Páginas

pergunta:

"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

17.5.07

Comunidade São Francisco do Paraguaçu acusa racismo em "Jornal Nacional" e Rede Globo

16 DE MAIO DE 2007 - 16h38
A Comunidade São Francisco do Paraguaçu, de Cachoeira, na Bahia, acusa a TV Globo de veicular uma reportagem racista, no Jornal Nacional de segunda-feira (14), contra os moradores negros daquela região do recôncavo baiano. Segundo a comunidade, a reportagem tem o claro objetivo de desqualificar a Comunidade São Francisco do Paraguaçu e seus moradores, justamente no momento em que o Estado brasileiro está para reconhecê-los como descendentes de quilombolas.
A nota também critica a distorção dos fatos para criminalizar os moradores da comunidade. "Estamos decepcionados com a falta de dignidade do jornalista que expôs seu nome numa reportagem fraudulenta, pois as imagens do desmatamento de madeira apresentado na reportagem não foram filmadas em nossa comunidade".
.
Confira a íntegra da nota:
Comunidade Remanescente de
Quilombo São Francisco Do Paraguaçu
As falsidades veiculadas pelo Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão, no dia 14 de maio deste ano, "Crime no quilombo - suspeitas de fraude e extração de madeira de Mata Atlântica", repetem na história o que significou o 14 de maio de 1888 para a população negra no Brasil, dia seguinte à abolição oficial da escravatura.
O dia 14 daquela época significou o acirramento das relações escravistas, da violência racial contra negras e negros, e a tentativa de exterminá-los através de inúmeras medidas de exclusão e apartheid, dando continuidade ao processo de exclusão social e criminalização da população negra.
Passados cem anos continuamos a assistir às práticas racistas, novamente a covardia daqueles que atacam as comunidades negras utilizando as estruturas poderosas de dominação que se manifestam através da veiculação de uma reportagem fraudulenta e tendenciosa, sem oferecer à comunidade nenhuma oportunidade para se defender.
Nossa comunidade assistiu a reportagem exibida no Jornal Nacional da Rede Globo com profunda indignação diante da atitude racista expressa na má fé e na falta de ética de um meio de comunicação poderoso que está submetido a interesses perversos e tenta esmagar uma comunidade negra historicamente excluída.
Já esperávamos por esta reportagem, pois fomos testemunhas do teatro que foi armado por ocasião das filmagens, onde boa parte da comunidade envolvida na luta pela regularização do território quilombola nem sequer foi ouvida, visto que a equipe de reportagem se recusou a registrar qualquer versão contrária aos interesses dos fazendeiros, cortando falas e utilizando de métodos persuasivos, já que demonstrou expressamente o objetivo de manipular e deturpar a realidade, inclusive.
Tentamos conversar com os prepostos da TV Bahia, filial da rede Globo, mas fomos ignorados. Logo vimos a vinculação da reportagem com os poderosos locais que tentam explorar nossa comunidade. Diante deste sentimento de indignação com a reportagem fraudulenta exibida hoje vimos a público divulgar as verdades que Globo não divulga:
Historicamente, nossa comunidade ocupa este território. Os relatos dos mais idosos remetem nossa presença a muitas gerações. Ali sempre praticamos um modo de vida fruto de uma longa tradição deixada por nossos ancestrais. Extraímos da Floresta a Piaçava, o Dendê, a Castanha, e tantos outros produtos. Extraímos tantos tipos de cipós diferentes que usamos para fazer cofos, cestos e tantos outros artesanatos aprendidos com nossos avós. Nós amamos a floresta e a defendemos. Nossa luta para defender a floresta causa a ira de poderosos interesses que desejam o desmatamento para a grande criação de gado que cresce no recôncavo.
Estamos decepcionados com a falta de dignidade do jornalista que expôs seu nome numa reportagem fraudulenta, pois as imagens do desmatamento de madeira apresentado na reportagem não foram filmadas em nossa comunidade, sendo que a pessoa flagrada no corte de madeiras não pertence à comunidade de São Francisco do Paraguaçu, confirmando a manipulação dolosa, visto que as falas foram cortadas e editadas com o objetivo de transmitir uma mensagem mentirosa e caluniosa. Perguntamos aos responsáveis pela matéria: por que não relataram as vultosas multas não pagas ao Ibama pelos fazendeiros? Por que não mostraram os mangues cercados que inviabilizam a sobrevivência da comunidade?
