"Não há dengue em Cuba"
A médica cubana Ceramides Almora Carbonell, 42 anos, falava emocionada da recepção calorosa dos brasileiros, quando concedeu entrevista à Carta Maior nos corredores da Fiocruz, em Brasília, onde médicos brasileiros e estrangeiros que irão atuar no Programa Mais Médicos participam de um curso de formação. Na entrevista à Carta Maior, ela fala sobre sua experiência como médica e sobre a situação da saúde em seu país. Por Najla Passos.
Najla Passos
            Brasília - A médica cubana Ceramides Almora Carbonell, 42          anos, ainda falava emocionada da recepção calorosa dos          brasileiros, quando a encontrei nos corredores da Fiocruz, em          Brasília, onde médicos brasileiros e estrangeiros que irão atuar          no Programa Mais Médicos participam de um curso de formação. Ela          nasceu em Guane, um pequeno município de 35 mil habitantes na          província de Pinar del Rio, famosa pela produção dos charutos          cubanos. Aos 5 anos, mudou-se para a capital, onde cursou o          estudo básico e médio. Com 17 anos de prática médica e          experiências internacionais em Honduras e Bolívia, está          divorciada há dois anos e não possui filhos. Decidi iniciar por          aí nossa entrevista.
          
          - É mais fácil deixar seu país quando não se tem marido e          filhos?, questionei.
          
          “Não tenho marido e filhos, mas tenho família: pai, mãe, irmão.          Mas mesmo meus colegas que têm filhos, não temem deixá-los          porque sabem que, em Cuba, eles serão muito bem assistidos,          terão acesso gratuito à educação e saúde de qualidade. Além          disso, os colegas médicos que permanecem na ilha criam uma          espécie de rede de solidariedade para atender as famílias dos          que estão fora. Nossos companheiros policlínicos visitam nossas          famílias e cuidam para que sejam assistida nas suas          necessidades. Eles ligam para meus pais, visitam minha casa e,          assim, posso viajar tranquila”, explicou. 
          
          - Seus pais também são médicos?
          
          “Não. Eles são professores, já aposentados".
          
          - E seu irmão, é médico?
          
          “Não, eletricista. Sou a única médica da família”.
          
          - E como você decidiu fazer medicina?
          
          "Em Cuba, as escolas promovem ciclos de interesse que vão          combinando as coisas que você gosta desde pequena. Por exemplo,          vão bombeiros, professores, esportistas e vários outros          profissionais, dentre eles os médicos. Isso para formar, desde          pequeno, conhecimento sobre todas as áreas. Eu sempre gostei          sempre da medicina. No ensino médio, participei do ciclo de          interesse de cirurgia experimental e, depois, ainda participei          do ciclo de medicina geral e integrada, ainda em Pinar Del Rio.          Depois passei pela faculdade de medicina, seis anos de muito          estudo. Era um período muito duro. Mas consegui nota máxima em          todas as disciplinas. Em seguida, prestei os dois anos de          serviço social obrigatório em Guane".
          
          - Você voltou a sua cidade natal para clinicar?
          
          "Sim, é uma cidade muito pequena, mas gosto muito de trabalhar          lá".
         
          - Não fez nenhuma especialização?
          
          "Depois do serviço social, fiz três anos de especialização em          medicina geral e integrada, como todos os médicos cubanos que          vieram para o Brasil. Seria o equivalente, aqui no Brasil, a          medicina familiar, que ensina ver a pessoa no seu conjunto. Fiz          a especialização em dois níveis. Sou mestre em Procedimento e a          Diagnósticos Primários de Atenção à Saúde".
          
          - E como você aprendeu o português?
          
          Meu pai morou na Guiné Bissau por um ano e se apaixonou pelo          idioma. Ele me ensinava desde que eu era bem pequena. 
          
