Arte & Cultura| 07/12/2009 | Copyleft
Este 4 de dezembro de 2009 é uma data para lembrar. Mais de 12.000 pessoas participaram do cortejo fúnebre após 36 anos do assassinato de Victor Jara em 1973. O crime cometido por militares nos dias que se seguiram ao golpe de Estado de Augusto Pinochet. Victor Jara, um dos mais populares personagens do meio artístico chileno no início da década de 70, também é uma das mais de 3.000 vítimas, entre mortos e desaparecidos, da ditadura de Pinochet. Mais tarde, o Estádio do Chile seria renomeado Estádio Víctor Jara.
Gustavo de Mello
Aqui no sul é necessário disputar com a indiferença uma memória viva do continente americano. Como explicar que ser lúcido é dizer que tantas vezes nos mataram? Cantar que tantas vezes morremos e agora estamos aqui, como cigarras, ressuscitando. O recente funeral do compositor chileno Victor Jara é uma homenagem 36 anos após seu assassinato para que possamos dizer que seguimos cantando.
Este 4 de dezembro de 2009 é uma data para lembrar. Mais de 12.000 pessoas participaram do cortejo fúnebre após 36 anos do assassinato de Victor Jara em 1973. O crime cometido por militares nos dias que se seguiram ao golpe de Estado de Augusto Pinochet.
A viúva do cantor, diretor e versátil artista chileno a época de sua morte, lhe deu sepultura semi-clandestina em setembro de 1973, no Cemitério Geral, acompanhada por duas pessoas. Enterrou o marido em uma sepultura modesta, no mais antigo cemitério de Santiago. Fora do cemitério, a capital dos chilenos vivia sob o medo e as perseguições da ditadura do general Augusto Pinochet. Victor Jara, um dos mais populares personagens do meio artístico chileno no início da década de 70, também é uma das mais de 3.000 vítimas, entre mortos e desaparecidos, da ditadura de Pinochet. Mais tarde, o Estádio do Chile seria renomeado Estádio Víctor Jara.
O cantor popular Victor Jara foi devolvido para a mesma sepultura onde esteve todos esses anos 36. No ataúde de madeira onde repousam os restos mortais de Jara sepultado no dia 18 de Setembro de 1973, a viúva o depositou, mas a diferença é que neste segundo enterro estava cercada pelo carinho popular e por uma multidão que sabia o valor de sua história e que cantou suas canções.
Foi uma marcha mais alegre que um funeral tradicional, sem nenhum incidente e sem a vigilância ostensiva da polícia. A multidão percorreu a pé, lentamente, cerca de 40 quarteirões de distância do cemitério, durante mais de cinco horas sob o sol impiedoso da primavera de Santiago. A homenagem a Victor Jara foi um concerto na voz de milhares de chilenos.
Em junho deste ano o juiz que investiga o assassinato de Jara decidiu exumar os restos mortais do cantor. O ataúde foi restaurado por Amanda, uma das filhas do artista, depois de o corpo de Victor Jara ter sido exumado para ser submetido a uma série de exames. Após a decisão tomada pelo juiz Fuentes Belmar, o Serviço Médico-Legal confirmou que o artista recebeu mais de 30 impactos de bala em todo o corpo.
Ao finalizar as perícias e devolver os restos mortais à viúva, Joan Turner, e às filhas, Manuela e Amanda, elas e a Fundação Victor Jara, que cuidam da memória do cantor, decidiram oferecer o funeral e uma vigília de dois dias, como merecia o autor de Te recordo, Amanda, O Cigarrinho e Manifesto canções antológicas que muitos artistas incorporaram em seus repertórios.
Enquanto o cortejo avançava as pessoas que lotavam as calçadas jogavam cravos vermelhos e rosas no carro fúnebre que, surpreendentemente, não estava na cabeça do cortejo como é costume nos funerais, mas protegido pela multidão no meio do cortejo, como um símbolo da democracia, cercado por uma guarda de honra. Atrás era acompanhado por centenas de coroas de flores empilhadas em um caminhão.
Quando o caixão deixou a Fundação Jara, foi carregado nos ombros de várias pessoas que eram amigos do cantor, incluindo alguns membros do Inti Illimani, um conjunto musical, formado em 1967. Em um edifício no alto de uma varanda do prédio, no centro da cidade onde passava o cortejo fúnebre, um guitarrista começou a acompanhar a multidão que cantava "Te recordo, Amanda, A rua molhada/Correndo à fábrica/Onde trabalhava Manuel./O sorriso largo/A chuva no cabelo/Não importava nada/Você foi ao encontro dele".
(Vídeo em: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16280)
Uma variada e colorida multidão se espalhava por mais de 10 quarteirões. Predominavam os jovens, incluindo grupos de roqueiros, punks, grupos de dança da população mapuche, dançarinos do norte do Chile, organizações de gays, os estudantes, a torcida de Los de Abajo, Universidade do Chile, um dos clubes de futebol mais populares do país, juntamente com ex-presos políticos, representantes de grupos de vitimas e familiares de desaparecidos políticos e ativistas de movimentos sociais.
A entrada ao cemitério acabou com uma cerimônia reservada aos familiares e amigos mais íntimos para testemunhar o momento em que o caixão foi devolvido a sepultura onde estava desde 1973.
Quando o carro fúnebre entrou na sala, os participantes tomaram as mãos e cantaram o hino nacional e, em seguida, se ouviu A Partida de Jara.
Um mar de bandeiras vermelhas com o rosto estampado de Victor cercou a longa procissão, aos gritos de "Justiça. Verdade. Não à impunidade!". O Presidente do Partido Comunista Guillermo Teillier descreveu Victor em seu discurso como um "símbolo de nossa luta, com a mais temida arma, sua guitarra e suas canções." Sua obra continuou, "vai viver para dar esperança (...) com sua música, mil vezes vai prevalecer".
Uma das participantes foi a ministra da Cultura, Paulina Urrutia, o candidato presidencial da coligação que é liderada pelo Partido Comunista (PC), o ex-ministro Jorge Arrate, um socialista que teve de se desfiliar ao seu partido para concorrer as eleições presidenciais de 13 de dezembro de 2009.
Muitos participantes ficaram até o final do enterro. Para Hector Torres, que é integrante do conjunto que interpreta músicas folclóricas conhecido pelo nome de Umbral, formado por amigos que desde os tempos da ditadura interpretam canções de Jara em dezenas de concertos em bairros operários, disse que "Victor é maior do que sua própria morte. Suas canções têm resistido ao teste do tempo. Como cantor tinha um timbre de voz muito bonita e uma tessitura agradável capaz de momentos únicos, que permitiam algo que é muito difícil, ir de notas altas às mais baixas.
O diretor de um centro cultural, que viajou 500 km para assistir ao funeral, disse: "Nós devíamos este ato ao Victor. Tínhamos o dever moral de fazê-lo, era uma dívida que o povo tinha com ele." "Creio que Víctor Jara está por aqui, conosco (…) continua a viver e a lutar conosco por um mundo melhor", disse a viúva do cantor, a britânica Joan Turner.
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