Venezuela. Socialismo sem luta armada. Revolução pacífica. É agora ou nunca!!! – Por Afrânio Silva Jardim
Por Afrânio Silva Jardim – 22/08/2017
As categorias marxistas podem ser consideradas como uma verdadeira "lente de aumento", que nos habilita a ver, mais claramente, aquilo que se encontra oculto, ou seja, aquilo que está por trás das aparentes verdades, difundidas pelas classes privilegiadas de uma sociedade, mediante dissimulações de sua imprensa.
Dizendo de outra maneira:
O método dialético materialista e as categorias marxistas são instrumentos teóricos, adequados e pertinentes, que nos habilitam a compreender melhor o que se oculta por trás da estrutura de uma sociedade dividida em classes, o que nem sempre é percebido por aqueles que têm uma consciência ingênua ou absorveram ideologia desta classe privilegiada.
Ainda, de outra forma, mais resumida:
A consciência crítica nos permite ver o que está por trás de uma falsa realidade, que jamais é percebida pelas chamadas consciências ingênuas.
Não vou, nesta oportunidade, tratar de temas jurídicos. Não vou tratar da Venezuela dentro da lógica de uma continuidade do sistema jurídico burguês, mas sim em uma perspectiva revolucionária. Meu "local de fala" é o do socialismo democrático, sendo o Direito um meio e não um fim em si mesmo.
Revolução, não necessariamente através da luta armada, pressupõe rupturas e instauração de nova organização econômica da sociedade. Nova estrutura social exige novo Direito que a regule.
Na minha opinião, estamos diante de uma oportunidade rara, até hoje fracassada. A nova Constituição da Venezuela pode organizar a economia, a sociedade e o poder político dentro dos princípios e regras próprias do socialismo.
A correlação de forças sociais dirá se o novo modelo vingará ou não. Acho válida a tentativa, única solução, que agora se apresenta, de criar condições concretas para lograr uma desejada justiça social no país irmão.
Se pensarmos dentro da lógica revolucionária, vamos perceber que a Venezuela já ultrapassou o estágio mais difícil, ou seja, os revolucionários já chegaram ao poder sem necessidade da difícil luta armada. A oportunidade é absolutamente rara e não deve ser desperdiçada.
Na verdade, a mencionada chegada ao poder se deu sem necessidade de uma guerra civil ou de uma guerra de guerrilhas. O "grupo" socialista que hoje governa a Venezuela lá se encontra por escolha popular, através do voto. Salvo engano, foram cinco eleições, consagrando o ex-presidente Chaves e o atual presidente Maduro, consagrando os seus projetos de mudanças das estruturais sociais. Eles nunca esconderam as suas opções pelo socialismo.
Isto permite que, desde este primeiro estágio, o processo revolucionário já possa assumir a natureza socialista e não meramente nacionalista e anti-imperialista, como ocorreu em Cuba.
Assim, a institucionalização do poder revolucionário pode se dar através de um razoável consenso, ficando mais fácil que o sistema político implantado possa "se abrir" mais facilmente para uma verdadeira democracia popular, caso forças externas não a prejudiquem.
A nova ordem jurídica, a ser implementada pela nova Constituição venezuelana, não pode ficar restrita ou manietada pela atual concepção de Estado de Direito. Cabe-lhe instaurar o novo Estado de Direito, que seja realmente democrático, vale dizer, popular. A ruptura é típica do processo revolucionário, no caso, pacífico. Temos de partir de um poder constituinte originário.
Evidentemente, a médio prazo, eventuais "prejuízos sociais", decorrentes do processo revolucionário, serão compensados, com sobras, no futuro, quando se institucionalizar um novo modelo de sociedade, baseada nos valores do socialismo democrático: propriedade coletiva dos bens de produção e estratégicos, igualdade de oportunidades para todos, melhor distribuição de renda, educação popular e gratuita, assistência médica universal e gratuita, previdência social efetiva, enfim, justiça social, vida digna para todos.
Através do socialismo, busca-se uma sociedade lastreada nos valores solidariedade e fraternidade, afastada a ganância, o individualismo, o egoísmo, a competição e a concentração de renda, valores que lastreiam o sistema capitalista.
Para a concretização deste novo modelo de sociedade, se faz necessário um maior distanciamento de tudo que decorre do sistema capitalista e da organização liberal do poder político.
Tudo há de ser novo e voltado para uma efetiva participação popular na condução do poder político, que deve ser retirado do domínio do poder econômico. A riqueza não pode ficar nas mãos de um pequeno grupo de privilegiados.
Estou otimista. Podemos estar vivendo um momento histórico. Julgo que muito depende da firmeza, ousadia e combatividade das forças populares da Venezuela, incluindo aí as suas forças armadas, que têm se mostrado patriotas, legalistas e "simpáticas" à construção de uma sociedade que diminua a distância entre as classes sociais, permitindo "vida digna" para todos.
Importante notar que nada justifica que as forças armadas se coloquem como "garantes" do grande capital. Elas nada têm a perder no socialismo democrático. Parece que, na Venezuela, existe esta aguda percepção.
Em nosso sistema capitalista, o Estado é a expressão política do poder econômico. O grande capital controla as forças políticas em detrimento do interesse da população. Em uma economia socialista, o Estado deve estar voltado para o bem estar do povo em geral, tudo em prol da almejada justiça social.
As forças imperialistas já perceberam a importância desta nova experiência de revolução social de forma pacífica, com apoio popular, e já estão boicotando, de várias formas, este processo e ameaçando-o com nefasta intervenção militar. A democracia e o princípio de não intervenção do Direito Internacional, para eles, só valem quando mantedores de seus interesses econômicos e políticos. Resistir, será preciso.
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Afrânio Silva Jardim é professor associado de Direito Processual Penal da Uerj. Mestre e Livre-Docente de Direito Processual (Uerj). Procurador de Justiça (aposentado) do Ministério Público do E.R.J.
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