O clima político brasileiro continua agitado, com a reiteração das polarizações produzidas desde as denúncias de 2005 sobre o que a imprensa convencionou chamar de “mensalão”. De um lado, os partidos de oposição, com seu núcleo coesionador – PSDB e DEM – acompanhados de partidos aliados, como o PPS e tendo no bloco monopolista da grande mídia privada seu carro-chefe -, de outro o governo e expressões da mídia alternativa.
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Pela tensão, pela violência dos ataques, pela reiteração das acusações, poderia parecer que o país vive um clima de forte polarização social e política, com dois projetos de sociedade em oposição frontal. Mas quando se olha para os fatores estruturais, constatamos que existe um modelo econômico consensual entre as grandes forças políticas – as mesmas que se envolvem diretamente nesses embates -, políticas sociais que não são questionadas, porque representam inquestionavelmente uma melhoria de vida da massa pobre do país e que incentiva a expansão do mercado interno. Enquanto isso, o país vive um período de poucas convulsões sociais, como se a energia se perdesse pelas beiradas do caldeirão social, canalizada para a violência cotidiana e não para grandes lutas populares.
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Então de onde vem e a que corresponde essa virulência da oposição ao governo? Por que até mesmo uma parte significativa do grande empresariado, atendido pelo modelo econômico, se soma à campanha opositora? Por que a afirmação de setores radicalizados da esquerda de que se trata de um governo neoliberal não consegue dar conta do enfrentamento central do campo político em todo o período político atual? O que está em jogo? O que se disputa, além de cargos eleitorais?
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O neoliberalismo reconstruiu o campo político, concentrando todas as energias negativas no Estado – responsável pela estagnação econômica, pela falta de dinamismo, pelo confisco dos recursos dos indivíduos, pela ineficácia nas políticas sociais, etc., etc. O Estado mínimo deveria concentrar seus recursos e esforços no incentivo à expansão do capital que, nos seus desdobramentos – dado o dinamismo e o protagonismo central que passou a ser atribuído às empresas, uma forma de designar ao mercado – produziria crescimento econômico, modernização tecnológica, diminuição da arrecadação tributária, expansão do mercado externo, geração de empregos, aumento da capacidade de consumo, etc. etc. Como já se disse tantas vezes, um Estado mínimo para a grande maioria – que depende de políticas sociais – e um Estado máximo para o capital, com a privatização dos lucros e, quando houver prejuízos, sua socialização.
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O que incomoda centralmente à oposição, refletido nas manchetes e campanhas da imprensa opositora, presente nos seus colunistas, soldados das causas do bloco direitista de oposição? A alta taxa de juros? A lentidão na reforma agrária? O incentivo aos agro-negócios e o uso extensivo dos trangênicos? A injusta tributação, que concentra renda, ao invés de redistribuir? A repressão às rádios comunitárias? A falta de demarcação das terras indígenas? A não abertura dos arquivos da ditadura?
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Não. O foco reiterado da oposição está nos “gastos excessivos do governo”, na contratação de mais funcionários públicos, na carga tributária, no que chamam de “aparelhamento do Estado” - que na realidade se trata da designação por critério político no preenchimento de cargos -, as normas que disciplinam atividades econômicas, etc. Em suma, tudo o que seja fortalecimento do papel do Estado, seja pelo aumento de seus funcionários, pela sua melhor remuneração, pelo combate à terceirização e formalização dos contratos, pelo incentivo ao consumo popular, pelo papel regulador do Estado.
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A “livre circulação do capital” segue sendo a utopia da direita. Que o capital circule e a sociedade se povoará de felicidades! Que o Estado seja reduzido à sua mínima expressão: sem impostos, sem funcionários, sem leis, sem instituições políticas, sem partidos, que as eleições sejam o mais parecido possível a um shopping-center e os candidatos a vendedores de mercadorias, a ideologia reduzida a marketing, o cidadão transformado em consumidor, os direitos em bens negociáveis na compra e venda, a sociedade identificada com o mercado.
