América Latina - 1 de Outubro de 2009 - 0h20
"Pode-se fazer qualquer tudo com as baionetas, exceto sentar-se sobre elas". Por ignorar essa frase de Napoleão Bonaparte, Roberto Micheletti, inquilino da Casa Presidencial de Honduras desde o golpe de 28 de junho, isola-se não só do Brasil, da OEA e da ONU, mas do Parlamento Hondurenho, do Tribunal Supremo Eleitoral, dos candidatos presidenciais, dos empresários, da Igreja e até do general Romeo Vásquez, o homem que deu o golpe. Por isso já começou a balançar.
Por Bernardo Joffily
Micheletti: os males de ignorar Napoleão
A frase provavelmente não é de autoria de Napoleão – que provavelmente tomou-a de empréstimo de Talleyrand (1754-1838). Mas é uma santa verdade, comprovada pela trajetória de todas as ditaduras latino-americanas do século passado.
Podia ter dado certo até o dia 21
É sempre arriscado adiantar previsões. Mais ainda numa situação tão conflituosa e instável, em um país com peculiaridades bem distintas dos seus vizinhos El Salvador, Nicarágua e Guatemala. Mas há momentos em que um jornalista, mesmo correndo o risco de morder a língua, tem o dever de ofício de tentar se adiantar aos fatos. Os fatos apontam para um diálogo entre golpistas e zelaystas que já começou, apesar de Micheletti, e tende inexoravelmente a atropelar o aprendiz de ditador.
A estratégia micheletista consistia em segurar as pontas, reprimir a Resistência, fazer as eleições de 29 de novembro sob seu controle e entregar ao sucessor "eleito" o abacaxi de um regime que não é reconhecido por nenhum dos 192 países do mundo. Poderia ter dado certo... até o 21 de Setembro.
Mas o retorno do presidente Manuel Zelaya, e o abrigo que este encontrou na embaixada brasileira, mudaram esse cenário. E o próprio 'Goriletti', como dizem os hondurenhos, à sua maneira, ajudou. Com a escalada de medidas ditatoriais do último fim de semana, começando com o ultimato de dez dias ao Brasil e culminando com a decretação do estado de sítio, quis "sentar-se sobre as baionetas".
Tapete vermelho para a OEA no dia 7
Com isso, o campo do golpismo fragmentou-se – outro processo clássico no crepúsculo de ditaduras em Nuestra America. Por enquanto, os atores citados no primeiro parágrafo manifestam sua discordância do estado de sítio, enquanto pronunciam-se pelo (e praticam o) diálogo com o campo de Zelaya.
O cenário mais provável é que a missão da Organização dos Estados Americanos que desembarcará em Tegucigalpa na próxima quarta-feira (4) encontrará um tapete vermelho estendido pelo regime golpista – o mesmo que no sábado expulsou sumariamente quatro diplomatas da OEA encarregados de preparar a visita. E que o 'Acordo de San José', costurado pelo presidente Costarriquenho Oscar Arias.
Em síntese, San José significa: 1) o retorno do presidente Zelaya ao seu cargo, até a conclusão do mandato constitucional, em janeiro que vem; 2) o veto a uma hipotética candidatura de Zelaya a um segundo mandato nas eleições presidenciais de 29 de novembro (pretensão que o presidente deposto aliás nunca assumiu); e 3) anistia geral, como é de praxe em tais processos de pacificação.
95 dias de magnífica Resistência
Não é uma plataforma insurreicional-revolucionária (nem poderia ser, vindo de Arias). Mas também não é uma imposição de "estrangeiros", como tentaram vender os michelettistas – que aliás andam de bola murcha e desistiram da "Marcha em Defesa das Eleições" que estava programada para esta terça-feira. Será, se for, um êxito parcial porém notável do povo hondurenho e sua Resistência.
O movimento popular hondurenho sempre foi visto como incipiente, em comparação com seus vigorosos vizinhos salvadorenhos, nicaraguenses e guatemaltecos. Honduras não tinha forças guerrilheiras, nem partidos ou frentes de esquerda com grande implantação de massas. Mas isso terá que ser revisto.
Noventa e cinco dias de uma magnífica Resistência Nacional contra o Golpe de Estado, ou simplesmente 'A Resistência' transformaram a realidade do movimento popular hondurenho. Não houve um só dia sem protestos, greves, barricadas, denúncias. O retorno do presidente eleito deu novo ânimo e vigor às mobilizações; a multidão que se concentrou diante da embaixada brasileira no primeiro dia foi estimada entre 20 mil e 100 mil pessoas, e só não se repetiu, em escala ampliada, porque foi dispersada pela força.
