosa
Autor: Mark Blyth
Editora: Autonomia Literária
Páginas: 382 págs.
Preço: R$ 50

Os efeitos da austeridade podem ser entendidos de forma intuitiva. O gasto de alguém é a renda de outro: quando alguém gasta, alguém recebe. Quando o governo contrai o  gasto, milhões de cidadãos passam a receber menos, o que tem impactos negativos na renda privada. É uma verdade contábil dizer que o gasto público é a receita do setor privado, assim como a dívida pública é ativo privado e o déficit público é o superávit do setor privado.

Quando o governo corta gastos com um investimento destinado a uma obra pública, por exemplo, o efeito é direto sobre a renda e o emprego, uma vez que a empresa que seria contratada via licitação deixa de contratar empregados e comprar materiais. Da mesma forma, o corte de gastos em transferências sociais reduz a demanda daqueles que recebem os benefícios e desacelera o circuito da renda.

Nesse sentido, em uma economia em crise, a austeridade gera um ciclo vicioso no qual o corte de gastos reduz o crescimento, o que deteriora a arrecadação e piora o resultado fiscal... E leva a novos cortes de gastos. Ou seja, em um contexto de crise econômica, a austeridade é contraproducente e tende a provocar a queda no crescimento e o aumento da dívida pública, resultado contrário ao que se propõe.

Isso quer dizer que o governo nunca deve cortar gastos? Não. Quando a economia está aquecida, o corte do investimento na obra pública  pode não ter um efeito negativo na economia, uma vez que a empresa que seria contratada pelo governo provavelmente será contratada por outro indivíduo ou empresa. Da mesma forma, a redução das transferências sociais pode ter impactos distributivos, mas não necessariamente contracionistas.

O mesmo não ocorre quando há escassez de demanda, desemprego e excesso de capacidade ociosa na economia: nesse caso, a demanda pública não só não gera inflação como aumenta a renda e o emprego. Ou seja, a demanda pública pode e deve ser mantida e ampliada em períodos de crise.

Isso implica dizer que a administração do orçamento do governo não somente não deve seguir a lógica do orçamento doméstico, mas deve seguir a lógica oposta. Quando as famílias e empresas contraem o gasto, o governo deve ampliar o gasto de forma a contrapor o efeito contracionista do setor privado.

Além disso, a comparação entre o orçamento público e o familiar é incoerente, pois desconsidera três fatores essenciais. O primeiro é que o governo, diferentemente das famílias, tem a capacidade de definir o seu orçamento. A arrecadação de impostos decorre de uma decisão política. Está ao alcance do governo, entre outras medidas, tributar os mais ricos ou as importações de bens de luxo, para não fechar hospitais. Ou seja, diferentemente do orçamento familiar, o orçamento público decorre de uma decisão coletiva sobre quem paga e quem recebe, quanto paga e quanto recebe.

O segundo fator que diferencia o governo das famílias é que, quando o governo gasta, parte dessa renda retorna sob a forma de impostos. Ou seja, ao acelerar o crescimento econômico com políticas de estímulo, o governo está aumentando também a sua receita.

Por fim, o terceiro fator, não menos importante: as famílias não emitem moeda, não têm capacidade de emitir títulos em sua própria moeda e não definem a taxa de juros das dívidas que pagam. O governo faz tudo isso. Portanto, a metáfora que compara os orçamentos público e familiar é dissimulada e desvirtua as responsabilidades que a política fiscal tem na economia, em suas tarefas de induzir o crescimento e amortecer os impactos dos ciclos econômicos na vida das pessoas. 

O lançamento do livro ocorrerá no dia 30 de novembro, em São Paulo (SP). Para mais informações: https://www.facebook.com/events/542154376118820/

*Pedro Rossi é professor do Instituto de Economia da Unicamp, diretor do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da Unicamp e coordenador do Conselho Editorial do Brasil Debate.






Opinião

A (má) influência do Banco Mundial na política econômica brasileira

por Sérvulo Carvalho — publicado 24/11/2017 14h41, última modificação 24/11/2017 15h18
A instituição financeira chancela reformas do governo Temer que não são aplicadas no resto do planeta. E ainda dá 500 milhões de dólares
A (má) influência do Banco Mundial na política econômica brasileira

Raiser (o terceiro da esquerda para a direita) em reunião com Ricardo Barros, ministro da Saúde

Por que Martin Raiser, o alemão que representa o Banco Mundial em Brasília, não oferece seus conselhos de unificação das políticas sociais ao presidente da França, Emmanuel Macron? Pouparia tempo aos assistentes sociais franceses, que precisam de anos na faculdade para entender, ainda assim parcialmente, as centenas de políticas sociais daquele país.

