09/10/2009
Para um governo que pretende combater as injustiças sociais de que ainda somos os campeões mundiais, apesar das significativas melhorias no governo atual -, a reforma tributária é questão central. O governo não é um produtor de riquezas. Para dispor de recursos para políticas sociais, para induzir o crescimento econômico, para qualificar os serviços do Estado, depende da arrecadação de impostos. Quando perde o debate sobre a reforma fiscal ou não dá o debate sobre ela , um governo fica acuado para desenvolver políticas que diminuam os efeitos concentradores de renda e expropriadores de direitos do mercado.
No entanto, a esquerda não assume a importância do tema e se deixa levar, via de regra, por armadilhas que se tornaram elementos consensuais na opinião pública e que inviabilizam o papel histórico do Estado de transferir recursos dos setores mais ricos aos mais pobres, minorando as desigualdades sociais.
A primeira armadilha é a que propaga que quanto menos imposto o Estado cobra, melhor para cada uma das pessoas. Acena-se com a proporção dos impostos no PIB, alerta-se contra o papel expropriador do Estado, alega-se que se está tirando não sei quantos dias ao mês do cidadão para fomentar gastos implícita ou explicitamente caracterizados como desperdícios.
Uma vez o Estado caracterizado como problema e não como solução visão inerente ao neoliberalismo, que vem de Reagan e Thatcher, para ser incorporada por quase todas as forças políticas, ansiosas por ganhar o apoio, especialmente da classe média, que se sente vítima das tributações -, abre-se o campo para a linha de defesa contra políticas tributárias.
O Brasil, com o caudal de desigualdades acumuladas, possui um sistema tributário regressivo que, em lugar de redistribuir renda, contribui para sua concentração. As grandes empresas, mais particularmente até as do sistema bancário e financeiro, mas todas elas em seu conjunto, pagam pouco ou quase nada de impostos. (A mais bem remunera profissão no campo do direito é o direito tributário, que se resume nas artimanhas para burlar o fisco.) É a cidadania em geral que paga impostos e fornece ao Estado grande parte da sua arrecadação, descaracterizando já a idéia de que a tributação devesse servir para transferir renda de quem tem mais para quem tem menos.
Por outro lado, a maior parte da tributação vem dos impostos indiretos e não dos diretos. Isto é, ao tributar igualmente a todos pelo consumo, por exemplo, da cerveja, o Estado está tornando iguais os que são sumamente desiguais, fazendo com que todos paguem os mesmos impostos no consumo, independentemente do seu nível de renda. Os impostos à riqueza, incluído aquele à herança são irrisórios, enquanto os que atingem a massa da população tendem a ser implacáveis.
Além disso, tende-se a aceitar que seria difícil ou quase impossível promover a transparência do orçamento mecanismo pelo qual ficaria claro que os pobres e o conjunto da cidadania são fonte de transferência de recursos para que o Estado pague suas dívidas ao capital financeiro, através do superávit fiscal -, alegando-se que os orçamentos seriam fictícios, porque só sua execução final permitiria compreende realmente seus mecanismos e outros argumentos supostamente técnicos, que pretendem tirar do olhar da cidadania e dos movimentos populares organizados, a possibilidade de controle social sobre o Estado.
Mas o argumento de fundo, que permite toda essa injustiça fiscal é a criminalização do Estado, que só serviria para tungar os cidadãos, não fornecendo serviços de qualidade como contrapartida. Tudo o que se deve esperar do Estado viria recortar direitos e renda dos cidadãos. O candidato que promete baixar os impostos, tende a se tornar líder das pesquisas eleitorais. Por sua vez, as isenções fiscais fazem com que o Estado arrecada metade do que deveria. Todos querem pagar menos, não importa que tipo de dessolidarização sociais implementa, que tipos de direitos estão sento recortados com isenções e sonegações fiscais.
A Lei Rouanet é dos tantos exemplos disso. Ao invés de pagar impostos e usar parte dos seus lucros para o trabalho de marketing das empresas, se deixa de fazer o primeiro, usando esses recursos para promover o nome da empresa. Enquanto isso o Ministério da Cultura luta, até aqui infrutiferamente, para que seu orçamento chegue a 1%, para dispor de mais recursos para promover políticas publicas de cultura. As empresas, por sua vez, tendem a financiar eventos culturais de duvidoso nível artístico tantas vezes comedinhas erótico-sentimentais com um casalzinho que faz simultaneamente novelas na televisão -, em detrimento do apoio a outros, de qualidade cultural, que o governo poderia e deveria fomentar.
Tudo isso alimenta a crise fiscal do Estado, que fica dependendo do ritmo de crescimento econômico e dos impostos, em geral pagos pelos que vivem da renda do trabalho e não dos que vivem dos lucros do capital para poder dispor de recursos que alimentem sua função essencial de promover a justiça social.
Discutir reforma tributária no Brasil incita os grandes empresários a esfregar as mãos de excitação, achando que vão pagar ainda menos impostos. O governo, na sua era Palocci, perdeu a oportunidade de fazer a reforma fiscal socialmente justa que o Brasil precisa, aprovando um engendro entre tributação nacional, estadual e municipal, que nada muda no quadro de injustiça no país e de dificuldades financeiras dos governos para atacar a desigualdade social principal lacra que ainda se abate sobre nós.
Devemos lutar para que o tema da reforma tributária esteja no centro dos debates da campanha presidencial, intrinsecamente associado ao do papel do Estado e ao das políticas sociais. Se não os ministros da economia tenderão a brecar as políticas sociais, brandindo o argumento de que "seria justo, mas não há recursos".
A solução desse nó deveria vir das políticas de orçamento participativo, que permitem à cidadania perceber claramente quem paga e quem recebe recursos do Estado, que função de repasse, de que setor social para que outro, está desempenhando o Estado. Se está minorando as desigualdades sociais, fazendo com que quem tem mais pague mais, para diminuir as carências da massa da população, ou se está se somando à financeirização da economia, transferindo, via tributação, recursos do mundo do trabalho para o mundo da especulação.
Postado por Emir Sader às 04:40
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