Vou defender o Sartori
Por Antônio Escosteguy Castro
Tenho, com regularidade, criticado o Governador do Estado pela demora em anunciar e tomar as medidas necessárias a enfrentar a tão propalada crise do Rio Grande do Sul. Desde o início do ano já houve a marcação de mais de uma data para este anúncio. A solenidade de 21 de maio, marcada há pouco, já foi também adiada para meados de junho. Sartori claramente hesita em definir as providências que tomará. Mas, pela primeira vez, acho que talvez não seja ruim para o estado esta hesitação.
A crise financeira e orçamentária do RS é antiga e certamente tem inúmeras causas. Mas nada é tão impactante em sua dimensão como a dívida com a União e os deletérios efeitos da Lei Kandir. FHC, no auge do período neoliberal dos anos 90, impôs ao Rio Grande do Sul uma renegociação leonina da dívida, com juros flutuantes que causaram o efeito do "quanto mais se paga mais se deve" e ainda com um acréscimo, uma verdadeira multa, por temos ousado manter o Banrisul estatal e não entregar à banca privada. A dívida nos drena cerca de 3 bilhões por ano. Além disto, é de autoria de FHC a notória Lei Kandir (de 1996), que desonera do ICMS os produtos voltados à exportação. Como nossa economia é eficientemente exportadora e as compensações que a União paga são insuficientes, as estimativas são de que se perca por volta de 1,5 bilhão por ano em arrecadação no estado. Não há como sair da crise, portanto, sem redefinir as relações com a União e nenhuma outra medida que se invente , seja aumento de impostos, congelamento de salários ou extinção e privatização de estatais chega perto dos benefícios que adviriam de renegociar a dívida e a Lei Kandir.
Mas é visível o esforço que fazem uma parte do empresariado local (representado no governo pelo vice José Paulo Cairoli) e o grupo RBS pela tomada de medidas que signifiquem o apequenamento e o desmonte do estado. É mais um capítulo da velha luta ideológica aqui no pampa entre o estado mínimo e o estado do bem-estar social. Não se pode caracterizar o Rio Grande do Sul plenamente como um "welfare state", mas inegavelmente é um estado organizado, com serviços públicos eficientes e quase universais. Temos um ensino público e gratuito nos três níveis, uma rede hospitalar espalhada, que pela primeira vez recentemente dispusera de 12% do orçamento para atender ao povo e uma Brigada Militar e uma Polícia Civil respeitadas pela população. Sartori já tem visto as consequências do aperto orçamentário destes primeiros meses na qualidade da prestação destes serviços e elas são muito preocupantes. Terá sentido aprofundar o desmanche do estado, a um nível que nem FHC, Brito e Yeda chegaram , sem sequer ter a garantia de que geraria excedentes suficientes para resolver a crise?
Mas a pressão é grande e a RBS parece ser absolutamente indispensável ao governo. Há poucos dias, o jovem Presidente da FEE, um dos "wonder boys" da direita no estado, teve seu momento de Kim Kataguiri e deveria ter sido exonerado do cargo. Nada contra Kim Kataguiri, que tem o direito de pensar o que pensa e, aliás, boa parte de suas atitudes imaturas são condizentes com sua idade. Mas um KK não pode ser Presidente da FEE. Não tem estofo para tanto. A Zero Hora, porém, há quase uma semana protege Igor Morais, segurando-o no cargo. Pode Sartori abrir mão desta blindagem, que se repete cotidianamente, e contrariar a voracidade privatista do poderoso grupo de comunicação local?
No fundo, é compreensível a hesitação de Sartori. As políticas de "ajuste" geram tensões sociais que podem repetir aqui o que houve no Paraná e não asseguram recursos suficientes a sanar o orçamento. As medidas estratégicas são difíceis e de lenta execução. Os aliados estão a espreita para cobrar a fatura de seus apoios e os adversários prontos a mobilizar suas bases sociais contra o Piratini.
Pensa bem, Sartori. Pensa bem.
Antônio Escosteguy Castro é advogado.
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