25/10/2012
A última eleição sob a tutela da Globo
        
                
            A sólida dianteira de Haddad em SP, reafirmada pelo Ibope e o            Datafolha desta 5ª feira, deixa ao conservadorismo pouca            margem para reverter uma vitória histórica do PT; talvez a            derradeira derrota política do seu eterno delfim, José Serra.            Ainda assim há riscos. Não são pequenos. Eles advém menos da            vontade aparentemente definida do eleitor, do que da            disposição midiática para manipulá-la, nas poucas horas que            antecedem o pleito de domingo.
            
            Há alguma coisa de profundamente errado com a liberdade de            expressão num país quando, a cada escrutínio eleitoral, a            maior preocupação de uma parte da opinião pública e dos            partidos, nos estertores de uma campanha como agora, não se            concentra propriamente no embate final de idéias, mas em            prevenir-se contra a 'emboscada da véspera''. 
            
            Não se argui se ela virá; apenas como e quando a maior            emissora de televisão agirá na tentativa de raptar o            discernimento soberano da população, sobrepondo-lhe seus            critérios, preferências e interditos.
            
            Tornou-se uma aflita tradição nacional acompanhar a contagem            regressiva dessa fatalidade. 
            
            A colisão entre a festa democrática e a usurpação da vontade            das urnas por um interdito que se pronuncia de véspera,            desgraçadamente instalou-se no calendário eleitoral. E o            corrói por dentro, como uma doença maligna que pode invalidar            a democracia e desfibrar a sociedade.
            
            A evidencia mais grave dessa anomalia infecciosa é que todos            sabem de que país se fala; qual o nome do poder midiádico            retratado e que interesses ele dissemina.
            
            Nem é preciso nominá-los. E isso é pouco menos que uma            tragédia na vida de uma Nação.
            
            De novo, a maleita de pontualidade afiada rodeia o ambiente            eleitoral no estreito espaço que nos separa das urnas deste 28            de outubro.
            Em qualquer sociedade democrática uma vantagem de 15 pontos            como a de Haddad hoje, seria suficiente para configurar um            pleito sereno e definido.
            
            Mas não quando uma única empresa possui 26 canais de            televisão, dezenas de rádios, jornal impresso, editora,            produção de cinema, vídeo, internet e distribuição de sinal e            dados. 
            
            Tudo isso regado por uma hegemônica participação no mercado            publicitário, inclusive de verbas públicas: a TV Globo,            sozinha, receberá este ano mais de 50% da verba publicitária            de televisão do governo Dilma.
            
            Essa concentração anômala de munição midiática desenha um            cerco de incerteza e apreensão em torno da democracia            brasileira. 
            
            Explica porque, a três dias das eleições municipais de 2012,            pairam dúvidas sobre o que ainda pode acontecer em São Paulo,            capaz de fraudar a eletrizante vitória petista contra o            adversário que tem a preferência do conservadorismo e da            plutocracia.
            
            Não há nessa apreensão qualquer traço de fobia persecutória.
            
            Há antecedentes. E são abundantes a ponto de justificá-la.
            
            Multiplas referenciais históricas estão documentadas. Há            recorrência na intervenção indevida que mancha, enfraquece e            humilha a democracia,como um torniquete que comprime a            liberdade das urnas.
            
            Mencione-se apenas a título ilustrativo três exemplos de            assalto ao território que deveria ser inviolável, pelo menos            muitos lutaram para que fosse assim; e não poucos morreram por            isso. 
            
            Em 1982, a Rede Globo e o jornal O Globo arquitetaram um            sistema paralelo de apuração de votos nas eleições estaduais            do Rio de Janeiro.
            
            Leonel Brizola era favorito, mas o candidato das Organizações            Globo, Moreira Franco, recebera privilégios de cobertura e            atenção que antecipavam o estupro em marcha das urnas. 
            
            Ele veio na forma de um contagem paralela - contratada pela            Globo - que privilegiaria colégios do interior onde seu            candidato liderava, a ponto de se criar um 'consenso' de            vitória em torno do seu nome. 
            
            O assédio só não se consumou porque Brizola recusou o papel de            hímen complancente à fraude.
            
            O gaúcho recém chegado do exílio saiu a campo, convocou a            imprensa internacional, denunciou o golpe em marcha e brigou            pelo seu mandato. Em entrevista histórica --ao vivo, por sua            arguta exigencia, Brizola denunciou a manobra da Globo falando            à população através das câmeras da própria emissora. 
            
            Venceu por uma margem de 4 pontos. Não fosse a resistência            desassombrada, a margem pequena seria dissolvida no            contubérnio entre apurações oficiais e paralelas.
            
            Em 1983 os comícios contra a ditadura e por eleições diretas            arrastavam multidões às ruas e grandes praças do país. 
            
            A Rede Globo boicotou as manifestações enquanto pode, mantendo            esférico silêncio sobre o assunto. O Brasil retratado em seu            noticioso era um lago suíço de resignação.
            
            No dia 25 de janeiro de 1984, aniversário da cidade, São Paulo            assistiu a um comício monstro na praça da Sé. Mais de 300 mil            vozes exigiam democracia, pediam igualdade, cobravam eleições.
            
