Ninguém poderia esperar que uma oligarquia que se havia apropriado do Estado e dos bens fundamentais do país, que se considerava dona da Bolívia, fazendo rodízio no poder entre seus três partidos durante décadas, iria aceitar passivamente que a maioria indígena do país – 64% se consideram indígenas na Bolívia – lhes arrebatasse tudo isso.
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Os partidos da direita entraram em crise, perderam as eleições, conseguiram, no entanto, pelas estruturas oligárquicas que haviam construído , manter a maioria dos governos de estado – mesmo onde Evo ganhou – e no Senado, assim como maioria nos quatro estados da chamada “meia lua” – Santa Cruza de la Sierra, Tarija, Beni e Pando -, onde concentram seus grandes investimentos as empresas exportadoras, base econômica do poder da direita.
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A direita foi recuando, conforme perdeu o governo e a maioria no Parlamento, reagrupando forças nesses território, para tentar bloquear os avanços do novo governo, principalmente a nacionalização dos recursos naturais – que a direita tinha privatizado -, a reforma agrária e a convocação da Assembléia Constituinte para propor as bases de um novo Estado – plurinacional, intercultural, soberano, comunitário, com autonomias. Trata de manter os dois pilares materiais do seu poder econômico – os impostos sobre as exportações dos hidro-carburetos e o monopólio da terra. Para isso funciona seu projeto de autonomia.
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Acenam com a separação, mas sabem que, sem apoio – nacional e internacional – para isso, usam essa chantagem para tentar manter os estados que governam imunes ao imenso processo de democratização econômica, social e política e cultural que representa o programa do MAS.
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Sua mais recente iniciativa foi a convocação de uma consulta sobre a autonomia em Santa Cruza de la Sierra, o principal bastião econômico e política da direita, para o dia 4 de maio, como uma espécie de anúncio de ruptura política e institucional com o governo. E de desafio para um enfrentamento, buscando saber com que força conta o governo.
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O governo cumpriu com suas promessas e começou a mudar a cara da Bolívia, na direção da sua democratização, nacionalizando os hidrocarburos – o que lhe permitiu, de imediato, subir os impostos que recebe de 18 a 84% -, começando políticas sociais redistributivas - para as crianças e para os idosos, em primeiro lugar – iniciando o processo de reforma agrária, convocando a Assembléia Constituinte.
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Para esta convocação, o governo poderia propor a representação das comunidades dos povos originários, conforme reivindicação desses povos. Provavelmente obteria uma maioria de 2/3, necessária para aprovar seu projeto de Constituição, sem votos da oposição. No entanto, facilitar o boicote que certamente a oposição decretaria, em condições muito diferentes das da Venezuela. Neste país, uma vez recuperado o controle sobre a Pdvsa, o Estado tornou-se muito forte e o empresariado privada, débil. Tanto assim que ao boicotar as eleições parlamentaria, se enfraqueceu mais ainda, deixando ao governo uma folgada maioria parlamentar, sem que isso o enfraquecesse.
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Na Bolívia, pelo selvagem processo de privatização levado a cabo nos anos anteriores – chamado eufemisticamente de “capitalização” – o Estado se tornou muito fraco e a grande burguesia privada, muito forte. Caso boicotasse, política e economicamente, o governo, lhe assentaria um golpe muito forte e promoveria um processo de separação de fato, que levaria a uma crise institucional muito grave. A posição do governo foi convocar eleições pelos métodos tradicionais de representação, porque a alternativa seria levar a um enfrentamento, inclusive violento, sem que possa contar com segurança com as FFAA, além da crise nacional a que isso conduziria o país, um dos objetivos da direita, para tornar o país ingovernável quando um dia assume, pela primeira vez, a presidência da Bolívia.
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A compopsição da Assembléia Constituinte confirmou a maioria de votos que havia tido Evo Morales, sem no entanto a maioria absoluta, o que levou a situações de impasse com a oposição, que buscou travar e inviabilizar a nova Constituição. A posição do governo foi a de levar as diferenças a uma consulta popular final, que daria o formato final à Constituição. Sentindo que seria derrotada, a oposição passou a usar a violência, para cercar o edifício em que se reunia a Constituinte, em Sucre, agregando a reivindicação da transferência da capital política do país para essa cidade.
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Para romper o impasse e devolver à Assembléia Constituinte capacidade de funcionamento, o governo deslocou o lugar de seu funcionamento e foi aprovada, por maioria de votos o projeto da nova Constituição, que será submetido a uma consulta popular nacional. Além disso, Evo Morales propôs a todos os governantes – a começar por ele, mas também os governadores dos estados – que se submetam a um referendo revogatório.
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O governo coloca, assim, nas mãos do povo as duas decisões fundamentais – a sobre a nova Constituição e a sobre a legitimidade dos governantes atuais. A oposição se nega e quer fazer um referendo pela autonomia de Santa Cruz, um referendo que concebe a descentralização apenas para a direção dos estados e não para as comunidades – como o faz o projeto de Nova Constituição.
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Neste momento se reabriu um novo processo de negociações entre o governo e a direita, mas que costuma esbarrar nos três temas centrais para os quais o MAS foi eleito: o projeto de Constituição, a reforma agrária e a centralização dos recursos dos hidrocarburetos, para recompor o Estado boliviano e para políticas sociais.
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Postado por Emir Sader, 20/02/2008 às 17:54
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