CABEÇA FRIA
Tarso Genro
Examinar de cabeça fria o que efetivamente está acontecendo no Rio Grande, neste momento, recomenda deixar de lado, para a análise, as questões mais imediatas das disputas políticas entre partidos e facções, que caracterizam de forma salutar o processo democrático. Como questões imediatas quero me referir, por exemplo, ao pagamento, ou não, dos aumentos salariais deferidos por lei e aprovados por unanimidade, na Assembleia, ou se é incompetência ou "crise financeira", não pagar contas de telefone. Esses debates ocorrerão, naturalmente, sem a nossa ajuda.
O "examinar de cabeça fria" significa, na minha opinião, responder as seguintes perguntas: "quais as propostas concretas, para governar dentro da crise -que é global e nacional- defendendo-se dela e, ao mesmo tempo, preparando o futuro do nosso Estado?" "Existem saídas milagrosas de curto prazo?"
Quero, sumariamente, apresentar a minha contribuição ao debate, para tentar demonstrar que, o que está em jogo, não é uma maior ou menor "competência" técnica e política dos governantes, que deve ser examinada de forma vinculada aos fins do seu Governo. Mas visões e modos diferentes de sair da situação atual, que, de resto não me cansei de informar durante o meu Governo: sem a reestruturação da dívida pública o Rio Grande poderia parar, sem impulsionar o crescimento, não tem saída.
Na crônica política tradicional do nosso Estado, nenhum texto foi tão completo e tão claro -traduzindo o que se presume possa chegar a ser a orientação do Governo atual- como o assinado por Rosane de Oliveira, na Zero Hora de hoje (05.04). Digo isso, porque levo o seu texto a sério, como levo a sério as manifestações públicas que estão sendo feitas pelo Governo atual, que promete, em breve, apresentar seus projetos à Assembleia Legislativa do Estado.
Depois de considerar três anos de crescimento com "vôo de galinha" e alegar que o Estado não mexeu com as suas "vacas sagradas", Rosane apresenta duas medidas de ajuste (extinção da Uergs e do Tribunal Militar do Estado) que, somadas, chegam a 140 milhões de reais. Nenhuma palavra sobre quem seriam os "sacrificados", com as medidas que um bom Governo, para o Estado, deveria adotar, além dessas, que qualquer pessoa medianamente informada sabe que não teriam qualquer efeito para resolver as finanças estaduais.
Ou seja, as medidas "duras", com efeitos rápidos, como todos gostariam de ver, não são mencionadas. Como não são mencionados os que sofreriam, principalmente, os seus efeitos. os efeitos do "sacrifício", como gostam de dizer alguns empresários mais ricos e menos sensíveis a sorte dos outros.
Não concordo com a extinção da Uergs e creio que a Rosane de Oliveira, como crítica de boa fé -presumo eu- não tem a mínima ideia o que é a Uergs, hoje, e quais as funções que ela cumpre no desenvolvimento regional. Mas, supondo -apenas supondo- que, no mérito, as duas medidas estivessem corretas, quais as outras medidas que, combinadas com estas, tirariam o Rio Grande da Crise? Isso não é dito.
E não é dito, porque as mesmas tentativas foram feitas, de maneira aberta e politizada, pelos Governos Britto e Yeda, e não tiveram nenhum resultado. Deixaram apenas um passivo social brutal, decorrente de um arrocho salarial sem precedentes sobre os servidores públicos e um passivo social ainda maior, nas políticas de proteção social e de desenvolvimento, voltadas para a produção agrícola e industrial do Estado.
Nenhum destes Governos apresentou um programa de desenvolvimento industrial para o Estado e um programa de desenvolvimento do campo gaúcho. E não o fizeram, não porque sejam "contra" desenvolvimento do Estado, mas porque entendiam que as medidas corretas passavam pelo "enxugamento" do serviço público. Passavam pela contenção dos salários dos servidores e pelo estímulo a concessões e privatizações, pedágios, e zero de políticas sociais e estímulos à agricultura familiar e às cooperativas.
Trata-se de uma visão de desenvolvimento, defendida em todo o mundo pelos partidos de direita e de centro direita, de corte liberal e neoliberal. Eles entendem que a ingerência do Estado, com políticas públicas estratégicas de caráter regulatório, para estimular e orientar a economia para o emprego, de um lado, e políticas de proteção social para os mais débeis, de outro -que exigem recursos públicos-, esta visão de desenvolvimento,está errada. Na verdade são escolas de pensamento sobre o desenvolvimento que estão em disputa,neste momento, e que Rosane, sem nenhuma timidez se posiciona como "abre o jogo", pelo Governo atual, que ainda está estudando por onde sair.
Mas, porque o Governo atual está relutando? Não se trata de incompetência do Governo, mas sim de falta de clareza política. O Governo não sabe, ainda, se terá base, na Assembleia Legislativa e mesmo acolhimento, na sociedade, fora da RBS, para aplicar o ajuste que a RBS vem recomendando, inclusive nos seus editoriais, sem se dar conta -ou quem sabe até se dando conta- que ajustes desta natureza são inaplicáveis dentro do regime democrático.
Ou quem sabe são aplicáveis, com a ajuda de medidas de "exceção,não declaradas", semelhantes aquelas desatadas pelo Governo Richa, no Paraná? O Governo Sartori, que, como disse candidamente a Rosane de Oliveira ainda "não mostrou suas cartas", num misto de admiração e cumplicidade, pagará para ver? Aplicará o "ajuste RBS" e terá apoio da sua base parlamentar? E depois, quando vier a reação dos servidores e da população, irá reprimir com o mesmo "desembaraço" de Richa? Esse é debate, A hora é a hora das escolhas. Boa sorte para o Rio Grande!
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