            O lago tornara-se um maremoto incontrolável. A direção            editorial do grupo que hoje é um dos mais aguerridos            vigilantes contra a 'censura' na Argentina, Venezuela e outros            pagos populistas, abriu espaço então no JN para uma reportagem            sobre a manifestação. Destinou-lhe dois minutos e 17 segundos.
            
            Compare-se: na cobertura do julgamento em curso da Ação penal            470, no STF, o mesmo telejornal dispensou mais de 18 minutos            nesta terça-feira a despejar ataques e exibicionismos togados            contra o PT, suas lideranças e o governo Lula. 
            
            Naquele 25 de janeiro estava em causa, de um lado, a            democracia; de outro, a continuidade da ditadura. 
            
            Esse confronto mereceu menos de 1/6 do tempo dedicado agora ao            julgamento em curso no STF. Com um agravante fraudulento: na            escalada do JN, a multidão na praça da Sé foi associada, "por            engano", explicou depois a emissora, 'a um show em comemoração            aos 430 anos da cidade'. Passemos...
            
            Em 1989, o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva e            Fernando Collor de Mello realizariam o debate final de uma            disputa acirrada e histórica: era o primeiro pleito            presidencial a consoliar o fim da ditadura militar. 
            
            No confronto do dia 14 de dezembro Collor teve desempenho            pouco superior ao de Lula. Mas não a ponto de reverter uma            tendência de crescimento do ex-líder metalúrgico; tampouco            suficiente para collorir os indecisivos ainda em número            significativo. 
            
            A Globo editou o debate duas vezes. Até deixá-lo 'ao dente',            para ser exibido no Jornal Nacional.
            
            Collor teve um minuto e oito segundos a mais que Lula; as            falas do petista foram escolhidas entre as suas intervenções            mais fracas; as do oponente, entre as suas melhores. 
            
            Antes do debate a diferença de votos entre os dois era da            ordem de 1%, a favor de Collor; mas Lula crescia. Depois do            cinzel da Globo, Collor ampliou essa margem para 4 pontos e            venceu com quase 50% dos votos;Lula teve 44%. As consequências            históricas dessa maquinação são sabidas. 
            
            São amplamente conhecidas também as reiterações desse tipo de            interferência nos passos posteriores que marcaram a trajetória            da democracia brasileira. 
            
            Ela se fez presente como obstaculo à vitória de Lula em 2002;            catalisou a crise de seu governo em 2005 --quando se ensaiou            um movimento de impeachment generosamente ecoado e co-liderado            pelo dispositivo midiático conservador; atuou no levante            contra a reeleição de Lula em 2006 e agiu na campanha            ostensiva contra Dilma, em 2010.
            
            A indevida interferência avulta mais ainda agora. Há            sofreguidão de revide e um clima de 'agora ou nunca' no quase            linchamento midiático promovido contra o PT, em sintonia com o            calendário e o enrêdo desfrutáveis, protagonizados por togas            engajadas no julgamento em curso do chamado mensalão'. 
            Pouca dúvida pode haver quanto aos objetivos e a determinação            férrea que vertem desse repertório de maquinações, sabotagens            e calúnias disseminadas. 
            
            Sua ação corrosiva arremete contra tudo e todos cuja agenda e            biografia se associem à defesa do interesse público, do bem            comum e da democracia social.Ou, dito de outro modo, visa            enfraquecer o Estado soberano, desqualificar valores e            princípios solidários que sustentam a convivência            compartilhada.
            
            Os governantes e as forças progressistas brasileiras não tem            mais o direito --depois de 11 anos no comando do Estado- de            ignorar esse cerco que mantem a democracia refém de um poder            que só a respeita enquanto servir como lacre de chumbo de seus            interesses e privilégios.
            
            Os requintes de linchamento que arrematam o espetáculo            eleitoral em que se transformou a ação Penal 470, ademais da            apreensão com a 'bala de prata midiática' que possa abalar a            vitória do PT de SP, não são fenômenos da exclusiva cepa            conservadora. 
            
            A conivência federal com o obsoleto aparato regulador do            sistema nacional de comunicações explica um pedaço desse            enredo. Ele esgotou a cota de tolerância das forças que            elegeram Lula e sustentam Dilma no poder. 
            
            O país não avançará nas trasformações econômicas e sociais            requeridas pela desordem neoliberal se não capacitar o            discernimento político de mais de 40 milhões de homens e            mulheres que sairam da pobreza, ascenderam na pirâmidade de            renda e agora aspiram à plena cidadania.
            
            A histórica obra de emancipação social iniciada por Lula não            se completará com a preservação do atual poder de veto que o            dispositivo midiático conservador detém no Brasil.
            
            Persistir na chave da cumplicidade, acomodação e medo diante            desse aparato tangencia a irresponsabilidade política. 
            
            Mais que isso: é uma assinatura de contrato com a regressão            histórica que o governo Dilma e as forças que o sustentam não            tem o direito de empenhar em nome do povo brasileiro.
            
            Que a votação deste domingo seja a última tendo as urnas como            refém da rede Globo, dos seus anexos, ventrílocos e            assemelhados. Diretas, já! Esse é um desejo histórico da luta            democrática brasileira. Carta Maior tem a certeza de            compartilhá-lo com seus leitores e com a imensa maioria dos            homens e mulheres que caminharão para a urna neste domigo            dispostos a impulsionar com o seu voto esse novo e inadiável            divisor da nssa história. 
            
            Bom voto. 
Postado por Saul Leblon às 07:31


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