Não seria mais fácil a França unificar a política de aluguel moderado, beneficiadora de 15% das famílias, com o seguro-desemprego, que permite ao desocupado estudar por vários anos antes de voltar a trabalhar? Ou os diferentes regimes de aposentadoria, que levam em conta a necessidade de liberar vagas para jovem à procura de emprego? Ou juntar as subvenções a famílias numerosas com os subsídios aos agricultores familiares, mantidos no campo graças à garantia de preços mínimos e à infraestrutura de estradas, escolas e assistência médica em áreas nas zonas remotas? Sem mencionar, claro, uma espécie de SUS e um sistema de ensino universal que, no geral, funcionam.

Raiser também poderia ter dado palpites ao presidente Xi Jinping no recente XIX Congresso do Partido Comunista Chinês. Lá talvez fosse até mais fácil emplacar suas ideias, pois o leque de políticas sociais é menor, ainda que não necessariamente menos onerosas para o Estado, consistindo em fazer o contrário do que prega a austeridade: garantir a todo chinês um emprego com acesso a seguro médico e moradia, por meio do investimento (impulsionado pelo Estado) constante e anticíclico, principalmente em infraestrutura.

Em 30 anos, a China retirou 700 milhões de habitantes da pobreza. Restam 40 milhões, sobretudo na zona rural, e a meta é tirá-los da miséria extrema até 2020, em um ritmo de 10 milhões ao ano. Certamente Xi Jinping não planeja fazer isso por meio da "unificação das políticas sociais".

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Para horror do Banco Mundial, defensor do controle do gasto público e social, a China possui uma dívida pública altíssima, de 249% do PIB. Assim como a França, embora o percentual seja menor (99%), e os Estados Unidos (248%). Taxas bem acima dos 67% deixados por Dilma Rousseff no conceito "dívida bruta", hoje em 74%, apesar do discurso fiscalista do governo Michel Temer.

Sem ousar se meter em outras paragens, aqui o Banco Mundial de Raiser não tem pudores. Fechou um acordo de 500 milhões de dólares com o Ministério da Fazenda em uma modalidade conhecida como Empréstimo de Políticas para Desenvolvimento (DPL, na sigla em inglês). Uma operação em linha com a nova estratégia no Brasil, de "engajamento com o governo federal em questões estruturais que afetam a política fiscal e o ambiente de negócios", conforme anota um documento a circular na Esplanada dos Ministérios, ao qual CartaCapital teve acesso.

No DPL, definem-se indicadores e objetivos que, a cada fase cumprida, liberam ao país parte do valor combinado. Na lista de objetivos brasileiros, constam medidas que viraram realidade com a dupla Michel Temer-Henrique Meirelles, entre eles o congelamento do gasto público por 20 anos, a reforma trabalhista e a terceirização, a lei de imigração, o desmonte da política de conteúdo local no setor de petróleo e gás e o fim da TJLP do BNDES. E outras a caminho, a começar pela reforma da Previdência e o arrocho do financiamento estudantil, o Fies.

No início do ano, o Banco Mundial também aprovou um empréstimo de 250 milhões de dólares para o Ministério da Educação implementar a reforma do ensino médio,rejeitada pela quase totalidade dos professores e especialistas no tema.

Devido aos limites orçamentários impostos pelo congelamento de gastos, a quantia dos empréstimos (750 milhões de dólares, cerca de 2,4 bilhões de reais pelo câmbio atual) não poderá ser absorvida nos orçamentos da Fazenda ou do MEC. Ficará parada no caixa do Tesouro Nacional, com a exceção de um naco destinado a pagar estudos e consultorias dos técnicos contratados pelo próprio Banco Mundial.

"Un drôle de projet", diriam os franceses. A Fazenda quebra o galho do banco, ajudando-o a escoar recursos no Brasil para manter seu portfólio em um patamar mínimo, enquanto este faz o favor de colocar um "selo de qualidade" na política econômica brasileira.

Na Europa, o Estado de Bem-Estar social tem travado uma batalha de resistência à austeridade defensora da redução do gasto público e social. A resposta emerge em manifestações que extrapolam as especializações dos economistas do Banco Mundial. É o caso dos fenômenos sociológicos e antropológicos do Brexit no Reino Unido, da independência da Catalunha e da emergência da extrema-direita na Polônia, tudo em perfeita sintonia com o aumento da desigualdade social em cada um desses países.

Curiosamente, uma das notícias recentes revela que Bruxelas, o centro nervoso político da União Europeia, não exigirá novos ajustes da Espanha em 2018, ainda que aquele país descumpra sua meta de déficit fiscal. Bruxelas, parece, não está lá muito interessada nos conselhos do Banco Mundial

Com suas ideias de política econômica, Raiser não seria eleito nem aqui nem na França. Muito menos na China. Mas, pensando bem, Michel Temer também não seria e hoje está aí, abraçado na austeridade, dono da maior impopularidade presidencial do planeta.



Livre de vírus. www.avast.com.

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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz