Páginas

pergunta:

"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

12.7.12

Carta Maior - Internacional - Estados Unidos, Venezuela e Paraguai

Internacional| 12/07/2012 | Copyleft

Estados Unidos, Venezuela e Paraguai

A política externa norte-americana na América do Sul sofreu as consequências totalmente inesperadas da pressa dos neogolpistas paraguaios em assumir o poder, com tamanha voracidade que não podiam aguardar até abril de 2013, quando serão realizadas as eleições, e agora articula todos os seus aliados para fazer reverter a decisão de ingresso da Venezuela. A questão do Paraguai é a questão da Venezuela, da disputa por influência econômica e política na América do Sul. O artigo é de Samuel Pinheiro Guimarães.

1. Não há como entender as peripécias da política sul-americana sem levar em conta a política dos Estados Unidos para a América do Sul. Os Estados Unidos ainda são o principal ator político na América do Sul e pela descrição de seus objetivos devemos começar.

2. Na América do Sul, o objetivo estratégico central dos Estados Unidos, que apesar do seu enfraquecimento continuam sendo a maior potência política, militar, econômica e cultural do mundo, é incorporar todos os países da região à sua economia. Esta incorporação econômica leva, necessariamente, a um alinhamento político dos países mais fracos com os Estados Unidos nas negociações e nas crises internacionais.

3. O instrumento tático norte-americano para atingir este objetivo consiste em promover a adoção legal pelos países da América do Sul de normas de liberalização a mais ampla do comércio, das finanças e investimentos, dos serviços e de “proteção” à propriedade intelectual através da negociação de acordos em nível regional e bilateral.

4. Este é um objetivo estratégico histórico e permanente. Uma de suas primeiras manifestações ocorreu em 1889 na I Conferência Internacional Americana, que se realizou em Washington, quando os EUA, já então a primeira potência industrial do mundo, propuseram a negociação de um acordo de livre comércio nas Américas e a adoção, por todos os países da região, de uma mesma moeda, o dólar.

5. Outros momentos desta estratégia foram o acordo de livre comércio EUA-Canadá; o NAFTA (Área de Livre Comércio da América do Norte, incluindo além do Canadá, o México); a proposta de criação de uma Área de Livre Comércio das Américas - ALCA e, finalmente, os acordos bilaterais com o Chile, Peru, Colômbia e com os países da América Central.

6. Neste contexto hemisférico, o principal objetivo norte-americano é incorporar o Brasil e a Argentina, que são as duas principais economias industriais da América do Sul, a este grande “conjunto” de áreas de livre comércio bilaterais, onde as regras relativas ao movimento de capitais, aos investimentos estrangeiros, aos serviços, às compras governamentais, à propriedade intelectual, à defesa comercial, às relações entre investidores estrangeiros e Estados seriam não somente as mesmas como permitiriam a plena liberdade de ação para as megaempresas multinacionais e reduziria ao mínimo a capacidade dos Estados nacionais para promover o desenvolvimento, ainda que capitalista, de suas sociedades e de proteger e desenvolver suas empresas (e capitais nacionais) e sua força de trabalho.

7. A existência do Mercosul, cuja premissa é a preferência em seus mercados às empresas (nacionais ou estrangeiras) instaladas nos territórios da Argentina, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai em relação às empresas que se encontram fora desse território e que procura se expandir na tentativa de construir uma área econômica comum, é incompatível com objetivo norte-americano de liberalização geral do comércio de bens, de serviços, de capitais etc que beneficia as suas megaempresas, naturalmente muitíssimo mais poderosas do que as empresas sul-americanas.

8. De outro lado, um objetivo (político e econômico) vital para os Estados Unidos é assegurar o suprimento de energia para sua economia, pois importam 11 milhões de barris diários de petróleo sendo que 20% provêm do Golfo Pérsico, área de extraordinária instabilidade, turbulência e conflito.

