"Foi hoje cedo!
Desculpem os possíveis leitores dessa humilde postagem. Mas não posso mais ficar calado, sob o risco de me considerar culpado por omissão. Quero ir já adiantando: não aceitem isso que estou escrevendo aqui, apesar de ser minha opinião e justificar tudo com todo cuidado. Tomem como um "questionamento", uma pergunta que faço a todos meus amigos e amigas.
"Às vezes" eu escuto a rádio Gaúcha, para tentar ver os vários lados. Hoje, dia 23 de junho de 2016, pouco antes das 8hs da manhã, estava escutando o programa liderado pelo Antônio Carlos Macedo quando me apavorei diante de um lance no mínimo CHOCANTE: uma piada que, dizia ele, corria na redação, e que punha no ar... não posso, nem devo, repetir a piada, mas em síntese era sobre uma mulher, governante, supostamente culpada por um mau governo... piada que no mínimo revelava um profundo machismo, além de inconveniente e preconceituosa, sobre tal mulher. A prova de que a piada era inconveniente foi que logo a seguir ele recebe um recado da Deputada Manuela d'Ávila, em que ela dizia achar a piada machista e coisas mais... Então, não fui só eu.
Tudo bem. Mas o que me espantou – e é sobre isso meu comentário – foram as considerações feitas por ele tentando JUSTIFICAR a piada. Discuto isso, pois esse é esse seu ESTILO, SUA PRÁTICA , que não é muito diferente da prática de muitos de nossos "comunicadores" da mídia eletrônica. Entre outras coisas, disse que apenas repetia o que o povo diz, que ele repercute a voz do povo, que se a maioria fala disso, então não há problema que se diga no ar, etc. e termina se mostrando como um pai conselheiro dizendo que a Manuela não deve se estressar com isso, etc. (se alguém conseguir recuperar o áudio, seria ótimo – me mande). Não vou comentar sua postura ética pressuposta na afirmação de que se muita gente diz alguma coisa, isso pode ser repercutido no ar. Gostaria de, a partir desse fato, refletir mais a fundo e tecer algumas considerações que julgo cruciais sobre nossa mídia.
Vou procurar ser bem preciso. Não estou falando aqui da mídia impressa – jornal, revista, livro, etc. Sobre isso o Art. 220, par. 6º diz: "A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade". Cada um escreve o que quer a partir, evidentemente, de uma prática responsável. Estou falando aqui de um meio de comunicação eletrônico, como é a Rádio Gaúcha. Sobre isso o art. 222, par. 3º da Constituição de 1988 diz: "Os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art. 221". E o artigo 221 diz que a produção e programação desses meios devem atender a alguns PRINCÍPIOS, colocando como primeiro a "preferência a finalidades EDUCATIVAS...". Vou ficar apenas aqui, que é o primeiro e fundamental: a comunicação deve ser EDUCATIVA. E educar, na sua essência, é dialogar, é fazer a pergunta para que as pessoas pensem. Não é dar respostas e dizer como as coisas são, ou devem ser. Aqui o ponto central e nevrálgico. E assim deveria ser uma comunicação que fosse educativa, como diz a Constituição. E não digam que isso é utópico. Na Inglaterra, por exemplo, que desde as primeiras décadas do século passado já enfrentava essa preocupação com uma comunicação democrática, e é tida como um exemplo de uma TV e radiodifusão consideradas como as melhores do mundo (a BBC), os âncoras, comentaristas, jornalistas, procuram colocar todas as informações possíveis... mas NÃO SE POSICIONAM! NÃO COLOCAM SUAS OPINIÕES. Dizem tudo o que com seguem descobrir para fazer com que os ouvintes e telespectadores possam FORMEM ELES SUAS OPINIÕES!
Não se espantem com o que escrevo agora: Considero que quem recebeu a concessão de um meio de comunicação eletrônico, não tem permissão, nem o direito, para dizer o que quer. Ele não é "formador de opinião", como arrogantemente alguns se intitulam: isso é usurpação e roubo de um direito! O papel do comunicador eletrônico – comentarista, âncora, etc. – não é "formar opinião". Mas é desempenhar um papel IMPORTANTÍSSIMO E EXTREMAMENTE DIFÍCIL: investigar o que puder para propiciar a todos os telespectadores e radiouvintes os elementos fundamentais para que ELES POSSAM FORMAR SUA OPINIÃO! Então sim teremos uma comunicação democrática para a construção de uma sociedade igualitária, justa.
Pois comparemos com o nosso caso: Quem decide aqui se uma piada é machista ou não é o próprio comentarista, que se comporta como se fosse um novo "deus", onisciente e todo-poderoso. Ele se arroga um poder – auto atribuído - pois esse poder não lhe foi dado; ele tem uma concessão apenas, e uma concessão para prestar um serviço, e um serviço, como vimos, que se deve pautar por princípios, e o primeiro deles é ser EDUCATIVO. Todos sabemos, e é o que está na Constituição, que "todo o poder emana do povo", que legitima essa Constituição. Nosso comentarista, pelo que sei, não recebeu votos da população para se atribuir esse poder e determinar o que é certo ou errado; ele é, isso sim, um "prestador de serviços", num órgão que é público, que recebeu uma "concessão" – temporária: rádios 10 anos e TVs 15 anos – para prestar esse serviço.
E também não venham dizer que isso é censura, ou fere a "liberdade de expressão". Gastei dois anos e meio pesquisando sobre como poderia ser uma mídia democrática. Os resultados estão num livro recente ("O Direito Humano à Comunicação – pela democratização da mídia" -Editora Vozes). Fiz questão de colocar na contracapa uma afirmação de um dos melhores juristas brasileiros, Fábio Konder Comparato: "A liberdade de expressão, como direito fundamental, não pode ser objeto de propriedade de ninguém, pois ela é um atributo essencial da pessoa humana, um direito comum a todos. Ora se a liberdade de expressão se exerce atualmente pela mediação necessária dos meios de comunicação de massa, estes últimos não podem, em estrita lógica, ser objeto de propriedade empresarial no interesse privado". Quando um comentarista, num meio de comunicação eletrônica, se arvora em "dono" desse meio, dizendo O QUE QUER, QUANDO QUER, COMO QUER...como é o que está acontecendo em nosso querido Brasil, ele não está construindo uma comunicação democrática e educativa, mas uma comunicação autoritária e manipuladora.
Atenção meus queridos amigos – ex-colegas de trabalho, mestrandos, doutorandos, todos os que me conhecem e me estimam: se tiverem coragem, repercutam isso como puderem. Como dizia nosso querido Betinho: enquanto menos de 10 famílias se considerarem "donas" dos meios de comunicação eletrônica, estaremos ainda vivendo uma sociedade fascista. E concluía: "o termômetro que mede a DEMOCRACIA numa sociedade, é o mesmo que mede a PARTICIPAÇÃO DA POPULAÇÃO NA COMUNICAÇÃO". É preciso uma regulamentação de nossa mídia, nada mais do que aquilo que a Constituição já pediu.
Desculpem se me alonguei. Repito que não devem aceitar o que está dito acima... pelo fato de estar dito. Estou convicto do que escrevi e procurei fundamentar. Meu único intuito é, como dizia Paulo Freire, fazer a pergunta que liberta... pois faz pensar."
Publicado no perfil pessoal facebook, em 23/06/2016.
Nenhum comentário:
Postar um comentário