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pergunta:

"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

20.9.13

O cidadão Teletubbie

Crônica

O cidadão Teletubbie

Pensar pra quê? Ouvir o voto pra quê? Em nosso primário exercício de assimilação, tudo "termina em pizza" e ninguém precisa de juiz. Basta votar em enquete

por Matheus Pichonelli
publicado 19/09/2013 10:32, última modificação 19/09/2013 11:51

O método Telettubies de assimilação política: basta ver uma imagem e repetir “bo-bo, “ban-di-do”, “sa-fa-dos”, “ca-na-lha”

Há um momento da vida em que o mundo ao redor é um amontoado de signos sem significados. Chama-se infância. Nessa fase, uma pedra não é uma pedra. Não tem sequer nome. É apenas um material disforme que simplesmente existe. À medida que aprendemos que uma pedra é uma pedra e não um ovo, passamos a assimilar a ideia de valor e grandeza. De significado, enfim. Leva tempo.

Mal resumindo, é assim que aprendemos a compreender o mundo, até então uma associação inicial e pouco sofisticada de ideias projetadas em sílabas repetidas vagarosamente. Como numa peça de Lego, encaixamos as sílabas “a” “ma” “re” e “lo” e associamos o borrão apresentado em um cartaz, ou na tevê, ao nome das cores. Vemos o desenho de um arco ascendente e alguém explica ser um “sor-ri-so”. E descobrimos que a bola de fogo a-ma-re-la de-se-nha-da é o “sol”. Daí o sucesso de programas como Teletubbies na formação dos nossos quadrúpedes (porque ainda engatinham) não alfabetizados. Peça por peça, eles aprendem a codificar o mundo. E se tornam adultos.

Nessa nova fase, aprendemos – ou deveríamos aprender – que existe uma infinidade de tamanhos, formas e cores de pedras, algumas com muito mais do que cinquenta tons numa mesma superfície, tenham elas nomes inventados ou não. Umas têm valor de uso, e servem para a guerra. Outras têm valor de troca, e vão parar nos pescoços mais endinheirados. Alguns dirão a vida toda que, não importa o que te ensinam, é sempre bom desconfiar de afirmações categóricas de quem jura que uma pedra é uma pedra e que isto não se discute. E se uma pedra é capaz de provocar tanto embate, o que não se vê e nem se toca é nitroglicerina pura. Ao longo dos séculos, o que dá dentro da gente e e não devia também recebe nome, valor e peso, mesmo sem ter forma nem espessura. Com base nestes nomes, criamos as leis (filosóficas, físicas, jurídicas e até sentimentais). São elas as responsáveis por regular as mais complexas, inconfessáveis, inacabadas, incompletas, mal diagnosticadas e muitas vezes inomináveis relações humanas. Alguns estudam estas leis. Por anos. Pela vida toda. Mais do que qualquer outro bípede, que a essa altura da vida já não engatinha.

No mundo ideal, seria prudente ouvi-los antes de tomar posição. Mas, no mundo real, ainda estamos conectando peças de Lego, as sílabas jogadas por variações de um mesmo Teletubbie que nos ensinou a falar quando nossa manifestação verbal era ainda gutural. Tornamo-nos bípedes, mas continuamos babando, repetindo com a boca e os olhos hipnotizados, com vozes vacilantes, as associações criadas neste grande programa Teletubbies que é a televisão, o rádio, a revista, o jornal, o meme de duas frases do Facebook e o e-mail da tia indignada: “ban-di-do”, “im-pu-ni-da-de”, “is-so-é-u-ma-ver-go-nha”, “cor-ruP-Tos”, "cu-ba-nos-mal-va-dos", "va-mos-a-ca-bar-como-a-Ve-ne-zu-e-la" (custa crer que alguns aprenderam a repetir as sílabas dos "embargos infringentes" sem a ajuda do lexotan).

As associações, muitas vezes, são criadas por cores ou rostos. Não é preciso saber o que é massa nem energia nem teoria nem relatividade para associar Albert Einstein a valores como “in-te-li-gên-cia”, “ge-ni-a-li-da-de”. Não é preciso sequer formular uma frase inteira. Basta repetir uma ideia pronta. Ou praguejar. Dizer se é bom ou ruim sem explicar os porquês. E dar sequência às reações coletivas, de manada, diante do vermelho. Ou do azul. Ou da foto um ex-presidente com barba. Ou de um ex-presidente sem barba. Não é preciso ler jornal, só a primeira frase do título; basta reagir diante de uma foto. Não é preciso sequer analisar o conteúdo. Nem diferenciar uma Constituição de uma capivara. Operamos, afinal, com símbolos prontos, acabados, imutáveis. E, assim, basta ao rockeiro boa-pinta colocar um nariz de palhaço para, como um bom Teletubbie, se comunicar com a sua plateia de Teletubbie: “bo-bo, “ban-di-do”, “sa-fa-dos”, “ca-na-lhas”.

Pensar pra quê? Ouvir o decano, ou quem quer que seja, para quê? Não importa o que se diga, nem em que se embase. No fim a única associação que conseguimos fazer do amontoado de palavras voadoras de significantes sem significados durante o voto de um ministro da Suprema Corte é que tudo é só uma grande "piz-za". Ou uma vitória da “de-mo-cra-cia”. Ou uma resposta aos “gol-pis-tas”. Ou uma “in-fâ-mia” à opinião pública que grita, sonolenta, "A-cor-da-Bra-sil" e sonha com o dia em que o Congresso e o Judiciário se transformem em um grande estacionamento privado. No país do “que país é este”, os porta-vozes da suposta maioria se ressentem pela “o-fen-sas” constantes de uma corte de 11 juízes que usam as leis para afrontar a “jus-ti-ça” e proclamar a “im-pu-ni-da-de”. Ou de 594 parlamentares, “pa-gos-às-nos-sas-cus-tas” para, "on-de-já-se-viu", criarem leis. Leis para quê? Dependesse dessa maioria de pensamento binário, todas as contradições e penas e direito de defesa se resumiriam a uma grande enquete. “Se você acha que eles erraram e devem morrer, curta. Se acha que devem ser linchados, compartilhe. Participe. A sua opinião é muito importante. O final, você decide”. Nesta forma curiosa de aprimoramento democrático, pensar é dispensável, mas grunhir, feito porco, é exercício pleno de cidadania.

http://www.cartacapital.com.br/politica/o-cidadao-teletubbie-7487.html

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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz