O dia em que a justiça começou a ser feita
Inserido por: Administrador em 04/05/2012.
Fonte da notícia: Egon Heck
A agenda do Supremo Tribunal Federal estava tomada por questões relevantes. A ministra Carmem Lucia propõe, em função da gravidade da situação e a eminência de conflitos e violências, o julgamento da nulidade dos títulos incidentes nos 54 mil hectares da terra dos Pataxó Hã-Hã-Hãe, no Sul da Bahia. Exceto o ministro Gilmar Mendes, os demais se pronunciaram pela nulidade dos títulos. Era dois de maio.
O presidente do STF, Ayres Brito, interveio em algumas oportunidades frisando que para os indígenas “terra não é um bem, mas um ser, um ente, um espírito protetor. Eles não aceitam indenização, porque acreditam que nessas terras vivem seus ancestrais”.
Quem diria,
Uma vez mais na Bahia,
Onde a invasão começou,
Há mais de cinco séculos,
O heroico povo Pataxó Hã-Hã-Hãe
Reconquista, com suprema galhardia,
Um pedaço de seu território tradicional.
Suprema justiça no tribunal da vida!
A ação de anulação dos títulos aguardou 30 anos para ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal. O que todos nos perguntamos é por que três décadas para se julgar uma ação? Dezenas de lideranças foram assassinadas neste período. Há 15 anos Galdino era queimado aqui em Brasília.
Agora esperamos o julgamento urgente das ações de devolução das terras já homologadas dos Kaiowá Guarani de Nhanderu Marangatu, e outras dezenas de ações que envolvem direitos indígenas e seus territórios. Que sejam anulados os títulos dados pelo governo Getúlio Vargas em terras dos Kaiowá Guarani.
Que a justiça para com os povos indígenas continue sendo feita!
A justiça abre os olhos e o coração
Enquanto em Brasília o Supremo Tribunal Federal, julgava a nulidade dos títulos incidentes sobre a Terra Indígena Caramuru/Catarina/Paraguasu, do povo indígena Pataxó Hã-Hã-Hãe, a juíza Dora Martins que, juntamente com uma delegação de juízes, visitou algumas comunidades Kaiowá Guarani, escrevia seus sentimentos com relação à visita:
E nós, juízes, ali, "veneno e antídoto" a engolir em seco lágrimas insuspeitas. Conseguimos, estou certa, nos fazer ver além e através da toga. E foi bom.
E o líder Jorge bradou justiça com a Constituição na mão, e as mulheres fizeram, na história, sua segunda ATY GUASU (assembleia) para discutir o medo de não terem terra, alimento, saúde e identidade. Mulheres indígenas com voz. Homens indígenas que querem voltar a ocupar seu território sagrado e tão vilipendiado. E as atrocidades se repetem compassadamente.
Nos agradeceram os companheiros brancos, que lá nos receberam, e nos presentearam com a fala de que, com toda certeza, nós, juízes brancos, ao irmos até lá "fizemos história na história deles". Mais lágrimas e legítimas. E foi tocante saber que eles acharam honroso e importante que juízas e um juiz que lá estiveram se fizeram acompanhar por familiares, crianças e filhos. E tudo ficou tão familiar, tão igual, tão brasil profundo de brancos e índios... Um alento, para todos, e em especial para aqueles que lá, guerreiros bravios, lutam em prol da causa Guarani; lá, em Mato Grosso do Sul, onde juízes decidem os processos de uma perspectiva tão divorciada da terra e dos humanos valores indígenas, a ponto de entenderem que quando a prova é apenas a "fala do índio", ainda que sejam dezenas deles, alega-se "falta de prova" para por fim ao caso... Afinal, para esse cego olhar da justiça de branco, palavra de índio não vale!
Oxalá outras delegações de juízes se disponham a conhecer esse outro Brasil, de origem, profundo, desconhecido e desprezado. Quiçá outras Doras, Coras e Coralinas surjam por esse país afora e tenham a sensibilidade e coragem de expressar seus sentimentos com relação aos sofrimentos e injustiças sofridas pelos povos primeiros desse “grande país e tão pequeno para nós povos indígenas” (Marçal Guarani em sua fala ao Papa, em 1980).
Egon Heck
Povo Guarani Grande Povo
Cimi 40 anos – início de maio de 2012
http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=6239&action=read
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