Marcio Pochmann, o mito da grande classe média e um desafio das eleições de 2014
07.05.2014
Sul21
Marco Weissheimer
Muito se falou, após os protestos de junho de 2013, da emergência de novos setores sociais no país, com uma nova agenda de demandas e de lutas. Esses setores seriam resultado, em larga medida, do sucesso das políticas econômicas e sociais implementadas na última década. E desempenhariam um papel essencial no processo eleitoral deste ano, oferecendo um enigma a ser desvendado pelos projetos políticos em disputa. A Boitempo Editorial está lançando um livro que pode ajudar a reflexão sobre esse debate
O economista Marcio Pochmann, professor titular do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é o autor desse livro dedicado a analisar a suposta emergência de uma nova classe média no Brasil, a partir, principalmente, do sucesso das políticas de distribuição de renda implementadas no Brasil desde o governo Lula. Crítico da ideia da emergência de uma nova classe média, o hoje presidente da Fundação Perseu Abramo analisa em O mito da grande classe média: capitalismo e estrutura social (Boitempo Editorial) como, nos últimos anos, vem se difundindo mundo afora a ideia de uma “medianização” das sociedades, com o surgimento de novos setores médios da população.
Pochmann faz uma historiografia do conceito de classe média e reflete sobre a evolução e as mudanças pelas quais passou a classe assalariada brasileira. Essas mudanças, defende, apontam para o crescimento e o fortalecimento, não da classe média, mas sim da classe trabalhadora brasileira. O mito da grande classe média, uma noção heterogênea e não unívoca, sustenta o autor, está impregnado de ideologia e voluntarismo teórico. Para Pochmann, a ausência de uma análise das classes sociais em sua determinação concreta ou segundo as condições reais de sua base material redunda em “um voluntarismo teórico inconsistente com a realidade, salvo interesses específicos ou projetos políticos de redução do papel do Estado”.
A síntese de mais de dez anos de implantação dessas políticas passaria não pela emergência de uma nova classe média, mas sim pela ascensão e o fortalecimento de setores ligados à classe trabalhadora. Não se trata, para Pochmann, de uma mera diferença de nomenclatura, mas sim de uma visão ideológica a respeito da natureza dessas politicas e de seus resultados em termos de mobilidade social.
Em seu livro anterior “Nova classe média?”, Pochmann analisou as recentes transformações na sociedade brasileira e refutou a ideia de surgimento de uma nova classe no País, muito menos a de uma nova classe média. O resgate da condição de pobreza e o aumento do padrão de consumo, defendeu o autor, não tiram a maioria da população emergente da classe trabalhadora. Para Pochmann, é preciso realizar “a politização classista do fenômeno para aprofundar a transformação da estrutura social, sem a qual a massa popular em emergência ganha um caráter predominantemente mercadológico, individualista e conformista sobre a natureza e a dinâmica das mudanças socioeconômicas no Brasil”.
A melhora dos indicadores na distribuição da renda do trabalho e de seu aumento na participação da riqueza gerada concentra-se, fundamentalmente, na base da pirâmide social, o que revela também os seus limites, observa ainda Pochmann. O economista aponta que no Brasil as ocupações formais cresceram fortemente durante a primeira década de 2000, especialmente nos setores que têm uma remuneração muito próxima ao salário mínimo: 94% das vagas criadas entre 2004 e 2010 foram de até 1,5 salário mínimo. A partir desses dados, ele conclui que, juntamente com as políticas de apoio às rendas na base da pirâmide social brasileira, como elevação do valor real do salário mínimo e massificação da transferência de renda, houve o fortalecimento das classes populares assentadas no trabalho.
“O adicional de ocupados na base da pirâmide social reforçou o contingente da classe trabalhadora, equivocadamente identificada como uma nova classe média. Talvez não seja bem um mero equívoco conceitual, mas expressão da disputa que se instala em torno da concepção e condução das políticas públicas atuais”, escreve Pochmann na apresentação do livro. A perspectiva fundamentalmente mercantil, baseada na ideia de uma nova classe média, aponta, segundo o autor, para o fortalecimento dos planos privados de saúde, educação, assistência e previdência, entre outros. Contra isso, defende, recoloca-se a necessidade de construir serviços públicos de qualidades e de uma efetiva estruturação do mercado de trabalho, com empregos de qualidade e protegidos no Brasil, medidas fundamentais para enfrentar a precariedade no setor.
Pochmann resume assim a sua posição acerca desse fenômeno e dos desafios políticos que ele coloca:
“Mesmo com o contido nível educacional e a limitada experiência profissional, as novas ocupações de serviços, absorvedoras de enormes massas humanas resgatadas da condição de pobreza, permitem inegável ascensão social, embora ainda distante de qualquer configuração que não a da classe trabalhadora. Seja pelo nível de rendimento, seja pelo tipo de ocupação, seja pelo perfil e atributos pessoais, o grosso da população emergente não se encaixa em critérios sérios e objetivos que possam ser claramente identificados como classe média. Associam-se, sim, às características gerais das classes populares, que, por elevar o rendimento, ampliam imediatamente o padrão de consumo”.
“Não há, nesse sentido, qualquer novidade, pois se trata de um fenômeno comum, uma vez que trabalhador não poupa, e sim gasta tudo o que ganha. Em grande medida, o segmento das classes populares em emergência apresenta-se despolitizado, individualista e aparentemente racional à medida que busca estabelecer a sociabilidade capitalista. (…) Percebe-se sinteticamente que a despolitizadora emergência de segmentos novos na base da pirâmide social resulta do despreparo de instituições democráticas atualmente existentes para envolver e canalizar ações de interesses para a classe trabalhadora ampliada. Isto é, o escasso papel estratégico e renovado do sindicalismo, das associações estudantis e de bairros, das comunidades e base, dos partidos políticos, entre outros”.
Reside aí um dos desafios que o processo eleitoral de 2014 oferece: como enfrentar essa despolitização em um cenário marcado crescentemente por um discurso que é criminalizador da política?
http://www.boitempoeditorial.com.br/v3/news/view/3470
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