O campo ideológico das entidades que representam os proprietários de terra está unido em torno de um ponto: Barrar a revisão dos índices de produtividade rural, mantendo os dados defasados do IBGE, que datam de 1975, como parâmetro para as desapropriações. A iniciativa é tão clara que só uma cobertura midiática enviesada pode ocultar sua real intenção: bloquear qualquer possibilidade de reforma agrária.
A CPI do MST no Congresso é a resposta dos setores mais reacionários da sociedade brasileira a uma conjuntura política que, ao contrário das anteriores, facilita o processo de emancipação dos trabalhadores rurais da tutela do proprietário da terra, permitindo-se pensar em projetos de democracia moderna no Brasil.
É importante lembrar que apesar de a repressão no campo não ter recuado – em alguns casos até houve agravamento – o aumento do espaço do debate político favorece o atendimento de demandas legítimas de movimentos sociais que, desde os anos 1980, se organizam pelas bases, assumindo um protagonismo salutar. Assim, como força reativa, o esforço de criminalização do MST obedece a um antigo procedimento ideológico, precisamente diagnosticado pelo sociólogo José de Souza Martins:
"demonstrar que a causa eficiente dos conflitos e lutas pela terra está na ação dos grupos e partidos comprometidos com a tese da reforma agrária", ocultando a violência do próprio capital, dos grileiros que, tal como a Cutrale, recebem incentivos financeiros e econômicos.
Caiado e Kátia Abreu, entre outros representantes do atraso, sentem saudades de antigos pactos políticos, pelos quais a burguesia (nacional e estrangeira), através de ampla aliança com diversificados setores civis e militares, atualizava seu modelo de desenvolvimento, mantendo as classes subalternas em seu lugar. Convém lembrar que não só os trabalhadores rurais foram atingidos pela política de extermínio desse bloco de poder. Também os povos indígenas se defrontaram com essa frente capitalista de destruição humana que teve (e tem) amplitude nacional.
Não devemos esquecer que a UDR de Ronaldo Caiado fez sucesso junto aos grandes e pequenos proprietários defendendo a propriedade da terra em si. Seus métodos políticos sempre primaram pela clareza e truculência. Em 1987, realizou um leilão de dez mil cabeças de gado de corte e reprodutores, e cavalos da raça manga-larga com o objetivo de mostrar aos constituintes a força do latifúndio, evitando que a Reforma Agrária fosse aprovada pelo plenário. Entre os que não concordaram com seus métodos, comentou-se, à época, que Caiado desestabilizou lideranças de cooperativas em todo o país para eleger pessoas ligadas à UDR.
Há quem acredite que os protagonistas da decantada "modernidade rural" teriam trocado o radicalismo da União Democrática Ruralista pelo diálogo em busca de resultados. Em artigo publicado aqui mesmo, em 8 de março de 2006, Maurício Hashizume apresentou os resultados da "dialogicidade" dos donos da terra:
"Nos últimos 20 anos, 1,5 mil lideranças de trabalhadores rurais foram mortas em conflitos no campo, de acordo com números da Contag. Desse total somente 76 casos foram julgados e apenas em 16 deles houve condenação."
No plano institucional o cenário não é alentador. Os planos do governo para controlar a CPI do MST devem esbarrar na capilaridade dos interesses rurais em diversas bancadas. Hoje, "para neutralizar os avanços da esquerda", ruralistas e industriais estão unidos em diversas partidos, alguns da base aliada. O braço parlamentar do extermínio deve mostrar sua força nas críticas aos sem-terra e ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Aos que acenavam com voluntarismo sobre a política de alianças, esses dados devem levar a uma inflexão.
É hora da parcela progressista da sociedade civil reabrir as portas da história para que esse processo não tenha continuidade. De um lado estão trabalhadores assalariados, posseiros e integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) como vítimas de toda sorte de violência. De outro, os mandantes, atores vinculados à produção em grandes propriedades, representando os interesses de sua classe. E é na fria lâmina dessa dialética que devemos intervir com firmeza e precisão.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior, colaborador do Correio do Brasil e do Jornal do Brasil.
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