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"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

18.4.17

Direitos roubados | Dois Brasis

Análise

Direitos roubados: o fim do breve ciclo de cidadania social no Brasil

por Eduardo Fagnani — publicado 18/04/2017 00h30, última modificação 18/04/2017 09h02
Qual a legitimidade desse governo para implantar a "toque de caixa" um projeto liberal ao extremo que interditará o futuro do País?
Arquivo/Agência Brasil
Ulysses Guimarães

Desde o primeiro momento, as classes dirigentes conspiraram para impedir ou sepultar a Constituição

Há menos de cem anos, a sociedade brasileira era majoritariamente formada por analfabetos rurais submetidos aos resquícios da escravidão. A natureza da cidadania no Brasil é o avesso de outras experiências nacionais, como a Inglaterra, por exemplo, onde os direitos civis, os direitos políticos e os direitos sociais foram consagrados nos séculos XVIII, XIX e XX, respectivamente. Aqui, ironicamente, os "direitos sociais" precederam os demais, emergindo a partir de 1930 e inaugurando uma longa etapa de "cidadania regulada" pelo Estado patrimonialista.

É nesta perspectiva histórica que se compreende o período 1988-2016 como um ciclo inédito de democracia e ampliação dos espaços públicos. A Constituição de 1988 inaugurou etapa também inédita de construção da cidadania, desenhando-se um sistema de proteção social inspirado em alguns valores do Estado de Bem-Estar Social: universalidade (em contraposição à focalização); seguridade social (em contraposição ao seguro); e direito (em contraposição ao assistencialismo). Aos trancos e barrancos, abriram-se brechas para que o incipiente processo civilizatório avançasse moderadamente.

Hoje, está claro que esse foi um ciclo improvável, quase um devaneio, por caminhar na contramão da concorrência capitalista sob a dominância das finanças, menosprezar as travas do passado e ousar arranhar o status quo social secularmente dominado pelos donos do Brasil.

As reações contrárias começaram ainda em 1988. É emblemática, quanto a isso, a tese do "país ingovernável", esgrimida pelo presidente da República, José Sarney (1985-90) na luta para tentar impedir, a qualquer custo, que a Assembleia Constituinte aprovasse o capítulo sobre a Ordem Social, que foi afinal aprovado.

Assim, desde o primeiro momento, as classes dirigentes conspiraram para impedir ou sepultar a Constituição. A reação começou antes mesmo de o livro impresso sair da gráfica do Congresso, intensificou-se agudamente a partir de 1990, teve sequência na primeira metade da década passada e, após curta trégua, retoma seu curso em marcha odiosamente antidemocrática e antipopular.

"O golpe parlamentar de 2016, por suposto "crime fiscal" de Dilma, expressa a vontade dos detentores da riqueza de liquidar a incipiente cidadania social"

O golpe parlamentar de 2016, por suposto "crime fiscal", expressa, dentre outros fatores, a vontade dos detentores da riqueza de liquidar a incipiente cidadania social formalmente conquistada em 1988, concluindo um trabalho iniciado há quase trinta anos. Trata-se de excluir esse "ponto fora da curva" do capitalismo brasileiro. A radicalização do projeto liberal caminha no sentido de levar ao extremo a reforma do Estado iniciada nos anos de 1990, privatizando "tudo o que for possível", tanto na área econômica quanto no campo social.

Na gestão macroeconômica, aprofunda-se a arquitetura institucional do chamado "tripé" e reforçam-se as políticas de "austeridade" que, inevitavelmente, geram recessão, debilitam as receitas e tornam o ajuste fiscal um processo sem fim. Essa opção colocou o País, que não estava em crise severa em 2014, em grave recessão, com dois anos seguidos (2015-16) de queda da atividade econômica acumulada em mais de 7% do PIB.

A recessão é funcional para justificar a implantação do Estado Mínimo liberal, pois "não há alternativa", a não ser o corte de gastos "obrigatórios" das políticas sociais consagradas na "Ordem Social" da Constituição. A tese ideológica do "País ingovernável", esgrimida em 1988, voltou a ditar o rumo do debate. Criou-se o "consenso" de que o ajuste fiscal requer modificar o "contrato social da redemocratização".  A visão de que as demandas sociais da democracia "não cabem no orçamento" teve êxito, ironicamente, num país que paga taxas reais de juros obscenas na comparação internacional: o maior programa de transferência de renda para ricos do planeta. E ainda dizem que "não há almoço grátis".

O processo de destruição do Estado Social pela asfixia financeira está sendo encenado em quatro atos principais. Primeiro, amplia-se a desvinculação constitucional de recursos das políticas sociais, ato viabilizado pela Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 31/2016, que elevou de 20% para 30% a Desvinculação de Receitas da União – DRU. Segundo, o chamado "Novo Regime Fiscal" (PEC 55/2016) que criou, por 20 anos, um teto para crescimento das despesas sociais.

Terceiro, o fim de vinculações de recursos para a área social, decretado, na prática, pelo "Novo Regime Fiscal". Quarto, a Reforma Tributária que tramita no Congresso Nacional, que não enfrenta a injustiça fiscal e tem por propósito simplificar a estrutura de impostos, pela criação do Imposto de Valor Adicionado (IVA) e extinção das fontes de financiamento da área social asseguradas pela Constituição de 1988.

Protesto contra as reformas de Temer
A desproteção social dos idosos está sendo desenhada nesse momento (Roberto Parizotti/CUT)

A destruição do Estado Social de 1988 prossegue com a reforma da Previdência Social que impõe, para um dos países mais desiguais e heterogêneos do mundo, regras restritivas para a aposentadoria, mais restritivas, aqui, que as praticadas em nações muito menos desiguais.

A tragédia anunciada da desproteção social dos idosos está sendo desenhada nesse momento. A extinção do direito a proteção na velhice, em curso, agride o artigo 25 da clássica Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948.

No campo dos direitos trabalhistas e sindicais retrocederemos ao início do século 20. A recente aprovação da terceirização irrestrita (Projeto de Lei nº 4.302/98) poderá minar a estrutura dos empregos com carteira assinada, rebaixar salários, retirar direitos e ampliar a rotatividade.

A reforma trabalhista (Projeto de Lei nº 6.787/2016), que altera mais de cem artigos da Consolidação das Leis do Trabalho de 1943, quebra a espinha dorsal dos sindicatos. Dentre tantos retrocessos, destaca-se o que se tem chamado de "o acordado sobre o legislado". As negociações entre trabalhadores e empresas passam a prevalecer sobre a lei, o que solapa a representação sindical e a atuação da Justiça do Trabalho, abrindo espaço para a regressão de direitos.

Os vínculos trabalhistas flexíveis serão amplificados pelo reforço da contratação de empregado temporário e por prazo determinado. A instituição do "trabalho intermitente" e do home office permite a contratação por hora de serviço, sem pagamento de direitos. A jornada de trabalho poderá ser de 12 horas diárias e de 48 horas semanais. As férias poderão ser divididas em três períodos.

Destaca-se ainda o Projeto de Lei nº 6.442/2016 que "Institui normas reguladoras do trabalho rural". Esse Projeto de Lei viola a Constituição Federal e revoga instrumentos normativos previstos na CLT, sobretudo no que se refere ao direito à igualdade de tratamento entre trabalhadores urbanos e rurais, implicando extrema precarização das relações de trabalho no meio rural.

"Em meio século, o Brasil não mudou. O arcaico voltou a dar as caras sem pudor"

Em síntese, o período 2016-18 pode representar o fim de um breve ciclo improvável de construção embrionária da cidadania social no Brasil. Caíram as máscaras. Em meio século, o Brasil não mudou. O arcaico voltou a dar as caras sem pudor, desta vez como sócio menor de uma coalizão política, financeira e empresarial que, ao perder as eleições, resolveu assumir o controle do governo pela via do golpe.

A utopia pode ter eclipsado a realidade, tão cristalinamente clara, de que a democracia e a cidadania social são corpos secularmente estranhos ao capitalismo brasileiro.

A ironia é que o impeachment do incipiente processo civilizatório seja urdido por uma coalizão política não legitimada pelo voto popular e licenciosa no trato do interesse público. Qual a legitimidade desse governo e desse Congresso para implantar a "toque de caixa" um projeto liberal ao extremo que interditará o futuro do País?


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Dois Brasis

Pudemos ver ontem dois pedaços do mesmo país, mas que pareciam pertencer a dois países distintos. As mais maravilhosas manifestações populares, de norte a sul, com música, alegria, juventude, mulheres, negros, as mais distintas camadas do nosso povo, cantando, gritando, todos, na sua imensa diversidade, contra o golpe, pela democracia.

Se se pretendia convocar a votação para um domingo, acreditando que se promoveriam manifestações favoráveis ao golpe, deu tudo ao contrário. Não só em todo o Brasil, mas especialmente em Brasília, o Congresso foi cercado por 200 mil pessoas, contra o golpe.

Nunca tivemos tantas manifestações, em tantos lugares do país, tantas declarações de entidades as mais diversas da sociedade civil, todas expressando a condenação do golpe e o apoio à continuidade do processo democrático. Houve algumas manifestações, em particular, notáveis, marcos na história de lutas do povo brasileiro, como, entre tantas outras a da Avenida Paulista com o Lula, a dos Arcos da Lapa também com ele, a marcha de Brasília do dia 18 de março, a manifestação do funk em Copacabana ontem, a marcha de Brasília também de ontem.

As lutas do povo brasileiro nunca mais serão as mesmas. A CUT, o MST, o MTST e tantas outras entidades demonstraram uma extraordinária capacidade de mobilização e de organização. Ao mesmo tempo, o espirito unitário das manifestações, em torno da defesa da democracia, demonstrou uma grande maturidade política do movimento popular brasileiro.

Frente a esse quadro, tivemos um outro, protagonizado pela Câmara, dirigida pelo político mais corrupto do Brasil, atuando com seus métodos gangsters, de manipulação, chantagem, pressão, corrupção, como se uma instituição como o Congresso, lhe pertencesse. E, ao seu redor, uma maioria execrável de parlamentares, promovendo um golpe branco no país, usurpando o direito do povo de eleger seus governantes, acreditando que podem eleger um presidente da república com 1% de apoio, como se o poder fosse um botim que pudesse ser assaltado por capatazes.

Discursos que envergonham o país de ter parlamentares assim, mas quando nos lembramos que eles compõem a bancada da bala, a do fundamentalismo evangélico, a do agronegócio, e tantas outras, e nos recordamos os retrocessos que promoveram sob a direção de Eduardo Cunha, nos damos conta de quem compõem o Congresso brasileiro atual.

São duas porções do mesmo país, que não se reconhecem. O povo não reconhece nesses congressistas seus representantes. E os deputados não conhecem o povo brasileiro.

Sendo o último Congresso eleito com financiamento empresarial, os cidadãos brasileiros têm a oportunidade de renova-lo radicalmente, ainda mais com a consciência dos danos que um Congresso conservador e inexpressivo do povo brasileiro pode causar ao país. Para isso as entidades civis, os sindicatos, os movimentos sociais todos, tem que tomar consciência que para democratizar a vida política brasileira, é fundamental que a educação pública brasileira tenha sua bancada, da mesma forma que a saúde pública. Assim como os trabalhadores de todas as categorias – metalúrgicos, bancários, químicos, etc., etc., ao lado de uma forte bancada dos trabalhadores rurais, das mulheres, dos negros, dos jovens das periferias, entre tantos outros setores que se manifestaram nestas semanas nas ruas do Brasil.

É um desastre para a democracia brasileira ter um Congresso assim, pelos interesses minoritários dominantes e retrógrados que eles representam. E por terem sido eleitos com apoio financeiro de um parlamentar que envergonha a qualquer Congresso, e que eles elegeram para presidir a Câmara de Deputados.

Entender essas duas caras do mesmo país é fundamental para entender os obstáculos que a construção de um país democrático requer. A crise atual só se aprofunda com essa decisão. Não há possibilidade que um governo dirigido por alguém que tem 1% de apoio e 81% de rejeição, com um duro ajuste fiscal, eleito por um golpe, possa resolver a crise brasileira. Ele faz parte da crise.

Crise que está ainda mais longe de ser resolvida, porque aprofunda sua dimensão institucional, sem que avance em nada na retomada do crescimento econômico com distribuição de renda que o país requer e que Lula propõe. Um bando de políticos corruptos vai ter que se enfrentar com esse extraordinário movimento popular que o cercou hoje no Congresso e em centenas de cidades brasileiras. Esse Congresso não pode mais viver solto no ar, tomando decisões contra o povo, contra o país, tentando se apropriar do governo como se fosse um botim de uma gangue, dirigido por um parlamentar execrável. Veremos nos próximos meses que país triunfa sobre o outro, ou que porção do Brasil representa realmente o país.


http://www.brasil247.com/pt/blog/emirsader/226715/Dois-Brasis.htm


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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz