QUINTA-FEIRA, 29 DE JANEIRO DE 2009
Cesare Battisti - "Por que tudo isso comigo?"
Em entrevista à ISTOÉ, Cesare Battisti fala de comunismo, guerrilha, arrependimento, inimigos, erros, perseguições e fugas
Por Luiza Villaméa
ISTOÉ - Como é ser o pivô de uma crise entre o Brasil e a Itália?
Cesare Battisti - Eu, sinceramente, não acredito que tudo isso esteja acontecendo.É enorme, é exagerado. Eu não sou essa pessoa tão importante. Sou um dos milhares de militantes italianos dos anos 1970. Sou um das centenas de militantes que se refugiaram no mundo inteiro, fugindo dos anos de chumbo da Itália. Por que tudo isso comigo?
ISTOÉ -O sr. teme que o Brasil volte atrás, por causa da reação forte da Itália?
Battisti - Não. A decisão do ministro Tarso Genro é bem fundamentada. Ele analisou todos os documentos. Não foi uma leitura superficial. E a perseguição política está provada nos documentos.Acho que o gesto do ministro Genro foi de coragem e de humanidade. A decisão é muito importante não só para mim, Cesare Battisti, mas para a humanidade. A Itália precisa reler a própria história. Nós estamos dando à nação italiana a possibilidade de reler sua história com serenidade, humanamente.
Por Luiza Villaméa
ISTOÉ - Como é ser o pivô de uma crise entre o Brasil e a Itália?
Cesare Battisti - Eu, sinceramente, não acredito que tudo isso esteja acontecendo.É enorme, é exagerado. Eu não sou essa pessoa tão importante. Sou um dos milhares de militantes italianos dos anos 1970. Sou um das centenas de militantes que se refugiaram no mundo inteiro, fugindo dos anos de chumbo da Itália. Por que tudo isso comigo?
ISTOÉ -O sr. teme que o Brasil volte atrás, por causa da reação forte da Itália?
Battisti - Não. A decisão do ministro Tarso Genro é bem fundamentada. Ele analisou todos os documentos. Não foi uma leitura superficial. E a perseguição política está provada nos documentos.Acho que o gesto do ministro Genro foi de coragem e de humanidade. A decisão é muito importante não só para mim, Cesare Battisti, mas para a humanidade. A Itália precisa reler a própria história. Nós estamos dando à nação italiana a possibilidade de reler sua história com serenidade, humanamente.
ISTOÉ - Junto com a reação italiana, reapareceu um antigo companheiro seu, Pietro Mutti, dizendo que o sr. participou da morte de um joalheiro e de um policial. O sr. matou estas pessoas?
Battisti - De jeito nenhum. Está muito longe da realidade. Na época desses assassinatos eu nem fazia mais parte dos PAC.
ISTOÉ - O sr. matou alguém?
Battisti - Eu nunca matei ninguém. Eu nunca fui um militante militar em nenhuma organização. Nem na Frente Ampla nem nos PAC, onde fiquei dois anos, entre 1976 e 1978. Saí dos PAC em maio de 1978, depois da morte de Aldo Moro (o ex-primeiro-ministro da Itália sequestrado e morto pelas Brigadas Vermelhas). Na época, milhares de militantes abandonaram os movimentos de luta armada. Foi um momento de debate muito importante na Itália.
ISTOÉ - O sr. repetiria que não matou ninguém na frente de Alberto, o filho do joalheiro Pierluigi Torregiani, que está na cadeira de rodas em consequência de um atentados dos PAC? Ele faz parte da campanha contra o sr. na Itália.
Battisti - É lamentável o que está fazendo o Alberto Torregiani. Ele sabe que eu não tenho nada a ver com isso. Porque eu já troquei muitas cartas com ele. Uma correspondência de amizade, de sinceridade e de respeito. Mas o Alberto Torregiani sofre pressão por parte do governo italiano porque ele, depois de tantos anos de luta, coitado, conseguiu uma aposentadoria como vítima do terrorismo. Desde 2004, tem uma pensão como vítima dos anos de chumbo na Itália. Eles estão fazendo pressão, já que podem tirar a pensão dele.
ISTOÉ - Por que o sr. entrou em contato com Alberto Torregiani?
Battisti - Sempre me sensibilizei com a situação do Alberto. Ele era um adolescente na época do atentado. Ao reagir ao ataque, o pai acabou acertando o filho, que ficou paraplégico.
ISTOÉ - E o Pietro Mutti, como o sr. entende a manifestação dele, depois de anos de silêncio?
