Esquivel ganhou o Nobel da Paz
A comunidade internacional, os governos e povos latinoamericanos não podem dar seu aval às eleições imorais e ilegítimas realizadas no dia 29 de novembro, em Honduras.
O governo dos Estados Unidos é cúmplice e gestor do golpe de Estado nesse país; um golpe realizado para submeter ao povo e impor políticas de dominação e saqueio na região. O manifesto de apoio do governo de Obama ao chamado às eleições pela ditadura é tentar justificar o injustificável, ocultar e desconhecer a soberania de todo um povo e do presidente Manuel Zelaya que se encontra praticamente encarcerado na Embaixada do Brasil há dois meses, suportando a permanente agressão dos golpistas. Dana profundamente as democracias em todo o continente e a possibilidade de que os Estados Unidos possam construir relações de respeito com seus vizinhos, voltando a ratificar que outros países que não respondam aos interesses dos EUA possam sofrer situações semelhantes.
Não posso deixar de assinalar a lamentável submissão de parte do presidente da Costa Rica, Óscar Arias, aos desígnios do Departamento de Estado dos EUA. Apoiar aos golpistas no chamado às eleições ilegítimas e silenciar ante as violações dos direitos humanos sofridas pelo povo hondurenho jamais pode ser o caminho para a construção da Paz.
Em Honduras, foram detidos o nosso companheiro Gustavo Cabreira, Coordenador Geral do Serviço Paz e Justiça na América Latina e o Pastor Menonita César Cárcamo, integrantes de uma missão de observação internacional das Igrejas. Apesar de que foram libertados, esse fato demonstra que a ditadura hondurenha busca impedir que o mundo saiba a verdade sobre o que acontece no país, ocultando as graves violações aos direitos humanos e, especialmente, as condições repressivas nas quais foram realizadas as passadas eleições.
Com essa farsa eleitoral, pretendem ocultar os verdadeiros motivos do golpe de Estado em Honduras: manter aos povos na miséria e na opressão para que uns poucos possam continuar enriquecendo; inclusive, às custas da própria natureza. Busca contrapor o aumento do salário mínimo e garantir mais lucros para as fábricas montadoras; reabrir o país às concessões mineiras e florestais; expandir as privatizações e os benefícios do livre comércio para as transnacionais dos Estados Unidos e da Europa; evitar acordos solidários com países latinoamericanos; reverter a entrada de Honduras a Alba; aprofundar e amarrar o país de acordo com seus interesses econômicos, políticos e militares.
Volto a assinalar que o golpe de Estado em Honduras é um golpe contra os povos de toda a região. Impor eleições sem primeiro restituir a ordem constitucional e o legítimo governo do presidente Manuel Zelaya não pode ser feito sem o acordo e a cumplicidade do Departamento de Estado dos EUA, do Pentágono e da CIA. Juntamente com a imposição dos grandes projetos de infraestrutura para o saqueio, como o Plano Puebla-Panamá, em Mesoamérica, e o IIRSA, aqui no Sul; a remilitarização do continente, com as sete novas bases militares estadunidenses na Colômbia e outras mais sendo propostas em países como o Panamá e o Peru, a presença militar dos EUA na Tríplice Fronteira (Paraguai, Brasil e Argentina); e a IV Frota nos mares do Sul, entre outras políticas, coloca em evidência que os mecanismos de dominação estão em funcionamento.
Não acabaram as ditaduras militares impostas no continente através da Doutrina de Segurança Nacional, apesar de terem representado um alto custo em vidas humanas (com milhares de mortos, torturados, presos e desaparecidos e com a destruição da capacidade produtiva dos povos); nem tampouco a sangria neoliberal provocada pelo endividamento ilegítimo, pelos consequentes ajustes estruturais, pelas privatizações e pela desregulamentação.
Os grandes meios de comunicação, verdadeiros monopólios a serviço dos interesses de dominação impostos, desatam campanhas nacionais e internacionais contra governos que têm pensamento próprio e buscam a independência e soberania de seus povos. Se seu bombardeio cultural e os golpes de mercado não alcançam, então vem a agressão e as tentativas de golpe de Estado por parte da CIA e do Departamento de Estado dos Estados Unidos, como aconteceu na Venezuela, na Bolívia e a agressão contra o Equador por parte da Colômbia.
No entanto, está claro que o caminho eleito pelos golpistas não pode prosperar. O povo de Honduras está em pé para defender sua liberdade e seus direitos; depois de 154 dias de resistência não-violenta nas ruas e povoados em todo o país, hoje se mobilizaram às suas casas, dando uma digna e inequívoca resposta à fraudulenta convocatória eleitoral. São muitos os governos do continente e do mundo inteiro que se negaram a reconhecer o governo golpista e ratificaram seu desconhecimento dessas eleições.
Reclamamos aos demais governos da região, aos organismos internacionais como a Organização dos Estados Americanos (OEA), a Organização das Nações Unidas (ONU), ao parlamento Europeu, a União Europeia, desconhecer também essa tentativa de branqueamento do golpe de Estado. Temos que insistir no restabelecimento da ordem constitucional e na restituição do presidente Zelaya e a suspensão de qualquer forma de apoio financeiro, comercial ou militar enquanto isso não aconteça.
Chamamos aos organismos de direitos humanos, sociais, culturais e religiosos a assumir solidariamente a defesa da soberania e do Estado de Direito do povo hondurenho, rechaçando qualquer cumplicidade que pretenda impedir o exercício democrático.
A Paz é o fruto da Justiça; não há outro caminho possível. Por isso, também é necessário escutar a voz do povo hondurenho que continua chamando à realização de uma Assembleia Constituinte Nacional para refundar o país sobre bases de igualdade e inclusão. Somente assim será possível governar.
Adolfo Pérez Esquivel é escritor, Prêmio Nobel da Paz.
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