Democraduras
Países com longas ditaduras não passam   simplesmente da ditadura à democracia, apagando seu passado e escrevendo a nova   página da sua história como se fosse uma página em branco. Até mesmo porque   costumam ser transições institucionais, pacíficas, não rupturas radicais. O   passado pesa fortemente sobre as novas democracias, condicionando seu futuro   fortemente.
Tem acontecido como regra nos países latino-americanos. O   próprio Brasil foi vítima desses condicionamentos. Incapaz de obter os 2/3 do   Congresso para convocar eleições diretas para presidente – que teriam em Ulysses   Guimaraes seu mais forte candidato a ser o primeiro civil a presidir o Brasil   desde 1964 -, o país se viu às voltas com mais um pacto de elite na sua   história, configurado no Colégio Eleitoral, fundado num acordo entre o novo – as   forças democráticas, constituídas na oposição à ditadura – e o velho – advindas   da ditadura, para somar-se ao novo regime, quando o antigo se esboroava.   
O preço pago não foi barato. Ao invés da democratização das profundas   estruturas de poder consolidadas pela ditadura – no campo, nos bancos, nas   grandes corporações industriais e comerciais, nos meios de comunicação -, o novo   regime – sob a presidência do até pouco tempo antes presidente do partido da   ditadura – limitou-se, bem ao estilo liberal, à democratização institucional. O   país profundo seguiu igual, até piorou em alguns aspectos, como nos meios de   comunicação, em que o ministro das comunicações, ACM, encarregou-se de terminar   a monopolização da mídia.
Como resultado, tivemos uma redemocratização   institucional, mas o Brasil não se democratizou do ponto de vista econômico,   social e cultural. Continuamos - até o governo Lula – a ser o país mais desigual   do continente mais desigual.
Essas são analises que podem ser estendidas   a outros países do continente que passaram por ditaduras.
O Egito e o   Paraguai vivem situações que podem ser comparadas com essa. Durante as longas   ditaduras que os dois países sofreram, só foi tolerada a oposição moderada, que   compactuava com a ditadura: o Partido Liberal no Paraguai, a Irmandade Muçulmana   no Egito. Quando termina a ditadura, os partidos ligados ao regime e essas   forças de oposição estão nas melhores condições para protagonizar o que deveria   ser a transição para a democracia.
No Egito, os dois candidatos provinham   dessas forças: um ex-ministro do Mubarak e um candidato muçulmano. No Paraguai o   Congresso continua a ser dominado pelos partidos Colorado e Liberal. Foram estes   dois partidos que se uniram – juntando-se aos oviedistas, partidários de Lino   Oviedo, caudilho tradicional – para derrubar Fernando Lugo em processo   expeditivo.
No Brasil foi preciso passar 17 anos de terminada a ditadura   para que o PT chegasse a ter forças para conquistar a   presidência.
Enquanto isso, existem democraduras, cruzamento de   democracia com ditadura.
Postado por Emir Sader às 17:05
Nenhum comentário:
Postar um comentário