Data:8/mai/2014, 8h34min
As eleições não bastam (por Alberto Kopittke)
As pesquisas estão indicando que após as manifestações de julho mais de 70% das pessoas afirmam que querem mudanças no Brasil. O grande engano é que alguns acham que essa mudança está relacionada simplesmente a quem vai governar o Brasil a partir do ano que vem.
É fato que o atual sistema político/eleitoral cumpriu um grande papel na consolidação do procedimento democrático brasileiro e chegamos ao mais longo período de eleições livres da história do país, com uma efetiva mudança de grupos políticos na Presidência. Porém, também é bastante claro, pelo o que vimos nas ruas em julho de 2013 e em todos os comentários sobre política, que o atual modelo político se esgotou.
Este modelo, que desde 1988 não sofreu nenhuma reforma substancial, é um dos frutos da transição democrática, do chamado pacto de transição, dirigido na verdade pelos próprios militares e as forças conservadoras, que haviam implementado um lento e gradual processo de desestruturação ou dizimação física de grande parte das forças políticas oposicionistas durante 20 anos.
Na verdade, o desejo de mudança é muito mais profundo e “radical”, no sentido de que está vinculado à raiz do sistema político: a própria legitimidade da representação. O desejo de mudança está com as baterias voltadas contra todo o atual sistema político brasileiro.
E o grande problema é que as eleições deste ano, em relação à composição dos nossos Parlamentos Estaduais e Federais, tende a não trazer nenhuma mudança significativa, que dialogue com esse desejo de mudança.
É fundamental perceber que existem duas versões sobre o “esgotamento” da política: uma versão, conservadora e que demonstrou grande eficiência ao longo da história brasileira (sendo a base dos regimes autoritários), afirma que toda a política se esgotou, pois todos os políticos são corruptos e que portanto, deveríamos ser governados puramente por “especialistas” ou por um “salvador da pátria”, acima da política; outra versão, progressista, diz que precisamos diminuir a influência financeira no processo eleitoral, ampliar a participação de setores sociais que continuam sub ou sem representação, aumentar a identidade entre representante e representado e aumentar a capacidade de influência da política sobre os principais problemas do país, em especial as decisões econômicas, enfim, tornar a política capaz de promover mudanças com a profundidade que se almeja.
Chegando a sétima eleição geral desde a redemocratização já é possível perceber problemas crônicos do atual modelo político, que não serão modificadas por pequenas reformas ou questões pontuais: 1) o sistema partidário está se esvaziando ideologicamente (de defesa de bandeiras, a partir de um projeto político claro, fruto de determinadas concepções de mundo); 2) o ambiente político continua afirmando uma sociedade machista (as mulheres nunca alcançaram mais do que 15% das cadeiras do Congresso); 3) o Poder econômico tem se tornado o elemento mais importante para determinar quem se elege; entre outros.
Em seis legislaturas, nosso Congresso, comprometido com os seus “pactos fundadores”, já demonstrou que não tem a mínima disposição em modificar as regras do jogo. E como as suas características estão se consolidando a cada nova eleição, é provável que essa probabilidade esteja cada vez mais distante de ocorrer, uma vez que a composição do próximo Congresso tende a ser menos ideológica, com mais influência do Poder financeiro e sem modificação na sua composição de gênero.
Apenas para apontar uma consequência claramente observável do engessamento do atual modelo eleitoral: possivelmente nenhuma das lideranças das mobilizações de julho de 2013, por exemplo, terá chance de chegar ao Congresso (e sabendo disso, possivelmente a maioria sequer se interesse de tentar).
A crise do atual sistema político/eleitoral é o assunto mais importante que deve ser tratada nessas eleições. É fundamental combater a descrença na política, debatendo as possibilidades de reforma-la, discutindo os seus principais problemas e possíveis soluções.
É claro que nenhum sistema político/eleitoral pode ser tão flexível a ponto de mudar suas regras a cada novo processo eleitoral, se tornando casuísta e possivelmente manipulável. Porém, nenhum sistema político/eleitoral pode ser inflexível a ponto de não se adaptar para ampliar e reenergizar sua própria legitimidade.
Possivelmente não será o próximo Congresso, assim como não o foram os outros seis, que modificará as regras do jogo, mas podemos fazer a sociedade sair mais consciente de que precisamos “parar o país” para discutir seu sistema político/eleitoral, fazendo uso da única forma democrática disponível para os casos de inação do Poder Constituído: ativar o Poder Constituinte.
Alberto Kopittke é advogado e vereador de Porto Alegre
http://www.sul21.com.br/jornal/as-eleicoes-nao-bastam-por-alberto-kopittke/
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