DISCRIMINAÇÃO NO TRABALHO
Em relatório mundial, a Organização Internacional do Trabalho mostra que, apesar dos esforços despendidos pelos países para melhorar sua legislação, a discriminação nos locais de trabalho é geral, recorrente e insidiosa.
Bia Barbosa - Carta Maior
BRASÍLIA - Dado que o trabalho ocupa um lugar central em nossas vidas, eliminar a discriminação no local de trabalho pode contribuir em grande medida para extirpá-la da sociedade em geral. Com essa premissa, em 1998, a Declaração sobre princípios e direitos fundamentais no trabalho da OIT (Organização Internacional do Trabalho) inclui a eliminação da discriminação como um de seus princípios fundamentais. Desde então, a organização vem realizando estudos anualmente sobre esses princípios e o mais recente deles foi lançado nesta quinta-feira (10), em Brasília. O estudo - o segundo que trata da discriminação - será discutido na próxima conferência da OIT, marcada para o mês de junho, em Genebra.
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Intitulado "Igualdade no Trabalho: enfrentando os desafios", o relatório afirma que continua sendo significativa e crescente a desigualdade de oportunidades neste campo. Apesar dos estados Membros da OIT terem avaçado em seus esforços para enfrentar o problema - nove de cada dez países da organização ratificaram convenções espefíficas consideradas fundamentais sobre discriminação; houve o surgimento de cláusulas relacionadas com a discriminação e a igualdade nos códigos trabalhistas nacionais; a ONU acabou de adotar uma nova convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência; e se observa um aumento sustentável de leis e políticas destinadas a lutar contra a discriminação - os desafios persistem.
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"Foram feitos progressos, mas continuamos sendo conscientes dos escassos avanços alcançados no que diz respeito à sensibilização e à capacidade das instituições para lutar contra a discriminação", afirmou o diretor-geral da OIT, Juan Somavia. "A discriminação é fenômeno geral, recorrente, incidioso e dinâmico. A convenção reconheceu sete tipos de descriminação, como gênero, raça, etnia, origem social. Mas há formas de discriminação recentemente reconhecidas: em função da idade, da orientação sexual, de deficiência ou discriminação contra pessoas vivendo com HIV/Aids. Sem falar em formas emergentes de discriminação: pela condição genética, por predisposição e em função de estilos de vida considerados pouco saudáveis, como o tabagismo e a obesidade", explicou a diretora do escritório da OIT no Brasil, Laís Abramo.
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Em função de tamanha complexidade e de este ser um fenômeno múltiplo e em constante transformação, nenhum indicador isolado é capaz de medir a discriminação. Mas dados disponíveis indicam que a desigualdade de acesso e oportunidades no trabalho é profunda e sua eliminação é lenta.
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A desigualdade de gênero, por exemplo, se faz presente na remuneração, na segregação ocupacional e na necessidade de se conciliar o trabalho com as resposabilidades familiares. Na União Européia a diferença dos rendimentos brutos por hora entre homens e mulheres continua sendo em média de 15%. Nos últimos anos, as taxas de participação feminina na força de trabalho tiveram aumento significativo, o que contribuiu para diminuir a desigualdade em relação a esse indicador. Mas o relatório adverte que os resultados estão desigualmente distribuídos pelo mundo, com uma proporção de 71,1% na América do Norte, 62% na União Européia, 61,2% na Ásia Oriental e Pacífico e 32% no Oriente Médio e Norte da África.
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Outro dado apresentado no estudo mostra que as possibilidades de encontrar trabalho diminuem à medida em que aumenta a deficiência de uma pessoa. Na Europa, 66% da população entre 16 e 64 anos têm possibilidade de encontrar um emprego. No caso das pessoas com deficiência, a proporção baixa para 47% e para 25% entre aqueles com deficiência severa. No mundo todo, cerca de 470 milhões de pessoas com deficiência estão em idade de trabalhar, e continuam sendo vítimas desta discriminação.
