ZÉ CELSO PROVOCA: "SÓ UMA REVOLUÇÃO CULTURAL TEM POTÊNCIA PARA DERRUBAR ESSE PANORAMA POLÍTICO"
"Esse festival não gosta muito do [Teatro] Oficina": o diretor Zé Celso começou assim sua fala na 26ª edição do Festival de Curitiba, na terça (4/4), no Museu Oscar Niemeyer. Em menos de cinco minutos, também reclamou da movimentação da jovem plateia durante a exibição do filme da peça "O Rei da Vela", que tem três horas de duração. Do alto de seus 80 anos recém-completados, encarou o público, em silêncio, enquanto as pessoas se acomodavam para assistir ao seu discurso. "Que dificuldade essa plateia tem para se acomodar. Estou esperando". Esperou mesmo, até que o último espectador estivesse sentado.
O assunto era o longa-metragem, filmado em 1971 e digitalizado para exibição no ano passado. Renato Borghi, co-fundador do Teatro Oficina, e Noilton Nunes, co-diretor do filme, também estavam presentes. Mas Zé Celso que atraía as atenções – mesmo quando dava foras na plateia. Quando uma fã contou encantada que sua mãe havia assistido à montagem de "O Rei da Vela" nos anos 1970, ele a cortou: "isso é pouco. Quem quer falar sobre o filme?". Quando ela insistiu e disse que o material daria uma ótima série, se fragmentada, ele demonstrou raiva. Não deixou mais que ela falasse. Ficou climão, mas logo apareceu outro fã para rasgar ceda e dizer o que o diretor queria ouvir: filme incrível, que tem que ser desse tamanho mesmo.
"O Rei da Vela" fala do golpe do secretário Abelardo II contra seu rei, Abelardo I. A transgressão do Teatro Oficina com a montagem levou a peça a ser censurada na ditadura. O filme do espetáculo só foi finalizado em 1982, quando Zé Celso voltou do exílio. Temas que dialogam com o panorama político atual, e o diretor chama atenção para isso. "Teve um governador, não lembro o nome, que pagou R$ 20 mil, que era um bocado de dinheiro, para o Oficina não pisar no Paraná. Acabou que sempre tive esse problema com Curitiba. Ainda mais agora, com esse negócio de República de Curitiba", declarou. Ouviu-se mais rangeres de dentes do que risinhos tímidos. Em seguida, criticou universidades "formadoras de juízes de direita".
– Só uma revolução cultural agora tem potência para derrubar esse panorama político. A gente tem que se juntar. A gente precisa fazer um teatro explosivo nesse momento. Quebrar a quarta parede. Houve um retorno dela, e é um atraso. Precisamos superar essa coisa de monólogo e musical enlatado. O teatro tem que se juntar. Monólogo até dá um dinheirinho, mas, se juntar muita gente em uma ressurreição, em um gozo, esse regime cai de podre. O teatro tem uma coisa horrível que é o moralismo. Tenho horror à seriedade do teatro atual. Nesse momento, a gente não precisa disso. Precisa de humor. – proferiu.
No fim, a produção do evento apareceu com um bolo de brigadeiro em comemoração ao aniversário de Zé Celso e Renato. O próprio diretor puxou o cântico de parabéns. O público aderiu com o tradicional "Parabéns Pra Você". Novo esporro. "Não! É outra música! Calem a boca por um instante! Aprendam a ouvir! Essa música é uma merda. Não me façam esse desprazer". Palmas também estavam cortadas. Mas, no fim, deu tudo certo. Na hora de apagar a vela, Zé convocou todo o auditório para inspirar e assoprar junto – como o teatro que acredita.
*O Teatro em Cena viajou a convite da produção do festival.
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