A meritocracia no país de Michelzinho e Rivânia, a menina que salvou livros da cheia em PE.
Por Carlos Fernandes
De todas as pautas que orbitam as obscuras e desonestas reivindicações da elite brasileira caninamente seguida e bajulada por uma classe média sabidamente preconceituosa, racista e conservadora, seguramente a mais cretina é a que diz respeito à tal da meritocracia.
Não é preciso ser exatamente um gênio nas ciências sociais para entender o absurdo que é impôr metas iguais para pessoas pertencentes a classes sociais tão diferentes sob um regime social, político e econômico tão excludente como o que se perpetuou no Brasil séculos após séculos numa sociedade que, entre outras coisas, manteve sua construção sobre uma estrutura puramente escravocrata.
Os exemplos das desigualdades são imensos e escancarados, mas vergonhosamente teimamos em não querer enxergá-los, muitas vezes por covardia, medo, despeito ou, quem sabe, maldade mesmo. O tema em si é digno de um verdadeiro tratado acadêmico que inevitavelmente nos levaria à conclusão da enorme discrepância do país que pensamos ser para o país que realmente somos.
Como esse espaço não é exatamente o mais apropriado para algo com tamanha pretensão, tenhamos como base a vida que, por si só, cuida de ser didática pelo exemplo.
Tomemos o nosso querido Michelzinho, filho do mais incompetente, odiado e mal avaliado presidente da República que já tivemos desde a redemocratização brasileira.
Michelzinho estuda na Escola das Nações, um colégio internacional localizado num dos bairros mais nobres da capital do país, onde a singela mensalidade gira em torno dos R$ 4.000,00. Michelzinho, em função das mutretagens do pai que ora assume um cargo que a democracia jamais o daria, pode contar com seguranças pagos pelo malfadado contribuinte para irem deixá-lo e buscá-lo sob um cinematográfico esquema de segurança.
Vislumbrado nosso pequeno personagem, tomemos agora o caso de Rivânia, uma criança de 8 anos criada pelos avós, moradora no distrito de Várzea do Una, município de São José da Coroa Grande, zona da mata de Pernambuco.
Afetados pela enchente, a família de Rivânia teve a sua casa inundada e tiveram que sair às pressas sob as condições mais precárias que se pode imaginar. Ao ouvir de sua avó que levasse consigo apenas os seus bens mais importantes, Rivânia salvou o único bem que poderia, no futuro, lhe salvar, seus livros.
Michelzinho e Rivânia representam na mais fria e cruel realidade os extremos de nossa desigualdade. Enquanto Michelzinho possui dois apartamentos milionários em seu nome, Rivânia não sabe sequer onde irá dormir esta noite.
São duas crianças na mesma faixa etária com estilos de vida diametralmente opostas. Mesmo assim, daqui a 20 anos, talvez por uma trágica ironia do destino, Michelzinho, com toda a sua vida estruturada e bem-sucedida, olhará para Rivânia e lhe perguntará com a peculiar empáfia de quem jamais passou necessidade: por que você não se esforçou mais?
Então, vamos falar de meritocracia?
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