Gay Talese está entusiasmado com a chegada do pontífice aos Estados Unidos: ele tem uma profunda admiração pelo Papa Francisco, mas nos diz que a chegada de um pontífice sempre representou um momento de meditação, central da sua experiência humana.
A reportagem é de Antonio Monda, publicada no jornal Corriere della Sera, 24-09-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"Estou colado à TV", conta, "e, neste primeiro dia, já é muito emocionante: faz refletir o fato de que o presidente do 'país das oportunidades' diga ao papa: 'Santidade, o senhor é a esperança'."
Eis a entrevista.
Você é católico?
Sim, mas não professante. Quando criança, eu era coroinha, mas deixei de ir à igreja em 1949, quando fui para a universidade. Dez anos depois, casei-me com Nan, também ela católica, em Roma, mas não na igreja.
Por quê?
Porque vivíamos como marido e mulher há mais de um ano. Era o ano em que Fellini filmava La Dolce Vita, que, como você deve se lembrar, começa com uma estátua de Cristo que voa sobre a Cidade Eterna. Mas tanto eu quanto sabemos que, uma vez que você é católico, você o é sempre.
Quem é o papa para você?
A mais alta autoridade moral do mundo, mas, acima de tudo, o líder espiritual da minha religião e, portanto, o vigário deCristo.
Você já se encontrou com um papa?
Acompanhei a viagem de João Paulo II na Calábria: era a primeira vez que um papa ia à minha terra natal depois de muitos séculos. Eu tinha ido ao seu encontro, ele me parecia ser um homem duro, intransigente e, ao contrário, vi que eu tinha degenerado algumas das suas características: ele tinha autoridade, era poderoso e carismático. Via-se que ele havia sido um atleta e tinha no olhar a dor de quem sofreu duas ditaduras. Quando ele veio aos Estados Unidos, ele beijou o chão, e definiu o fato como uma "maravilhosa aventura da épica".
O que mais o impressionou?
Fez-me entender que a bondade e, às vezes, a santidade podem passar pela dureza. Lembro-me de uma anedota: eu conheci o seu motorista, que fumava às escondidas e vestia os gêmeos com o símbolo da Playboy. Eu sempre me perguntei se o papa havia notado isso e se se tratava de uma provocação.
O que você mais gosta do Papa Francisco?
O fato de ele ser inesperado e anticonformista: nisso, ele me lembra São Francisco, e não me refiro apenas ao deAssis, mas também ao de Paula. A sua frase "Quem sou eu para julgar?" não é apenas comovente e alinhada com o mais autêntico ensinamento cristão, mas também genial: ele conquistou o mundo, os céticos e aqueles que tinham se afastado. É a frase pela qual ele será lembrado sempre, e vimos que, no seu caso, não se trata apenas de palavras, mas também de atos.
Ele está começando uma reforma da Igreja na linha do seu antecessor, outro grande papa, mas incompreendido pela imprensa: foi Ratzinger que pediu desculpas pela primeira vez pelo escândalo da pedofilia e que iniciou o processo de purificação. E não me esqueço da Via Sacra que ele liderou, ainda como cardeal, poucos dias antes da morte de João Paulo II. Uma invocação desesperada e corajosa dele fez tremer os pulsos do mundo inteiro: "Quanta sujeira na Igreja!".
Você acredita que o Papa Francisco é compreendido pela imprensa?
Repito que eu o admiro profundamente, mas sinceramente tenho algumas dúvidas: substancialmente, ele tem alguns elementos de pura ortodoxia, que, para o mundo, são conservadores. Esses elementos muitas vezes são ignorados ou minimizados.
Há um papa de que você mais gostou em particular?
João XXIII, também pelo seu aspecto manso e interiorano. Também naquele caso, muitas das suas posições não eram tão liberais como queríamos crer. Ele vinha depois de Pio XII, um papa que foi repetidamente atacado e merece uma releitura histórica serena. A grandeza de João XXIII se vê na intuição de abrir o Concílio Vaticano II.
Você já se perguntou por que existem poucos santos norte-americanos?
Sim, e me respondi que há muitos, na realidade, mas ainda não reconhecidos.
Como mudou o catolicismo norte-americano desde quando você era um menino?
Houve um forte domínio irlandês e uma atenção, às vezes espasmódica, à forma. Parecia que, para ser católico, bastava não comer carne na sexta-feira. E, depois, uma atenção espasmódica aos pecados do sexo: o meu livro A mulher do próximo nasce em reação a esse mundo. Quando eu repenso sobre isso, comove-me que hoje estamos celebrando um papa que prega a ternura.
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