9. As empresas americanas foram responsáveis pelo desenvolvimento do setor petrolífero na Venezuela a partir da década de 1920. De um lado, a Venezuela tradicionalmente fornecia petróleo aos Estados Unidos e, de outro lado, importava os equipamentos para a indústria de petróleo e os bens de consumo para sua população, inclusive alimentos.

10. Com a eleição de Hugo Chávez, em 1998, suas decisões de reorientar a política externa (econômica e política) da Venezuela em direção à América do Sul (i.e. principal, mas não exclusivamente ao Brasil), assim como de construir a infraestrutura e diversificar a economia agrícola e industrial do país viriam a romper a profunda dependência da Venezuela em relação aos Estados Unidos.

11. Esta decisão venezuelana, que atingiu frontalmente o objetivo estratégico da política exterior americana de garantir o acesso a fontes de energia, próximas e seguras, se tornou ainda mais importante no momento em que a Venezuela passou a ser o maior país do mundo em reservas de petróleo e em que a situação do Oriente Próximo é cada vez mais volátil.

12. Desde então desencadeou-se uma campanha mundial e regional de mídia contra o Presidente Chávez e a Venezuela, procurando demonizá-lo e caracterizá-lo como ditador, autoritário, inimigo da liberdade de imprensa, populista, demagogo etc. A Venezuela, segundo a mídia, não seria uma democracia e para isto criaram uma “teoria” segundo a qual ainda que um presidente tenha sido eleito democraticamente, ele, ao não “governar democraticamente”, seria um ditador e, portanto, poderia ser derrubado. Aliás, o golpe já havia sido tentado em 2002 e os primeiros lideres a reconhecer o “governo” que emergiu desse golpe na Venezuela foram George Walker Bush e José María Aznar.

13. À medida que o Presidente Chávez começou a diversificar suas exportações de petróleo, notadamente para a China, substituiu a Rússia no suprimento energético de Cuba e passou a apoiar governos progressistas eleitos democraticamente, como os da Bolívia e do Equador, empenhados em enfrentar as oligarquias da riqueza e do poder, os ataques redobraram orquestrados em toda a mídia da região (e do mundo).

14. Isto apesar de não haver dúvida sobre a legitimidade democrática do Presidente Chávez que, desde 1998, disputou doze eleições, que foram todas consideradas livres e legítimas por observadores internacionais, inclusive o Centro Carter, a ONU e a OEA.

15. Em 2001, a Venezuela apresentou, pela primeira vez, sua candidatura ao Mercosul. Em 2006, após o término das negociações técnicas, o Protocolo de adesão da Venezuela foi assinado pelos Presidentes Chávez, Lula, Kirchner, Tabaré e Nicanor Duarte, do Paraguai, membro do Partido Colorado. Começou então o processo de aprovação do ingresso da Venezuela pelos Congressos dos quatro países, sob cerrada campanha da imprensa conservadora, agora preocupada com o “futuro” do Mercosul que, sob a influência de Chávez, poderia, segundo ela, “prejudicar” as negociações internacionais do bloco etc. Aquela mesma imprensa que rotineiramente criticava o Mercosul e que advogava a celebração de acordos de livre comércio com os Estados Unidos, com a União Européia etc, se possível até de forma bilateral, e que considerava a existência do Mercosul um entrave à plena inserção dos países do bloco na economia mundial, passou a se preocupar com a “sobrevivência” do bloco.

16. Aprovado pelos Congressos da Argentina, do Brasil, do Uruguai e da Venezuela, o ingresso da Venezuela passou a depender da aprovação do Senado paraguaio, dominado pelos partidos conservadores representantes das oligarquias rurais e do “comércio informal”, que passou a exercer um poder de veto, influenciado em parte pela sua oposição permanente ao Presidente Fernando Lugo, contra quem tentou 23 processos de “impeachment” desde a sua posse em 2008.

17. O ingresso da Venezuela no Mercosul teria quatro consequências: dificultar a “remoção” do Presidente Chávez através de um golpe de Estado; impedir a eventual reincorporação da Venezuela e de seu enorme potencial econômico e energético à economia americana; fortalecer o Mercosul e torná-lo ainda mais atraente à adesão dos demais países da América do Sul; dificultar o projeto americano permanente de criação de uma área de livre comércio na América Latina, agora pela eventual “fusão” dos acordos bilaterais de comércio, de que o acordo da Aliança do Pacifico é um exemplo.

