Igor Fuser: Lula e o PT – vamos olhar a realidade de frente? (Sem esquerdismo irresponsável)
Algumas pessoas têm manifestado repúdio à perspectiva de uma candidatura Lula como alternativa ao retrocesso brutal que o país está vivendo, nas mãos dessa burguesia golpista, vendida ao imperialismo.
Elas defendem uma proposta socialista, revolucionária, enfim, o ajuste de contas final, apocalíptico, entre os trabalhadores e os patrões, com a superação definitiva do capitalismo no Brasil. Ou a morte, é claro.
No fundo, muitas delas estão convencidas de que o golpe "até que foi bom", pois retirou de cena lideranças conciliadoras do tipo Lula & Dilma, inviabilizando assim um projeto "impuro", conspurcado pela mácula dos compromissos, da negociação.
Chega daquela história do "copo metade cheio, metade vazio", chega de raciocínios complicados, do tipo "por um lado, por outro lado". Chega de aceitar limites, obstáculos, impossibilidades.
Se é para fazer política, segue esse argumento, temos que fazer política em estado de pureza absoluta, fieis apenas à nossa "consciência" e aos nossos livros favoritos. A terra da utopia, ao nosso alcance, que beleza!
Para essa turma, os resultados concretos é o que menos importa. Vale mesmo a emoção do momento. O que é viável e o que é inviável é irrelevante. Não existe conjuntura, não existe correlação de forças. Papo furado de reformista, de burocrata.
Dane-se a realidade, fiquemos com os nossos desejos.
A esses eu respondo que se trata de uma perspectiva reacionária, regressiva, pois condena a esquerda ao imobilismo.
Na prática, priorizar a defesa de um programa socialista significa não fazer nada, desistir de qualquer protagonismo real no país em que efetivamente vivemos, deixando a burguesia com a faca e o queijo na mão para ferrar à vontade com os trabalhadores, com a maioria desprivilegiada.
Se quisermos mudar alguma coisa de verdade, precisamos sair da caixinha minúscula daquela ínfima, microscópica minoria de brasileiros disposta a lutar pelo socialismo.
É sonho, total ilusão acreditar que um projeto de revolução socialista tem qualquer chance no Brasil de hoje.
A questão da ordem do dia é mais básica, mais próxima da nossa realidade do dia a dia: lutar por DIREITOS, educação pública e gratuita, o fortalecimento do SUS, previdência universal em condições dignas, saneamento básico para toda a população, valorização do salário, manutenção dos direitos trabalhistas, transporte público acessível, cultura, reforma agrária, democratização da mídia, igualdade racial e de gênero.
Reforma política progressista, reforma do Judiciário e dos organismos policiais, democracia verdadeira e participativa. Desenvolvimento efetivamente sustentável, o petróleo do pré-sal para o povo brasileiro e não para as transnacionais.
Isso é que é ser verdadeiramente revolucionário, sem usar a palavra revolução. Isso é o projeto popular para o Brasil.
Mas é coisa pra quem quer mudança de verdade, e não para revolucionários de araque, só de blá-blá-blá.
O Brasil real não é um centro estudantil, não é uma assembléia de alunos das ciências sociais da USP.
A verdadeira esquerda é aquela que se propõe a fazer política para multidões, para mudar um país de 200 milhões de habitantes dos quais 90% têm a Rede Globo como única fonte de informação e 50 milhões são evangélicos.
Um projeto desse tipo, para mudar de verdade, a partir das condições de hoje e não só dos nossos sonhos e desejos, passa por Lula e pelo PT.
Se a candidatura Lula será viável ou não é outra história, e é importante que mudanças básicas ocorram no PT para que ele se coloque à altura do seu papel histórico, ou ao menos se aproxime disso.
Pode não dar certo, pode ser que Lula seja preso ou impugnado como candidato, e o destino do PT é incerto – pode ser destruído pela repressão golpista/fascista em ascensão, pode se autodestruir nas mãos dos frouxos e dos traidores.
Mas está quadradamente enganado quem acredita que, se essa tragédia se consumar, a luta dos trabalhadores avançará um milímetro sequer.
Não surgirá outro partido de massas no lugar do PT, e o espontaneísmo das lutas localizadas se esgota em si mesmo se não alcançar um saldo organizativo sólido, se não se articular com movimentos sociais mais amplos, de dimensão maior, permanentes.
Sem lideranças respeitadas, testadas na luta, rostos e nomes conhecidos, dirigentes políticos capazes de obter a confiança (e o voto) de milhões e milhões de pessoas comuns, seremos incapazes de avançar um único passo.
É completa cegueira – ou pior, oportunismo vil — torcer pela destruição do maior partido de esquerda do mundo (o PT) e pela morte política do maior líder popular de toda a história brasileira (Lula).
Igor Fuser é professor de relações internacionais na Universidade Federal do ABC (UFABC). Artigo inicialmente publicado no site do Brasil 247 e republicado na Tribuna de Debates do IV Congresso. Saiba como participar.
ATENÇÃO: ideias e opiniões emitidas nos artigos da Tribuna de Debates do VI Congresso são de exclusiva responsabilidade dos autores, não representando oficialmente a visão do Partido dos Trabalhadores
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