São Paulo, domingo, 15 de abril de 2007
FOLHA DE SÃO PAULO - TENDÊNCIAS/DEBATES
TARSO GENRO
Quando parte do povo aceita
como natural que grupos
privados dêem mais segurança
que o Estado, estamos
chegando no limite
O PODER soberano do povo, na democracia moderna, supõe que a Constituição é originária da sua vontade plena. Mas o povo é diverso, não constitui vontade única e o consenso -retratado na Constituição- é apenas uma trégua para novas mudanças na história. Esse artifício do gênio humano é a maior revolução política que a humanidade jamais produziu.
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A superioridade dessa construção -a vontade unitária do povo aceita como contrato político- é que abre o regime democrático para a exigência de mais democracia. Se a vontade unitária do povo é aceita racionalmente como um acordo engendrado pela razão (tornada contrato político), ela pode ser aperfeiçoada como fruto da própria razão (para promover melhores contratos políticos).
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A tentativa de instituir a pura vontade "de classe" ou da "nação" como origem do poder constituinte -como tentaram respectivamente a experiência dos sovietes e do fascismo- fracassou por muitos motivos. Como expressão do direito, porém, elas faliram porque, considerando a nova Constituição como expressão pura de uma classe ou da nação (e não como ficção consensuada no discurso jurídico), o direito constitucional fechou-se para qualquer evolução inspirada na diversidade real do povo.
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A regulação do poder do Estado democrático de Direito abrange necessariamente dois grandes níveis: a regulação para o exercício legal da violência preventiva e repressiva; a regulação de políticas sociais, econômicas, culturais, para que os cidadãos não precisem buscar o exercício arbitrário da violência privada para proteger seus interesses.
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O esforço que nosso país faz desde a Constituição de 88, no terreno da segurança, é sempre mais voltado para políticas repressivas tradicionais do que para políticas que interfiram sobre fontes sociais, culturais e psicológicas da violência e do crime. Já temos, porém, de governos de distintas posições políticas, programas positivos que abrangem os dois níveis de luta contra a violência e o crime, que devem ser universalizados.
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Quando pelo menos uma parte significativa do povo (aquele colegiado aberto que detém a soberania) começa a aceitar como natural que grupos privados lhe dêem mais segurança do que o próprio Estado, é porque estamos chegando no limite. É quando o monopólio da violência pelo Estado começa a ser deslegitimado e assim a violência, como fato "social-natural", tende a tornar-se uma norma não escrita. Pior: aceita como superior às leis originárias do poder constituinte do povo.
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Precisamos, para resgatar a confiança do povo no seu poder constituinte, de programas municipais, estaduais e federais, que integrem as políticas de segurança pública com as políticas sociais, e para isso é preciso, em primeiro lugar, ter "foco" determinado (o que não significa artesanato ou micro-experiências localizadas), "centro" em grandes áreas metropolitanas, sobre faixas etárias específicas (juventude) mais sensíveis e "prioridade social" para setores mais atingidos pela criminalidade, face a carências culturais e econômicas.
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Essas políticas devem ser cientificamente programadas pelos entes da federação, e à medida em que abrirem perspectivas de vida para milhões de jovens, darão um novo sentido democrático ao crescimento econômico e ajudarão a relegitimar a própria repressão ao crime. As medidas de natureza puramente policial são insubstituíveis, mas elas só incidem sobre o presente imediato.
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É natural, por isso, que elas tenham forte acolhimento na consciência média da cidadania e larga simpatia dos meios de comunicação. Lamentavelmente, no entanto, é previsível que, no máximo, elas mantenham a situação como está. A questão da segurança no Brasil já não é uma questão apenas de déficit de funcionalidade policial do Estado de Direito atual, como acentuou corretamente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Está em causa a própria aceitação da democracia como jogo aberto para todos e no qual todos, de algum modo, podem ser vencedores.
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TARSO GENRO , 60, é ministro da Justiça. Foi ministro da Educação, ministro da Secretaria Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República e prefeito de Porto Alegre pelo PT. É autor de "Utopia Possível" (Artes e Ofícios).
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