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O que está em disputa – daí o tom virulento, pela importância que segue tendo – é o Estado, o aparato de Estado, que deveria continuar se debilitando, como aconteceu em toda a década anterior. Que siga a privatização, chegando a hora da Petrobrás, do Banco do Brasil, da Eletrobrás, da Caixa Econômica Federal. Que o Estado siga servindo única e exclusivamente aos interesses das grandes corporações privadas – da indústria, dos bancos, da terra, da mídia, do comércio.
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A plataforma da direita tem, como primeiro item, a diminuição dos impostos, base econômica do Estado. Daí a campanha contra a CPMF, contra o “inchamento” do aparelho de Estado, contra as normas estatais – que atrasariam, por exemplo, com as normas ambientais, a liberação de licenças de investimentos, contra os aumentos de salários dos servidores públicos. Pela independência do Banco Central, pelo superávit fiscal.
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Menos Estado, em ultima instância, porque o Estado organiza os cidadãos, que são sujeitos de direitos. Menos Estado e mais mercado, que organiza consumidores, medidos não por direitos – que não são reconhecidos pelo mercado -, mas pela capacidade de consumo.
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As classes dominantes que sempre detiveram poder sobre o Estado, ressentem não poder fazê-lo a seu bel prazer. Na última vez que haviam perdido o controle sobre o aparelho de Estado – no governo Jango, de 1961 a 1964, há quase meio século – se puseram imediatamente a preparar o golpe militar, com o apoio desses mesmos órgãos de imprensa – Folha de São Paulo, Estadão, Globo, entre outros. Recuperaram o poder sobre o Estado, que foi militarizado e se colocou completamente à disposição do grande empresariado privado nacional e estrangeiro.
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Conseguiram transitar de forma impune à democracia liberal, tanto militares, quanto empresários, incluindo os órgãos da imprensa que haviam pregado o golpe militar e apoiado a ditadura. Encontraram em Collor e em FHC seus novos heróis, este, quando afirmou o que acreditavam fosse uma frase definitiva: o sociólogo das elites brancas dos jardins paulistas disse que ia “virar a página de getulismo”, conclamando à vingança tardia de 1932. Fizeram o que bem entenderam, se apropriaram de várias das maiores empresas estatais brasileiras a preço de banana – saneadas pelo BNDES, que ao mesmo tempo lhes emprestava a juros baixos para comprar as empresas. Puderam ter mão de obra precária, financiamentos generosos, chegaram a mudar o nome da Petrobrás para Petrobrax, preparando-a para se tornar empresa “global” e privatizá-la.
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Acostumadas a usar o Estado como “comitê executivo das classes dominantes” – conforme a expressão de Marx no Manifesto Comunista – acusam o golpe de perder esse controle absoluto. Seguem ocupando espaços determinantes no aparato de Estado – a começar pelo estratégico Banco Central -, além de serem contemplados por créditos fáceis e incentivos amplos, mas para quem sentia o Estado como seu território, para nomear a quem quisessem, privatizar o que desejassem, acusam o golpe e se tornam raivosamente e totalitariamente opositores furibundos.
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Não perdoam aos que os derrotaram duas vezes, não importa que se vingam ao ver políticas suas reproduzidas no governo que os derrotou. Não lhes basta.
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A campanha de denúncias morais vai na mesma direção de criminalizar o Estado, quando os maiores escândalos contemporâneos são protagonizados por empresas privadas, entre elas os bancos. Não importa o que seja, como seja, são os neo-conservadores no Brasil, defensores do mercado contra o Estado – o verdadeiro tema de disputa, cuja importância explica a virulência das agressões opositoras, na sua ânsia de recuperar o que consideram seu, por definição – o Estado brasileiro.
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Postado por Emir Sader às 09:15
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