Desta maneira, os poderosos que nos oprimem preferem partir para a calúnia, fraude e abuso do poder econômico. Tentam assim dissimular, já que sabem da força da verdade e do nosso direito. O Sr. Ivo, que aparece na reportagem e se diz dono da nossa área, é um médico com forte influência política na região; à frente de seus interesses está o seu Genro, conhecido como Lú Cachoeira, filho de um ex-prefeito e eterno candidato a prefeito. Lu Cachoeira tem um cargo de confiança no Governo do Estado como assessor especial na CAR (Coordenação de Ação Regional) e utiliza sua influência política para perseguir a comunidade.
Esta família poderosa tem feito várias investidas contra a comunidade utilizando, inclusive, capangas, pistoleiros, ameaçando a comunidade, violentando crianças, perseguindo idosos, inclusive, utilizando métodos torpes refletidos nas ações violentas de policiais militares não fardados a serviço da família Santana que pode ser comprovado através de relatório da Polícia Federal que já teve diversas vezes na comunidade para nos defender.
Imbuídos do sentimento de justiça, não podemos compactuar com atitudes que visam reverter as conquistas democráticas de reconhecimento de direitos da população negra, um verdadeiro afronte aos artigos 215, 216 e o artigo 68 das Disposições Transitórias da Constituição Federal.
O povo negro e as comunidades quilombolas, cientes de que o caminho de reparação das injustiças raciais é irreversível e que o direito constitucional à propriedade de seus territórios tradicionalmente ocupados é uma conquista da democracia brasileira, não sucumbirá aos interesses poderosos que durante toda história do Brasil promoveram atitudes autoritárias e de desrespeito ao Estado Democrático de Direito.
Lamentamos a covardia daqueles que usam o poder da mídia e do dinheiro para oprimir e perseguir comunidades tradicionais. Já estamos acostumados com esta prática perversa. Nosso povo resistiu até aqui enfrentando o peso da escravidão. FIÉIS A NOSSOS ANCESTRAIS, CONTINUAREMOS FIRMES, DE PÉ, LUTANDO PELA LIBERDADE!
Pela vergonhosa manipulação dos fatos e depoimentos, QUEREMOS DIREITO DE RESPOSTA E QUE O INCRA E A FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES SE PRONUNCIEM.
Pedimos às entidades, instituições e movimentos solidários com a luta do povo quilombola que manifestem repúdio à Rede Globo de Televisão e ao Jornal Nacional mandando e-mails e/ou cartas para os seguintes endereços: Rua Von Martius, nº 22 - Jardim Botânico - CEP: 22.460-040 - RJ. E-mail: jn@redeglobo.com.br.
...............................................................................................................................
.
SÃO FRANCISCO DO PARAGUAÇU - TERRITÓRIO AMEAÇADO!
.
Globo ataca Quilombos!!!
.
A comunidade remanescente de quilombo de São Francisco do Paraguaçu está localizada no município de Cachoeira, Estado da Bahia. Na comunidade, cerca de 300 famílias vivem da agricultura de subsistência, da pesca, da coleta de marisco e do extrativismo da piaçava. A atividade produtiva é baseada no trabalho familiar, na cooperação simples entre diferentes grupos domésticos e no uso comum dos recursos naturais.
.
A equipe da Rede Globo (TV Bahia) esteve em São Francisco do Paraguaçu entrevistando apenas os moradores que têm relação de compadrio com os proprietários e os funcionários que trabalham para os fazendeiros que se encontram na área pleiteada pela comunidade. O Sr. Osório, quilombola morador da região, que no momento quis se declarar quilombola não teve oportunidade de ser escutado pela TV Bahia, que também abafou a voz de Sr. Altino com a locução que conduziu toda a reportagem. Sr. Eronildes, um dos entrevistados, mora numa das maiores casas do povoado, é afilhado de João Santana, pai do Dr. Ivo Santana que foi o fazendeiro entrevistado pelo Jornal Nacional. Ivo é médico e estabeleceu relações clientelistas com os comunitários.
.
O desafio das comunidades na sua formação era resistir à iminência de destruição pelos capitães do mato e pela tropas criadas para dizimá-las. A estratégia das comunidades era não se fazer perceber. Portanto, é necessário delicadeza para entender que quilombo também se tornou uma categoria política pois a explicitação de sua identidade é fundamental para o reconhecimento e titulação de suas terras, é uma estratégia de luta e resistência. O outro entrevistado que afirma não saber dançar maculelê é Binho, o funcionário fiel de Carlos Diniz, proprietário da Reserva Particular do Patrimônio Natural da Peninha. Responde ao jornalista que procurava tratar a identidade quilombola como uma fraude ao associá-la a uma caricatura estereotipada do quilombo que eles já estavam dispostos a atacar.
.
A manipulação de informações resultou na montagem de um mosaico desconexo de frases soltas que até o mais elementar conhecedor da técnica da edição percebe que foi estarrecedoramente tendencioso, para usar o termo de William Bonner. A reportagem apresentou a comunidade como responsável pelo desmatamento de uma área de proteção ambiental.
.
A área que a Rede Globo filmou NÃO faz parte do território de São Francisco do Paraguaçu. Trata-se portanto de calúnia. Tal desmatamento pode ser visto na beira estrada por quem quiser visitar o local. Está localizado antes do povoado de Santiago do Iguape, distante do início da área pleiteada pela Comunidade de São Francisco do Paraguaçu. Na reportagem, o rapaz que está desmatando não se identifica em nenhum momento como morador da referida comunidade.
.
HISTÓRICO DA ORIGEM DO GRUPO
.
Nascendo às costas da Baía de Todos os Santos, o Recôncavo Baiano abriga dezenas de municípios e constitui um dos principais sítios da herança africana na sociedade brasileira. O tráfico trouxe numerosos negros bantos que ao chegarem à Bahia se espalharam pelas plantações de cana de açúcar e fumo do Recôncavo. No auge da atividade agrícola, foram instalados nas grandes fazendas, inúmeros engenhos de cana-de-açúcar. O cultivo e o beneficiamento da cana dependiam do uso de mão-de-obra escrava.
.
Em 1566 foi doada a capitania do Recôncavo a Álvaro da Costa. D. Álvaro da Costa, filho do 2º Governador-Geral, recebeu terras no recôncavo da Bahia, como prêmio pela guerra que desenvolvera contra as tribos indígenas, as terras foram dadas como sesmarias. Posteriormente a região passou a ser ocupada por escravos que chegaram para a construção do Convento de Santo Antonio e para trabalhar nos canaviais. No interior desse Convento está enterrada uma família de portugueses que eram os senhores das usinas de cana Cotinga e do Engenho da Peninha.
.
O Jornal Nacional afirmou, levianamente, que Engenhos de Açúcar nunca existiram na região, ignorando o fato de que uma das áreas pleiteadas trata-se de uma das primeiras fazendas de exportação de açúcar para Europa, onde existiu um engenho muito importante, cujas ruínas podem ser observadas até hoje. A área onde está construída o Convento, corresponde a duas sesmarias de terra e foi doada aos padres franciscanos pela família proprietária do Engenho Velho. A Igreja foi construída em 1660, e 1688 foi construído o Salão do Mar que era a prisão dos escravos, onde foram encontrados esqueletos enterrados de ponta cabeça e acorrentados de pé.
.
Durante a construção, muitos negros fugiram do trabalho árduo, por não agüentar a violência, procuraram um lugar de mata fechada para se refugiar. Posteriormente com o término do Convento, os outros fugiram e começou processo de formação do quilombo do Boqueirão. Depois da abolição eles voltaram para vila. Antes na vila só moravam os brancos, os donos de engenho.O proprietário do Engenho Velho, onde está localizada a Reserva da Peninha, Carlos Diniz, ao chegar na região, realizou um enorme desmatamento, e agora, convenientemente, posa de ambientalista, para receber financiamentos internacionais e cuidar do que eles mesmos destruíram.
.
