Antonio Cechin e Jacques Távora Alfonsin
O jejum iniciado pelos sem-terra
Em contexto moral e espiritual, o jejum faz depender os seus efeitos, sobre outras pessoas, da fé de quem jejua, como dá testemunho o próprio Jesus Cristo no famoso episódio da cura de uma criança quando, inquirido sobre a impotência dos seus apóstolos em curá-la, afirmou que, para aquele aquele tipo de mal, somente a fé e o jejum têm capacidade curativa.
O jejum como protesto político, por outro lado, já serviu de apoio, no passado, a muitos movimentos populares que lutaram pelo reconhecimento de direitos humanos de multidões pobres oprimidas. Gandhi é um exemplo emblemático; aqui no sul, os sem-terra já fizeram o mesmo mais de uma vez, inclusive com a participação de religiosos das igrejas cristãs; Dom Capio, no nordeste, jejuou mais de uma vez contra a transposição do rio São Francisco.
O sentido dessas duas formas de jejum, as últimas identificadas também como greve de fome, faz-nos pensar que elas têm um ponto
Ora, não parece ocorrer o mesmo com o jejum de protesto, ou, se quiser, a greve de fome? Esse denuncia, pelo lado dos jejuadores ou grevistas, uma carência material própria ou de outras pessoas, numa situação de tal gravidade que esteja pondo em risco sua dignidade, cidadania, até mesmo a própria vida. A fé, nesse caso, convencida de que o jejum interromperá o ciclo perverso da situação opressiva, se opõe com tal poder solidário, igualmente, que, se não supera as conseqüências injustas dessa situação, desmoraliza completamente os responsáveis por ela.
É bem o que está ocorrendo agora,
Independentemente das razões que alegadamente sustentam essa ordem, algumas questões incomodam e preocupam, se não aqueles de quem ela emanou, qualquer pessoa do povo dotada de um mínimo senso de justiça: a formação desse, como de outros acampamentos de sem-terra no Estado, é feita por vontade própria desse povo, é criminosa, prejudicial ao meio-ambiente, a ponto de ele ser coagido a sair de qualquer canto onde ponha o pé? Sendo o Ministério Público, tanto o estadual quanto o da União, integrante do Poder Judiciário, a única solução legal e justa para esse problema é o exercício, por essa parte do Poder, da força sancionatória que ele tem, contrário a permanência dessas multidões onde quer que elas se encontrem? O histórico atraso da reforma agrária, legalmente prevista na Constituição Federal, não tem que ser levado em consideração, nas ações judiciais que visam incriminar e punir agricultores sem-terra? Por que, aqui no Rio Grande do Sul, de modo muito particular e diferenciado de outros Estados do país, as questões que envolvem o destino dessas multidões não encontram outra solução legal e justa que não as do sacrifício que agora motiva o jejum de uma parte delas?
Aqui se expõe à crítica das/os leitoras/es o que pode ser entendido por um outro jejum, mas esse, não do alimento material, mas sim daquilo que se pode identificar como o que se priva de conhecer o “espírito da lei” seja ela a moral, seja ela a do Estado. A ideologia formal que impõe esse jejum não é aquela dos dois outros acima lembrados. Ela não tem, como aqueles, a “fome e sede de justiça”. Inspira-se na lei? Pode até ser, mas, predominantemente técnica e não ética, à moda farisaica, somente naquela que domina e não na que liberta, não na que existe para as pessoas, mas somente naquela que as pessoas existem para “justificá-la” (?), a que mantém os famintos sem comida e os sem-teto sem casa. Jejua de justiça, mas se alimenta bem de doutrinas, rubricas, artigos, incisos, jamais se permitindo chegar ao rés do chão do outro jejum, aquele material, o sofrido nas relações sociais geradoras de pobreza e miséria.
Quem ouve os jejuadores que estão frente ao prédio do Ministério Público aqui
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