18. Assim, a recusa do Senado paraguaio em aprovar o ingresso da Venezuela no Mercosul tornou-se questão estratégica fundamental para a política norte americana na América do Sul.

19. Os líderes políticos do Partido Colorado, que esteve no poder no Paraguai durante sessenta anos, até a eleição de Lugo, e os do Partido Liberal, que participava do governo Lugo, certamente avaliaram que as sanções contra o Paraguai em decorrência do impedimento de Lugo, seriam principalmente políticas, e não econômicas, limitando-se a não poder o Paraguai participar de reuniões de Presidentes e de Ministros do bloco.

Feita esta avaliação, desfecharam o golpe. Primeiro, o Partido Liberal deixou o governo e aliou-se aos Colorados e à União Nacional dos Cidadãos Éticos - UNACE e aprovaram, a toque de caixa, em uma sessão, uma resolução que consagrou um rito super-sumário de “impeachment”.

Assim, ignoraram o Artigo 17 da Constituição paraguaia que determina que “no processo penal, ou em qualquer outro do qual possa derivar pena ou sanção, toda pessoa tem direito a dispor das cópias, meios e prazos indispensáveis para apresentação de sua defesa, e a poder oferecer, praticar, controlar e impugnar provas”, e o artigo 16 que afirma que o direito de defesa das pessoas é inviolável.

20. Em 2003, o processo de impedimento contra o Presidente Macchi, que não foi aprovado, levou cerca de 3 meses enquanto o processo contra Fernando Lugo foi iniciado e encerrado em cerca de 36 horas. O pedido de revisão de constitucionalidade apresentado pelo Presidente Lugo junto à Corte Suprema de Justiça do Paraguai sequer foi examinado, tendo sido rejeitado in limine.

21. O processo de impedimento do Presidente Fernando Lugo foi considerado golpe por todos os Estados da América do Sul e de acordo com o Compromisso Democrático do Mercosul o Paraguai foi suspenso da Unasur e do Mercosul, sem que os neogolpistas manifestassem qualquer consideração pelas gestões dos Chanceleres da UNASUR, que receberam, aliás, com arrogância.

22. Em consequência da suspensão paraguaia, foi possível e legal para os governos da Argentina, do Brasil e do Uruguai aprovarem o ingresso da Venezuela no Mercosul a partir de 31 de julho próximo. Acontecimento que nem os neogolpistas nem seus admiradores mais fervorosos - EUA, Espanha, Vaticano, Alemanha, os primeiros a reconhecer o governo ilegal de Franco - parecem ter previsto.

23. Diante desta evolução inesperada, toda a imprensa conservadora dos três países, e a do Paraguai, e os líderes e partidos conservadores da região, partiram em socorro dos neogolpistas com toda sorte de argumentos, proclamando a ilegalidade da suspensão do Paraguai (e, portanto, afirmando a legalidade do golpe) e a inclusão da Venezuela, já que a suspensão do Paraguai teria sido ilegal.

24. Agora, o Paraguai procura obter uma decisão do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul sobre a legalidade de sua suspensão do Mercosul enquanto, no Brasil, o líder do PSDB anuncia que recorrerá à justiça brasileira sobre a legalidade da suspensão do Paraguai e do ingresso da Venezuela.

25. A política externa norte-americana na América do Sul sofreu as consequências totalmente inesperadas da pressa dos neogolpistas paraguaios em assumir o poder, com tamanha voracidade que não podiam aguardar até abril de 2013, quando serão realizadas as eleições, e agora articula todos os seus aliados para fazer reverter a decisão de ingresso da Venezuela.

26. Na realidade, a questão do Paraguai é a questão da Venezuela, da disputa por influência econômica e política na América do Sul e de seu futuro como região soberana e desenvolvida.


http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20570

Nenhum comentário:


Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz