Sobre a carta aos bispos do Paraguai
Quinta-feira, 26 de julho de 2012 - 11h01min
por A reportagem é de Washington Uranga e está publicada no jornal Página/12. A tradução é do Cepat.
O pronunciamento dos responsáveis da Pastoral Social coloca em evidência um forte debate no seio da Igreja católica no Paraguai diante da destituição de Lugo e da atuação da hierarquia eclesiástica.
Enquanto em Roma o embaixador do Paraguai no Vaticano, Esteban Kriskovich, insiste em que "tivemos reuniões na Santa Sé e a Secretaria de Estado reconhece plenamente o novo governo" e anuncia que o governo de Federico Franco convidou Bento XVI para visitar o país, em Assunção foi divulgada uma carta assinada dias atrás pelos representantes da Pastoral Social de 11 dioceses e prelazias apostólicas na qual solicitam aos bispos católicos para que "façam uma declaração que corrija a visão que se tem dado da Igreja de Jesus Cristo ao povo paraguaio e ao mundo sobre esses acontecimentos (que culminaram no golpe institucional contra Fernando Lugo) e, dessa maneira, se reafirme o seu compromisso de pastores com os mais humildes e desprotegidos".
O pronunciamento dos responsáveis da Pastoral Social, incluído o secretariado nacional desse ramo de atividade eclesiástica, contrasta com o imediato reconhecimento que o Vaticano, através do núncio apostólico (embaixador do Vaticano), Eliseo Ariotti, deu ao governo de Federico Franco. O núncio foi o primeiro embaixador estrangeiro a se encontrar com Franco no dia 23 de junho, dia seguinte à destituição de Lugo, e a foto do encontro foi amplamente divulgada mundo afora, enquanto os países sul-americanos condenavam o golpe parlamentar.
Poucos dias antes da derrocada de Lugo, os bispos católicos lhe haviam solicitado que renunciasse à presidência. Diante desse fato, os responsáveis da Pastoral Social dizem agora que "a atuação de alguns membros da CEP (Conferência dos Bispos do Paraguai), de solicitar ao presidente da República que renunciasse, produziu surpresa, confusão, dor e indignação entre os fiéis e a população, principalmente entre as pessoas mais humildes", porque "vimos, por um lado, a aprovação de setores do poder e, por outro, a desaprovação de setores populares, que consideram esta postura como um afastamento da Igreja dos mais pobres e excluídos".
Ao mesmo tempo torna os bispos diretamente responsáveis pelo golpe em vista de que "as expressões e ações de alguns bispos da CEP que visitaram o presidente Lugo para pedir sua renúncia foram posteriormente utilizadas por alguns parlamentares, como Miguel A. (Tito) Saguier e Juan Carlos Galaverna, para dizer que a Igreja já apoiava este julgamento e fundamentar sua tese de destituição do presidente". Galaverna foi o principal acusador de Lugo na sessão do Senado que terminou com sua destituição.
O pronunciamento dos responsáveis da Pastoral Social coloca em evidência um forte debate no interior da Igreja católica no Paraguai diante da destituição de Lugo e da atuação da hierarquia católica. O documento, em forma de carta dirigida aos bispos responsáveis pela Pastoral Social (Mario Melanio, Oscar Páez Garcete e Cándido Cárdenas), fundamenta-se na necessidade de fidelidade à "nossa missão e ao mandato evangélico da opção preferencial pelos pobres, implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para nos enriquecer com sua pobreza (Documento de Aparecida n. 392) e que aparece inúmeras vezes no Evangelho, nos documentos da Igreja e na mesma linha de ação pastoral no Paraguai".
Em sua análise política os coordenadores da Pastoral Social qualificam a destituição de Lugo de "golpe de Estado parlamentar" e asseguram que se trata de "um elo a mais no processo que vivemos em nosso país desde a chegada ao poder do presidente Lugo". Para os dirigentes católicos que discordam dos bispos, "depois de 24 tentativas de julgamento político, materializado com a destituição de um presidente eleito por ampla maioria, realiza-se um julgamento político simulado por causas totalmente alheias a um julgamento sério, como, por exemplo, a paternidade do presidente Lugo, a questão ideológica, a amizade de Lugo com dirigentes Sem Terra, etc.". Defendem, em consequência, que "o que aconteceu foi um golpe de Estado e um duro revés no processo democrático paraguaio".
Quanto aos fatos de Curuguaty, onde morreram camponeses e policiais e que serviram de desculpa para o julgamento político de Lugo, os delegados da Pastoral Social afirmam que "é muito doloroso viver uma violência entre compatriotas camponeses e policiais no confuso e suspeito acontecimento de Curuguaty, o que nos leva a exigir uma profunda investigação, esclarecimento e punição dos responsáveis, sem esquecer que, aparentemente, tudo foi uma montagem para justificar o golpe de Estado que deram".
Qualificam o fato como "claro oportunismo político de setores que, semanas antes, haviam negado o mesmo tipo de julgamento a vários membros da Suprema Corte de Justiça e que pretendiam distribuir cerca de 50 milhões de dólares a operadores políticos, através do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral". E exigem "dar atenção humana e jurídica aos feridos, aos que estão nas prisões e seus familiares, assim como também ao processo de libertação dos presos e envolvidos".
Assinalam também que "em nosso diálogo fraterno com alguns camponeses atingidos pelos acontecimentos ocorridos em Curuguaty, sentimos a necessidade urgente de que a Igreja acompanhe de forma institucional as vítimas", para o que propõem uma série de ações concretas e imediatas. Neste sentido, pedem aos bispos que exijam "do Estado o esclarecimento dos fatos", que apoiem "os camponeses com a assessoria jurídica necessária" e que sigam "trabalhando, sem ambiguidades, na implantação da Reforma Agrária integral e na recuperação das terras ilegais".
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