Chile: 40 anos
No dia 4 de setembro de 1970, o Chile elegeu a Salvador Allende, apoiado na aliança socialista-comunista, para ser presidente, por um mandato de seis anos, com um programa socialista. O centro do programa era a nacionalização dos 150 maiores conglomerados econômicos, o que na prática significaria expropriar o eixo fundamental do grande capital nacional e estrangeiro no Chile.Porém, Allende foi eleito com 36% dos votos, o que obrigava a que fosse referendado pelo Congresso, além de revelar que seu programa radical tinha o apoio de pouco mais de 1/3 dos chilenos apenas. O primeiro problema foi contornado – legalmente – com o apoio da DC no Parlamento, e ao custo de um compromisso pelo qual Allende obedeceria a sequência de promoções previstas nas FFAA chilenas.
O segundo problema nunca seria resolvido. Nas ultimas eleições antes do golpe, já em 1973, a aliança da Unidade Popular chegou a 44% dos votos, com uma subida em relação à votação de 1970, mas que revelava que, já praticamente no meio do mandato, Allende não tinha sequer o apoio da metade dos chilenos.
Havia uma trava a mais: um mecanismo conservador da institucionalidade chilena, pelo qual o Parlamento era eleito no meio do mandato presidencial, quando já havia um certo desgaste do presidente, dificultando mais ainda uma mudança política radical a partir de um processo eleitoral.
A questão da hierarquia militar era considerada pela DC o fulcro último a defender, no marco geral da institucionalidade existente, para impedir que transformações, como as propostas pela UP, fossem levadas adiante. Como sempre acontece nos Estados burgueses, as FFAA eram a reserva última da manutenção da dominação.
A dificuldade da UP de conquistar o apoio da esquerda da DC – que havia feito uma campanha presidencial sumamente progressista com seu candidato Radomiro Tomic – foi a condenação a não conseguir maioria parlamentar e, tão ou mais importante, o apoio da expressiva classe média chilena. Essas duas dificuldades acompanhariam Allende até o golpe, somadas ao cerco institucional – tanto do Parlamento quanto do Judiciário – e do cerco econômico e político internacional, promovido pelo governo de Nixon-Kissinger (este declarou, em reunião na Sala Oval da Casa Branca, com o presidente dos EUA e com Agustin Edwards, o dono do mais importante jornal conservador do Chile, El Mercurio: “Temos que salvar os chilenos da sua própria loucura”).
O governo chileno foi, assim, a tentativa de colocar em prática um programa que, além das travas estruturais do Estado, não detinha maioria na população do Chile. O governo não recuou oficialmente do seu programa socialista, mas só conseguiu a nacionalização do cobre e das telecomunicações, em mãos de empresas estadunidenses. Não dispunha de maioria paramentar para avançar mais.
Quando se iniciou o boicote econômico do grande empresariado, e os trabalhadores tomavam empresas, dando continuidade ao seu funcionamento, a medida era imediatamente questionada pelo Congresso e pelo Judiciário, que impunham a expulsão dos trabalhadores das empresas ocupadas. Conforme o governo não cumpria a decisão, o Parlamento derrubava sucessivamente vários ministros do Interior, mas não se resolviam as ocupações, que seguiam, com o questionamento parlamentar e judicial ao governo.
Conforme os locautes empresariais se multiplicavam, gerando situação generalizada de desabastecimento, a direita passou a mobilizar a movimentos de mulheres soando caçarolas, mobilizações que depois se estenderam à casa de militares fieis a Allende para criar-lhes constrangimentos.
A direita – o Partido Nacional, direita tradicional, aliado à DC – fez uma última tentativa de um golpe branco, buscando conseguir 2/3 do Congresso nas eleições parlamentares do começo de 1973. Conforme a UP conseguiu 44% e inviabilizou essa alternativa, restou o golpe militar.
Em junho houve uma primeira tentativa de golpe, em que testaram também o tipo de reação da esquerda. Os principais dirigentes dos dois partidos – PS e PC – imediatamente buscaram refúgio em embaixadas, revelando que não tinham disposição de resistir a um golpe, facilitando as coisas para que, menos de três meses depois, há exatamente 40 anos, se desse o golpe definitivo, que terminou violentamente com a primeira experiência de construção do socialismo por vias institucionais.
Postado por Emir Sader - 10.09.2013 às 06:13
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