DEBATE ABERTO
Exemplos latino-americanos
O golpe em Honduras deve servir como alerta. E as iniciativas de Argentina, Venezuela, Bolívia e Equador como exemplo. São modelos a serem levados em conta imediatamente nos debates preparatórios que já estão sendo realizados para a Conferência Nacional de Comunicação, marcada para o início de dezembro.
Laurindo Lalo Leal Filho
Uma equipe de reportagem do  Canal 5 de Tegucigalpa foi expulsa do local onde cerca de três mil profissionais  do ensino secundário de Honduras realizavam uma assembléia em defesa da ordem  democrática. A emissora apóia o governo de fato incondicionalmente, fazendo  parte da estrutura midiática de sustentação interna aos golpistas. Assim como os  dois principais jornais do pais "El Heraldo" e "La Tribuna".
Isso não é  novidade na América Latina. Foi assim em todos os golpes de meados do século  passado. No entanto, quando alguns supunham que esses tempos haviam passado, eis  que acontece em pleno século 21, um golpe típico da região, com todos os  ingredientes dos anteriores. Inclusive com apoio aberto e descarado da  mídia.
Há evidências de que alguns governos do continente estão tomando  medidas preventivas para que fatos como esse não se repitam em seus respectivos  países. As ações têm se concentrado em duas frentes: o estabelecimento de marcos  regulatórios capazes de impedir a concentração dos meios de comunicação e o  estímulo ao surgimento e fortalecimento de veículos contra-hegemônicos, capazes  de oferecer alternativas informativas e culturais às populações da  região.
Sobre esse processo vale a pena ler o recém lançado livro "A  Batalha da Mídia" (Pão e Rosas, Rio de Janeiro, 2009), do professor Dênis de  Moraes. Ele traça um panorama atualizado dessa nova realidade latino-americana.  Mostra, por exemplo, os esforços dos governos da Argentina e do Equador em atuar  nas duas frentes acima citadas. Os argentinos ampliando os recursos para a  radiodifusão estatal e colocando em debate uma nova legislação para o setor. Os  equatorianos avançando mais rapidamente nesse último ponto, garantindo na  Constituição, aprovada no ano passado, o direito de todos os cidadãos à  "comunicação livre, equitativa, diversificada e includente (...) além do acesso  universal às novas tecnologias de comunicação".
Mais contundentes, no  entanto, que o texto constitucional são as palavras do presidente Rafael Correa  ao justificar as mudanças legais: "Há meios que supostamente cumprem a função de  informar, mas quando dependem de grupos econômicos poderosos, o que fazem é  dirigir a cidadania em função dos seus interesses. No Equador, das sete  emissoras de televisão, cinco são propriedades de banqueiros. É preciso  respeitar a liberdade de imprensa, mas não se pode permitir o abuso da  informação por parte de meios mentirosos, corruptos e  incompetentes".
Além de ouvirem palavras quase inéditas da boca de um  governante latino-americano, os equatorianos têm hoje instrumentos concretos de  ação sobre os meios audiovisuais. O Conselho Nacional de Radiodifusão e  Televisão (Conartel) estabeleceu regras para descentralizar o espectro  televisivo e criou uma ouvidoria onde o público pode se manifestar sobre o  conteúdo dos programas. Quando as queixas são julgadas procedentes, as emissoras  são obrigadas a prestar esclarecimentos, sob pena de sofrerem sanções (no  Brasil, política semelhante seria, como sempre, taxada de censura pela grande  mídia, como ocorreu com o projeto de criação da Ancinav).
A Venezuela  caminha na mesma direção. Apesar de todos os insultos recebidos diariamente  através da mídia, o governo do presidente Hugo Chávez mantém absoluta liberdade  de informação. Mas nem por isso deixou de tomar medidas legais no sentido de  equilibrar os fluxos informativos no país, tendo como ponto de partida a Lei de  Responsabilidade Social em Rádio e TV, conhecida como Lei Resorte, aprovada em  dezembro de 2004. Ao mesmo tempo em que ampliou os serviços públicos de rádio e  de televisão.
E na Bolívia, o governo ousou ao lançar o jornal Câmbio, um  diário nacional para fazer frente à mídia golpista que apostou na fragmentação  do país no ano passado. Investiu também na recuperação do Canal 7, a TV estatal  e na emissora de rádio Pátria Nueva, seguidora da larga tradição combatente das  rádios mineiras bolivianas.
No Brasil, avançamos menos. A grande mídia  segue firme como porta voz dos interesses da classe dominante. A solitária e  ainda pouco amadurecida experiência da TV Brasil é insuficiente como forma de  contra-poder midiático. No âmbito legal, avançamos muito pouco. 
O golpe  em Honduras deve servir como alerta. E as iniciativas de Argentina, Venezuela,  Bolívia e Equador como exemplo. São modelos a serem levados em conta  imediatamente nos debates preparatórios que já estão sendo realizados para a  Conferência Nacional de Comunicação, marcada para o início de dezembro.  Transformados em políticas públicas eles se tornarão, sem dúvida, vacinas  poderosas contra surtos golpistas.
PS.  O governo do Uruguai acaba de anunciar o envio ao Congresso, nos
próximos  dias, de um projeto de lei para regulamentar a exibição de
conteúdos na  televisão, rádio e cinema. Será criada também a figura do
ombudsman para  mediar a relação entre o público e as empresas de
comunicação. O projeto foi  elaborado com a participação dos principais
partidos políticos  uruguaios.
Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de "A TV sob controle  A resposta da sociedade ao poder da televisão" (Summus Editorial).
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