Ainda há muitas incógnitas por esclarecer na situação hondurenho. A classe dominante local, oligárquica e reacionária, que deu o golpe e empossou Micheletti, agora se distancia dele mas não abdicou de seus interesses. Washington, antes tarde do que nunca suspenderam a ajuda não humanitária ao país, mas permanece com um discurso cheio de ambiguidades. E Micheletti, mesmo isolado, permanece no poder. Porém há motivos para avaliar que a ditadura micheletista, aos três meses de idade, já está em seu ocaso. E o movimento popular, que segurou 'a Resistência' mesmo nos piores dias e com Zelaya no exílio, tem tudo para conquistar um novo protagonismo – conforme outra lei geral das experiências ditatoriais latino-americanas.
Podia ter dado certo até o dia 21
É sempre arriscado adiantar previsões. Mais ainda numa situação tão conflituosa e instável, em um país com peculiaridades bem distintas dos seus vizinhos El Salvador, Nicarágua e Guatemala. Mas há momentos em que um jornalista, mesmo correndo o risco de morder a língua, tem o dever de ofício de tentar se adiantar aos fatos. Os fatos apontam para um diálogo entre golpistas e zelaystas que já começou, apesar de Micheletti, e tende inexoravelmente a atropelar o aprendiz de ditador.
A estratégia micheletista consistia em segurar as pontas, reprimir a Resistência, fazer as eleições de 29 de novembro sob seu controle e entregar ao sucessor "eleito" o abacaxi de um regime que não é reconhecido por nenhum dos 192 países do mundo. Poderia ter dado certo... até o 21 de Setembro.
Mas o retorno do presidente Manuel Zelaya, e o abrigo que este encontrou na embaixada brasileira, mudaram esse cenário. E o próprio 'Goriletti', como dizem os hondurenhos, à sua maneira, ajudou. Com a escalada de medidas ditatoriais do último fim de semana, começando com o ultimato de dez dias ao Brasil e culminando com a decretação do estado de sítio, quis "sentar-se sobre as baionetas".
Tapete vermelho para a OEA no dia 7
Com isso, o campo do golpismo fragmentou-se – outro processo clássico no crepúsculo de ditaduras em Nuestra America. Por enquanto, os atores citados no primeiro parágrafo manifestam sua discordância do estado de sítio, enquanto pronunciam-se pelo (e praticam o) diálogo com o campo de Zelaya.
O cenário mais provável é que a missão da Organização dos Estados Americanos que desembarcará em Tegucigalpa na próxima quarta-feira (4) encontrará um tapete vermelho estendido pelo regime golpista – o mesmo que no sábado expulsou sumariamente quatro diplomatas da OEA encarregados de preparar a visita. E que o 'Acordo de San José', costurado pelo presidente Costarriquenho Oscar Arias.
Em síntese, San José significa: 1) o retorno do presidente Zelaya ao seu cargo, até a conclusão do mandato constitucional, em janeiro que vem; 2) o veto a uma hipotética candidatura de Zelaya a um segundo mandato nas eleições presidenciais de 29 de novembro (pretensão que o presidente deposto aliás nunca assumiu); e 3) anistia geral, como é de praxe em tais processos de pacificação.
95 dias de magnífica Resistência
Não é uma plataforma insurreicional-revolucionária (nem poderia ser, vindo de Arias). Mas também não é uma imposição de "estrangeiros", como tentaram vender os michelettistas – que aliás andam de bola murcha e desistiram da "Marcha em Defesa das Eleições" que estava programada para esta terça-feira. Será, se for, um êxito parcial porém notável do povo hondurenho e sua Resistência.
O movimento popular hondurenho sempre foi visto como incipiente, em comparação com seus vigorosos vizinhos salvadorenhos, nicaraguenses e guatemaltecos. Honduras não tinha forças guerrilheiras, nem partidos ou frentes de esquerda com grande implantação de massas. Mas isso terá que ser revisto.
Noventa e cinco dias de uma magnífica Resistência Nacional contra o Golpe de Estado, ou simplesmente 'A Resistência' transformaram a realidade do movimento popular hondurenho. Não houve um só dia sem protestos, greves, barricadas, denúncias. O retorno do presidente eleito deu novo ânimo e vigor às mobilizações; a multidão que se concentrou diante da embaixada brasileira no primeiro dia foi estimada entre 20 mil e 100 mil pessoas, e só não se repetiu, em escala ampliada, porque foi dispersada pela força.
Ainda há muitas incógnitas por esclarecer na situação hondurenho. A classe dominante local, oligárquica e reacionária, que deu o golpe e empossou Micheletti, agora se distancia dele mas não abdicou de seus interesses. Washington, antes tarde do que nunca suspenderam a ajuda não humanitária ao país, mas permanece com um discurso cheio de ambiguidades. E Micheletti, mesmo isolado, permanece no poder. Porém há motivos para avaliar que a ditadura micheletista, aos três meses de idade, já está em seu ocaso. E o movimento popular, que segurou 'a Resistência' mesmo nos piores dias e com Zelaya no exílio, tem tudo para conquistar um novo protagonismo – conforme outra lei geral das experiências ditatoriais latino-americanas.
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