Battisti - Ele repetiu, palavra por palavra, o que falou para o procurador Armando Spataro, em 1981. E, como outros "arrependidos", ele havia falado sob tortura. Agora, não posso afirmar que ele não foi ressuscitado pela máquina do governo italiano. Mas, mesmo se ele tiver reaparecido de verdade, ele não poderia fazer outra coisa senão repetir exatamente o que exige o procurador conhecido por ter chefiado o esquema de tortura na região de Milão. Naquela época, a tortura fazia parte do cotidiano da Itália. A Itália tem de reconhecer isso. Mas não pode. Porque a Itália é Europa. E a Itália não pode admitir que nos anos 1970 viveu uma guerra civil.
ISTOÉ - Mas era uma democracia. Não era uma ditadura.
Battisti - Havia uma democracia na qual a máfia estava no poder. Nós temos um primeiro-ministro que ficou décadas no poder e foi condenado por ser mafioso. Estou falando de Giulio Andreotti (líder do Partido Democrata-Cristão italiano, primeiro-ministro nos períodos de 1972-1973, 1976-1979 e 1989-1992). Havia também os fascistas, que nunca foram afastados do poder. E hoje, infelizmente, voltaram.
ISTOÉ - O que sobrou da militância?
Battisti - Eu continuo sendo um comunista de verdade, não no sentido partidário. As minhas ideias não mudaram. Continuo pensando que tem muita injustiça social, que a humanidade tem ainda muito a fazer para se desenvolver. Minha maneira de intervir nisso é através da escrita, do voluntariado. Na França, dei cursos de escrita para presos, ajudei a montar bibliotecas em comunidades carentes. Por meio dessas atividades, eu continuo minha militância.
ISTOÉ - Como encara a decisão final que está para sair do Supremo?
Battisti - O Brasil me concedeu meu refúgio político. O procurador-geral da República deu parecer favorável ao refúgio. Acho que o Supremo irá na mesma direção, que já tomou em outros casos.
ISTOÉ - O sr. está tranquilo ou ansioso?
Battisti - Não estou tranquilo porque a pressão é enorme. Está arrebentando comigo. As notícias, a mídia, eu não estou preparado para isso. Agora, uma coisa me surpreende de um lado: porque essa mídia que está fazendo todo esse barulho não se pergunta por que há essa reação exagerada da Itália. Essa histeria da Itália. Por que está acontecendo comigo? Por que o presidente e os ministros italianos estão reagindo dessa maneira pessoal?
ISTOÉ - Por que o sr. demorou 16 anos para falar que não matou ninguém?
Battisti - Porque os outros que confessaram, disseram que tinham matado de verdade. Se eu me defendesse, me diferenciaria e abriria uma brecha na doutrina Mitterrand, que impunha a mesma defesa para todos. Nada de sustentações individuais, como inocência, revelia, como alegações pessoais. Eu obedeço a essa norma de conduta. Em nenhuma das etapas desse processo reivindico a inocência. Fiz um documentário sobre os anos de chumbo na Itália e essa é a causa da vingança dos poderosos políticos italianos. Eu não posso me separar. Para dizer que sou inocente, tenho que renunciar a defesa dos advogados. Fiz procuração para outro advogado, que está me defendendo na França, para poder dizer, agora alto, que não matei ninguém e fui condenado à revelia. Para isso, tive de sair da defesa coletiva.
ISTOÉ - E por isso não foi feita essa defesa pontual?
Battisti - Exato. Acho que a Itália mente. O governo italiano está mentindo. A mídia italiana, em sua maioria, pertence ao Berlusconi. Estão mentindo. Pessoas estão manipulando, ou estão deixando manipular. Nunca fui ouvido pela Justiça italiana sobre esses quatro homicídios. Nunca. Não existe. Não fui ouvido nenhuma vez num inquérito, na fase de instrução.
Battisti - De jeito nenhum. Está muito longe da realidade. Na época desses assassinatos eu nem fazia mais parte dos PAC.
ISTOÉ - O sr. matou alguém?
Battisti - Eu nunca matei ninguém. Eu nunca fui um militante militar em nenhuma organização. Nem na Frente Ampla nem nos PAC, onde fiquei dois anos, entre 1976 e 1978. Saí dos PAC em maio de 1978, depois da morte de Aldo Moro (o ex-primeiro-ministro da Itália sequestrado e morto pelas Brigadas Vermelhas). Na época, milhares de militantes abandonaram os movimentos de luta armada. Foi um momento de debate muito importante na Itália.
ISTOÉ - O sr. repetiria que não matou ninguém na frente de Alberto, o filho do joalheiro Pierluigi Torregiani, que está na cadeira de rodas em consequência de um atentados dos PAC? Ele faz parte da campanha contra o sr. na Itália.
Battisti - É lamentável o que está fazendo o Alberto Torregiani. Ele sabe que eu não tenho nada a ver com isso. Porque eu já troquei muitas cartas com ele. Uma correspondência de amizade, de sinceridade e de respeito. Mas o Alberto Torregiani sofre pressão por parte do governo italiano porque ele, depois de tantos anos de luta, coitado, conseguiu uma aposentadoria como vítima do terrorismo. Desde 2004, tem uma pensão como vítima dos anos de chumbo na Itália. Eles estão fazendo pressão, já que podem tirar a pensão dele.
ISTOÉ - Por que o sr. entrou em contato com Alberto Torregiani?
Battisti - Sempre me sensibilizei com a situação do Alberto. Ele era um adolescente na época do atentado. Ao reagir ao ataque, o pai acabou acertando o filho, que ficou paraplégico.
ISTOÉ - E o Pietro Mutti, como o sr. entende a manifestação dele, depois de anos de silêncio?
Battisti - Ele repetiu, palavra por palavra, o que falou para o procurador Armando Spataro, em 1981. E, como outros "arrependidos", ele havia falado sob tortura. Agora, não posso afirmar que ele não foi ressuscitado pela máquina do governo italiano. Mas, mesmo se ele tiver reaparecido de verdade, ele não poderia fazer outra coisa senão repetir exatamente o que exige o procurador conhecido por ter chefiado o esquema de tortura na região de Milão. Naquela época, a tortura fazia parte do cotidiano da Itália. A Itália tem de reconhecer isso. Mas não pode. Porque a Itália é Europa. E a Itália não pode admitir que nos anos 1970 viveu uma guerra civil.
ISTOÉ - Mas era uma democracia. Não era uma ditadura.
Battisti - Havia uma democracia na qual a máfia estava no poder. Nós temos um primeiro-ministro que ficou décadas no poder e foi condenado por ser mafioso. Estou falando de Giulio Andreotti (líder do Partido Democrata-Cristão italiano, primeiro-ministro nos períodos de 1972-1973, 1976-1979 e 1989-1992). Havia também os fascistas, que nunca foram afastados do poder. E hoje, infelizmente, voltaram.
ISTOÉ - O que sobrou da militância?
Battisti - Eu continuo sendo um comunista de verdade, não no sentido partidário. As minhas ideias não mudaram. Continuo pensando que tem muita injustiça social, que a humanidade tem ainda muito a fazer para se desenvolver. Minha maneira de intervir nisso é através da escrita, do voluntariado. Na França, dei cursos de escrita para presos, ajudei a montar bibliotecas em comunidades carentes. Por meio dessas atividades, eu continuo minha militância.
ISTOÉ - Como encara a decisão final que está para sair do Supremo?
Battisti - O Brasil me concedeu meu refúgio político. O procurador-geral da República deu parecer favorável ao refúgio. Acho que o Supremo irá na mesma direção, que já tomou em outros casos.
ISTOÉ - O sr. está tranquilo ou ansioso?
Battisti - Não estou tranquilo porque a pressão é enorme. Está arrebentando comigo. As notícias, a mídia, eu não estou preparado para isso. Agora, uma coisa me surpreende de um lado: porque essa mídia que está fazendo todo esse barulho não se pergunta por que há essa reação exagerada da Itália. Essa histeria da Itália. Por que está acontecendo comigo? Por que o presidente e os ministros italianos estão reagindo dessa maneira pessoal?
ISTOÉ - Por que o sr. demorou 16 anos para falar que não matou ninguém?
Battisti - Porque os outros que confessaram, disseram que tinham matado de verdade. Se eu me defendesse, me diferenciaria e abriria uma brecha na doutrina Mitterrand, que impunha a mesma defesa para todos. Nada de sustentações individuais, como inocência, revelia, como alegações pessoais. Eu obedeço a essa norma de conduta. Em nenhuma das etapas desse processo reivindico a inocência. Fiz um documentário sobre os anos de chumbo na Itália e essa é a causa da vingança dos poderosos políticos italianos. Eu não posso me separar. Para dizer que sou inocente, tenho que renunciar a defesa dos advogados. Fiz procuração para outro advogado, que está me defendendo na França, para poder dizer, agora alto, que não matei ninguém e fui condenado à revelia. Para isso, tive de sair da defesa coletiva.
ISTOÉ - E por isso não foi feita essa defesa pontual?
Battisti - Exato. Acho que a Itália mente. O governo italiano está mentindo. A mídia italiana, em sua maioria, pertence ao Berlusconi. Estão mentindo. Pessoas estão manipulando, ou estão deixando manipular. Nunca fui ouvido pela Justiça italiana sobre esses quatro homicídios. Nunca. Não existe. Não fui ouvido nenhuma vez num inquérito, na fase de instrução.
Veja o restante da entrevista acessando o blog Defesa do Trabalhador: http://defesadotrabalhador.blogspot.com/
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