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Os limites da lei
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Parte da persistência da discriminação no trabalho se deve ao fato da aplicação da legislação desenhada para combater esta prática não ser aplicada da forma ideal. Em muitos países, a apliação da lei chega a ser, na avaliação da OIT, defeituosa. Daí o papel fundamental da justiça do trabalho de supervisionar e zelar pelo seu cumprimento. A jurisprudência que pode ser definida pelos tribunais de trabalho também tem contribuído para um aperfeiçoamento da legislação.
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No Brasil, o Programa de Promoção de Igualdade de Oportunidade para Todos desenvolvido pelo Ministério Público do Trabalho tem buscado trabalhar com uma perspectiva mais ampla de discriminação e atacar via justiça, por exemplo, os efeitos indiretos de procedimentos de seleção de pessoal em empresas que possam resultar em discriminação. Neste programa, o MPT atua considerando as especificidades do racismo e do sexismo, considerados os eixos estruturantes da maior parte das discriminações no país.
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"É exatamente a discriminação velada, revestida de cordialidade, sem conflitos abertos, que gera os piores efeitos na sociedade, pois pretere negros e mulheres sem deixas pistas do porquê", acredita Sandra Lia Simon, Procuradora Geral do Trabalho, para quem há um debate vanguadista a ser travado no país quando se fala de ações afirmativas.
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Em 2006, após a promulgação da Lei 8203, que trata da reserva de vagas no mercado de trabalho para pessoas com deficiência, a atuação do MPT neste campo gerou o reconhecimento das empresas de quase 65 mil vagas destinadas a essa população. Já foram propostas 191 ações civis públicas e celebrados 1772 termos de ajustamento de conduta.
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"Mas infelizmente os relatórios costumam cair no esquecimento. Na hora de assinar as conveções o Brasil é campeão, mas frequentemente este tem sido um compromisso que fica restrito à União. Quando olhamos para o interior do país e vemos como ele é aplicado no pacto federativo, há um descompasso muito grande do ponto de vista jurídico na cobrança dessas obrigações", avalia a Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Ela Wieko.
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Por isso, ela defende o que chama de internalização do relatório lançado pela OIT nesta quinta, através de uma rodada de mesas redondas pelo países que visem a um aumento do compromisso político dos estados no combate à discriminação no trabalho.
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"Acredito na capacidade do relatório de ser um indutor para a implementação de experiências e práticas no plano da administração pública e privada, que independam do processo legislativo, ou seja, de edição de leis, porque este processo é moroso e enfrenta também obstáculos de discriminação", defende Ela Wieko. Na opinião de Laís Abramo, no entanto, a lei é fundamental, mas não suficiente.
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"Quando um país ratifica uma convenção internacional, ele está obrigado a desenvolver políticas e mecanismos para o cumprimento desta convenção. Este relatório aponta alguns desses mecanismos, como as institutições nacionais. O relatório destaca no Brasil, por exemplo, a criação e consolidação de instituições de promoção da igualdade, como a Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). Mas em muitos países há fragilidade em dotação de recusos humanos e financeiros nessas instituições e dificuldade em promover a transversalidade da questão da igualdade", explica.
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O estudo da OIT conclui afirmando que as causas para discriminação são múltiplas, então as ações para sua superação também devem ser, assim como deve ser o compromisso de toda a sociedade - Estado, empresas e sociedade civil - no enfrentamento desta prática. "A promoção da igualdade é um compromisso tripartite e requer um esforço persistente, prolongado e criativo", afirma a diretora da OIT no Brasil.
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"Afinal, o custo da discriminação não é só um atentado aos direitos fundamentais, mas também um grande custo para empresas. Na medida em que as pessoas não têm acesso ao emprego em função da cor da pele, do seu sexo, da sua origem social ou regional, há um enorme desperdício de recursos e talentos humanos, com efeitos muito negativos tanto na produtividade da empresa como no desenvolvimento humano da nossa sociedade. Isso debilita a coesão social e a democracia de um país. Lutar contra isso é, portanto, aprofundar exercício da cidadania", conclui Laís Abramo.
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