Ao contrário do apresentado na reportagem, os fazendeiros vêm usurpando as terras dos quilombos porque são as mais preservadas uma vez que o modo de vida tradicional vem mantendo a integridade de seus ecossistemas ao longo das gerações. Práticas sustentáveis sempre foram e continuam sendo desenvolvidas por muitos povos indígenas, quilombolas ou populações autóctones em todo o mundo, cujos princípios estão intrinsecamente arraigados às culturas milenares que foram se adaptando ao meio e este se moldando à ação humana.
.
Como prevê a definição da Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, comunidades tradicionais se caracterizam por ocupar e us ar seus territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas geradas e transmitidos pela tradição.
.
A comunidade de São Francisco do Paraguaçu, depende diretamente dos recursos naturais para a sua sobrevivência e, assim, desenvolveu historicamente formas próprias de organização social, costumes, crenças e tradições, bem como de relações com o ambiente, que viabilizaram uma convivência harmônica com o ecossistema. Vivem da pesca, do mangue e do extrativismo da piaçava e, se não cuidarem do mato, do mangue e da maré, sua sobrevivência estará ameaçada.
.
Os conhecimentos sobre as ervas medicinais e sobre ciclos de cultivo são ensinados pelos avós que sempre viveram do mato aprenderam a respeitá-lo . No Engenho Velho, a comunidade sempre freqüentou o candomblé de Pureza, a qual não poderia realizar sua liturgia sem acesso aos locais sagrados da natureza.
.
Os reais impactos ambientais já comprovados no território de São Francisco do Paraguaçu, foram obras de fazendeiros da região, que aterraram mangues, provocaram erosão com a construção de estradas e derrubaram a floresta para criação de gado.
.
O fazendeiro Ivo Santana afirmou na reportagem que a comunidade é formada por refugiados da Seca do Sertão. Todas as evidências que a equipe de técnicos do INCRA pode constatar, a partir de estudos aprofundados na comunidade que exigiram períodos prolongados de convivência, indicam que a origem da comunidade só pode ser entendida a partir da construção do Convento, cuja obra foi iniciada em 1660 e concluída em 1688 com muito suor e sangue derramado por escravos africanos. Além disso, o fato de alguns terem chegado depois não desqualifica a relação dos moradores com o território e com a identificação étnica, como define a quilombola Roseni:
.
“Fazemos parte porque toda a nossa raiz familiar, todos os nossos antepassados fizeram parte dessa linhagem. Todos nós franciscanos somos quilombolas, independente da cor do cabelo, dos olhos, não é preciso ter nascido aqui. Se vier para cá e aceitar nossa forma de vida, querer viver coletivamente, ver a comunidade como irmãos, se eles se sentirem quilombolas, serão quilombolas.”
.
Corroborando isso, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, implementada no Brasil, assim como a legislação que regulamento o processo de regularização fundiária das comunidades remanescentes de quilombos, estabelecem que o critério para definição dos povos e comunidades tradicionais é a auto-atribuição.
.
Por fim, sem nenhum argumento consistente, a reportagem tentou fazer o espectador se render ao apelo sentimental do pássaro olho de fogo rendado. Com tom disfarçado de ambientalista, o real objetivo da reportagem foi defender a manutenção dos interesses da aristocracia agrária do Recôncavo Baiano. De fato, o que está ameaçada é a liberdade de uma comunidade que viveu secularmente na sombra do patrão, se acostumou a servir e está presa por relações de exploração clientelista. A esperança vem daqueles que recusam a humilhação, resistem por sua dignidade, lutam pelo direito de permanecer e cuidar. E mesmo de dentro da gaiola fazem ecoar a liberdade, seu canto nunca poderá ser preso.
.
Camila Dutervil
.
Antropóloga Responsável
.
Brasília , 14 de maio de 2007

Um comentário:

Anônimo disse...

Devem ser feitos estudos antropológicos, pois as pessoas podem ser remanescentes de quilombos... e não terem consciência disso, porque a história da população local é oral... não está nos livros de história usados nas escolas...


Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz