José Antonio Somensi (Zeca)
Somos uma sociedade em crise e esta afirmação não traz nenhuma novidade. Vivemos tempos difíceis e nos descobrimos despreparados para enfrentá-los e quando achamos que sabemos e aprendemos, já virou passado porque surgem outras situações mais difíceis neste mundo globalizado - 'quando tínhamos todas as respostas, mudaram as perguntas' nos lembra Eduardo Galeano. A globalização mercantilizada que trouxe tantos avanços tecnológicos se recusa a matar a fome das pessoas, se recusa a salvar o planeta Terra, se recusa a distribuir as riquezas, se recusa a gerar emprego, alimenta as guerras cada vez mais sofisticadas fruto de novas tecnologias, nos manipula e nos convida a consumir cada vez mais, a nos isolar atrás de grandes muros e grades altas, a alimentar a solidão e por mais contraditório que possa parecer nos convida a buscar a transcendência, mística, espiritualidade, o sagrado ou qualquer outro nome que queiram dar restando saber ou descobrir que transcendência esta globalização tem a nos oferecer.
A sociedade globalizada, como nos diz o Prof.Dr. José Roque Junges, "tende a mercantilizar tudo, transformando até a religião num supermercado de diferentes produtos à escolha" e as igrejas preocupadas em não perder fiéis vão se tornando meras prestadoras de serviços atendendo as demandas de seus clientes - batizados, casamentos, bênçãos especiais - e tendo o maior cuidado de não tocar em assuntos polêmicos ou espinhosos com medo de perder fiéis/clientes. Criamos estrelas pop para atrair multidões com espetáculos emotivos, mas vazios de conteúdo e não raramente vazios de conhecimento da história das Igrejas, mas como atraem público (fieis/clientes) tudo bem, que continuem mesmo que alimente um público cada vez mais individualista e que busca apenas a emoção, uma grande catarse.
A globalização cria um 'individualismo que enfraquece os vínculos comunitários e propõe uma radical transformação do tempo e do espaço' (DA44) onde costumamos pedir perdão coletivo, pelos pecados e apontar as falhas dos outros e bênçãos individuais, para meu trabalho, minha saúde, minha família porque no pensamento do cardeal Carlo Maria Martini, "não há mais uma visão do bem comum. O sentimento dominante é o de defender o próprio interesse particular e o do próprio grupo. Talvez pensem serem bons cristãos, porque às vezes vão à missa e aproximam seus filhos aos sacramentos". Com isso não se quer mais compromisso e defesa de interesses da humanidade, salvo as questões envolvendo a ecologia (se não for modismo), mas ações individuais e individualistas numa comprovação daquilo que, no século passado, Margareth Thatcher vaticinou 'não existe sociedade, o que existe são apenas indivíduos'.
Cada vez mais valorizamos ritos formais, rígidos e fundamentalistas, verdadeiras ideologias, como querendo resgatar um tempo em que a Igreja tinha um poder absoluto e uma verdade única e negamos certa espontaneidade que pela fé poderíamos dizer que seria uma ação do Espírito Santo e não me surpreenderei se logo aí adiante começarmos a ouvir gritos acusando as pessoas de hereges e ameaçando com fogueira, uma fogueira tecnologicamente mais avançada - se isso já não está acontecendo- ao contrário de buscarmos 'novo céu e nova terra' e aqui lembro o padre Johan Konings que nos faz uma alerta: "se o veículo desta tradição é uma instituição que apenas quer se continuar a si mesma, corremos o perigo de não termos nada a dizer" e o cardeal Carlo Maria Martini vai mais longe ao afirmar: "é sabido que por esse caminho das prescrições não se ganha ninguém, no máximo se oprime".
A situação aparece sombria, uma 'noite escura' ou 'noite no mundo', mas não podemos deixar de ver as estrelas que tornam a noite bela, acreditar nas pessoas reconhecer a caminhada que foi feita e continuar fazendo o caminho. Como os estudiosos afirmam crise é momento de decisão e encaminhamentos e é preciso definição do que queremos se é esta volta ao passado que no fundo significa ter alguns determinando o que temos que fazer e como fazer, ou se de fato avançaremos para um 'mundo de participação, sem medo, sem evasões, com as grandes causas da justiça e da paz, dos direitos humanos e da igualdade reconhecida de todos os povos, reino adentro' como sonha Dom Pedro Casaldáliga em sua carta-circular de fevereiro de 2009. O Documento de Aparecida nos convida a sermos discípulos e missionários neste mundo onde se tem 'experimentado luzes e sombras' (DA5) com as alegrias e tristezas, com os desafios e dificuldades que se apresentam para que possamos nos tornar 'homens e mulheres novos, protagonistas de uma vida nova' (DA11) e quando caminheiros buscando realizar esta missão "brilhar como as estrelas no mundo" (Fl 2,15).
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