Mauro Santayana – JB – Domingo, 19.04.2009
O povo norte-americano não conheceu os dissabores do colonialismo, como os conhecemos. O povoamento do território começara pouco antes do confronto que, na Inglaterra, opusera os Comuns e os Stuart, e manteria a tensão política na Grã Bretanha até a Glorious Revolution de 1688, não deixando tempo para outras preocupações. No século 18, com a expansão imperial inglesa na África e na Ásia, Londres tampouco se preocupou com a América: ali só havia bons ingleses, conservadores de sua cultura e de suas crenças. Não havia por que temê-los, nem por que os tratar com arrogância.
As tensões internas nos Estados Unidos só se iniciaram com a expansão ao Oeste e ao Sul, que os levou a dizimar povos autóctones, a comprar territórios vizinhos, como os do Vale do Mississipi (incluindo a Luisiania), da França, e o Alasca, da Rússia, e a invadir estados soberanos, como fizeram com o México, no qual se apoderaram de 1,3 milhão km2. Pensando como europeus, os norte-americanos deles herdaram a idéia de supremacia sobre os vizinhos. Sentiam-se no direito de estender a “civilização”, substituindo os espanhóis na exploração dos bárbaros do Sul. É de se lembrar que “humanistas” da Europa aplaudiram a guerra contra os mexicanos, ocorrida entre 1846 e 1848.
Essa visão preconceituosa, aliada à ganância de lucro dos homens de negócios, separou a América do Norte dos povos latino-americanos. Os países que mais sofreram foram os menores, como os da América Central, que se transformaram em repúblicas bananeiras, exploradas pelas companhias norte-americanas, entre elas a famigerada United Fruit. Os países meridionais, ainda que distanciados, também sofreram e ainda sofrem seu domínio político e econômico. Há ainda a registrar sua freqüente intervenção nos assuntos internos latino-americanos, como na Guerra do Chaco entre o Paraguai e a Bolívia, e a promoção de sangrentos golpes de Estado, entre eles os do Chile, da Argentina e do Brasil.
Há um passivo difícil de ser liquidado. Ele é ainda maior no caso de Cuba. O governo Eisenhower não conseguiu entender o objetivo real da Revolução Cubana, que era, além de melhorar a vida de seu povo, o de derrubar Batista e impor a moralidade burguesa aos costumes de Havana, com o fechamento dos bordéis e o controle dos cassinos explorados pela máfia de Chicago. Poucos dos revolucionários (o Che entre eles) imaginavam ser possível um regime socialista na ilha. A pressão dos poderes de fato dos Estados Unidos levou o governo de Washington a iniciar sua hostilidade contra os revolucionários, hostilidade que cresceu no governo do presidente Kennedy, tão louvado pelos que não conhecem bem a raiz quadrada da História. Castigados primeiro pela ocupação direta dos Estados Unidos, amputado o seu território com o enclave na Baía de Guantánamo, que perdura em suas costas como bócio incurável; submetidos ao bloqueio econômico, os cubanos buscaram o apoio soviético. E foi esse apoio, aliado à posição de alguns governos latino-americanos da época, entre eles, de forma firme, o Brasil, que impediu Kennedy e seus sucessores de arrasarem o país e seu povo.
Raúl Castro aceitou negociar com os Estados Unidos, de “igual para igual”. Se isso vier a ocorrer, será a primeira vez. Desde que os americanos intervieram na guerra de independência de Cuba e, vencendo a Espanha, ocuparam a ilha, os cubanos são tratados com desdém. Qualquer seja a opinião que tenhamos de seu regime e de seus dirigentes, é admirável sua resistência ao longo de quase meio século. Raúl não se opõe a mandar para os Estados Unidos os dissidentes do regime que se encontram presos e suas famílias, e só exige que cinco cubanos, prisioneiros na Flórida, sob a acusação de espionagem, sejam devolvidos à pátria. Diante disso, será difícil continuar o bloqueio contra a ilha.
De qualquer forma é estranho que os Estados Unidos, que mantêm a prisão de Guantánamo, uma afronta aos princípios elementares de justiça; que confessadamente seqüestram e torturam cidadãos estrangeiros; que invadiram o Iraque e patrocinaram a farsa do julgamento e a oprobriosa execução de Saddam Hussein, falem de respeito aos direitos humanos em Cuba.
Resta saber se eles, sob Obama, estão decididos a respeitar a soberania de Cuba, nas negociações que se articulam, ou desejam simplesmente restaurar a democracia dos tempos de Gerardo Machado e Fulgêncio Batista, seus fiéis vassalos.
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