          - Você disse que, em Cuba, os estudantes escolhem fazer medicina          por vocação. No Brasil, os cursos de medicina são os mais caros,          nas universidades particulares, e os mais concorridos, nas          universidades públicas e, com isso, acaba que praticamente só os          mais ricos, que têm como pagar uma educação de maior qualidade,          conseguem acesso a eles.
          
          "Em Cuba, a oportunidade é a mesma para todos os cubanos.          Primeiro, não há classes sociais diferentes. Todos somos iguais.          Não há discriminações por sexo ou raça. Sou mulher, sou mulata,          mas estou aqui como todos os outros companheiros da brigada."
         
          - Os brasileiros têm muita dificuldade em entender como vocês          podem vir para cá sem receber o mesmo salário pago aos demais          profissionais que integram o programa, como vocês aceitam que          parte dos seus salários seja retida pelo governo. Como você vê          isso?
          
          "Eu conheço essa polêmica capitalista. É que vocês não entendem          que nós não trabalhamos por dinheiro, mas por solidariedade,          humanismo. O comandante Fidel Castro, nosso líder nacional e          também latino-americano e mundial, tem uma frase que diz que          “ser internacionalista é saudar nossa própria dívida com a          humanidade”. E nós carregamos esse conceito em nosso coração.          Desde pequenos, já aprendemos sobre internacionalismo,          solidariedade, honradez, bondade, profissionalismo. Eu acho até          que o povo cubano não poderia viver sem esses conceitos, que          estão na base da sua cultura. Como diz nossa ministra da Saúde,          temos um recurso muito grande, que é nosso próprio conhecimento          e o amor do nosso povo por outros povos irmãos".
         
          - Você falou que já esteve em outras missões internacionais...
          
          "Sim, trabalhei por dois anos na Bolívia, em Potosí, o          departamento mais pobre do país. Um lugar cheio de riquezas, mas          onde o povo é muito pobre.
          Também atuei em Três Cruzes, uma aldeia muito pequena e pobre.          Lá, eu tive o prazer de trabalhar muito e conseguir inaugurar um          hospital. Em Honduras, trabalhei em Nova Esperança, em          municípios muito pobres.
          
          - E, nesses locais, vocês tinham acesso a equipamentos,          infraestrutura e tecnologia para atender adequadamente os          pacientes? 
          
          "Não. Nós trabalhávamos com o método clínico. Nós examinávamos          os pacientes. Tocávamos as pessoas, conversávamos com os          doentes. A falta de tecnologia não é problema para mim e nem          para a brigada cubana, que trabalha muito com este método. E é          com isso que esperamos melhorar muito a saúde do seu povo.          Muitos países não têm dinheiro para pagar a tecnologia avançada.          Sei usar um ultrassom, mas pratico muito o método clínico". 
          
          - Outra crítica das entidades médicas brasileiros é que, em          Cuba, por conta do longo embargo econômico, o acesso à          tecnologia é muito restrito, o que provoca uma defasagem na          formação dos médicos e os impossibilita de atuar adequadamente          no Brasil. Você concorda com isso?
          
          "Cuba é um país pobre e bloqueado, mas nossos indicadores de          saúde são excelentes. E isso não tem a ver com muita tecnologia.          Estamos entre os cinco países com menor índice de mortalidade          infantil: menos de 4,5 por mil nascidos vivos. Isso é graças ao          nosso esforço, porque estudamos muito, investimos em pesquisas,          praticamos muito o método clínico, e isso faz a diferença.          Também temos uma vigilância epidemiológica muito boa,          fundamental para todos. E a saúde cubana é multissetorial: até a          população participa. A dengue, por exemplo, é uma doença          transmissível. Se o governo não educa sua população, todos          morremos. 
          
          - Há dengue em Cuba?
          
          "Não, não há. Eu citei a dengue porque é uma doença comum no          Brasil. Já atendi muitos pacientes com dengue, mas em Honduras.          Não em Cuba, que temos uma vigilância epidemiológica forte. E          nem na Bolívia, porque atuei no altiplano, onde é muito frio".
Fotos: Najla Passos
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